Lista de Livros no YouTube

Lista Completa

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A quem pertence o amanhã? Ensaios sobre o neoliberalismo (Parte I) – Manoel Luiz Malaguti, Marcelo D. Carcanholo e Reinaldo A. Carcanholo (org.)

Editora: Loyola
ISBN: 978-85-1501-598-6
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 266
Sinopse: Esta coletânea pretende constituir-se em um espaço de divulgação de ideias críticas ao neoliberalismo. A ortodoxia liberal radicalizada impõe-se hoje como a única expressão possível das práticas sociais e as políticas econômicas condizentes com a modernidade. É bem verdade que seu sucesso deve-se muito mais a apatia das elites, das universidades e dos meios de comunicação do que ao conteúdo e à propriedade de suas propostas. Na realidade, os novos liberais apenas ratificam acriticamente as imposições do mercado: para melhor impulsionar suas potencialidades, o funcionamento do mercado tem sido libertado de todos os “entraves”, de todo e qualquer mecanismo regulador, de tudo que possa impedir sua livre expressão.



“Há duas décadas novas Tábuas da Lei de Deus impõem-se progressivamente ao conjunto da humanidade: uma aliança foi feita. Na civilização cristã, a “antiga” aliança estabeleceu um pacto entre Deus e o Homem, centrado na ideia do amor entre Deus (o Criador, o Pai) e o Homem (sua criatura, o filho), e entre os próprios seres humanos (“Amarás teu próximo como a ti mesmo”). Por seu lado, o homem mantinha toda a sua liberdade. Ele podia pecar; o Pai, misericordioso, podia perdoar.
As Tábuas da Lei dos dias atuais consagram a aliança entre o mercado (e também a tecnologia) e o conjunto da humanidade. O mercado é o grande regulador da vida econômica, o guia dos homens e da sociedade, os quais devem a ele se adaptar por toda a eternidade, Impõe-se “dedicar toda nossa fé aos mecanismos do mercado”1, cujo motor principal é o preço, submetido constantemente às mudanças induzidas pelo progresso científico e técnico, assim como às inovações tecnológicas, cujas exigências e imposições não permitem que nenhum indivíduo e nenhuma sociedade possam escapar. Nesse contexto, a única liberdade que o mercado oferece ao homem é a de submeter-se. Se ele não o fizer, se cair em tentação e pecar, ele não será perdoado. Será simplesmente eliminado do mercado de trabalho, do mercado de bens, do mercado de capitais... As novas Tábuas da Lei exaltam a ideia da competitividade entre todos os homens, entre todos os grupos sociais constituídos e entre todas as comunidades territoriais (cidades, regiões, países), pois, proclamam elas, a saúde individual e coletiva passa pela conquista de partes do mercado, especialmente do mercado mundial2.”
1: Groupe Bangemann. “L’Europe et la société de l’information planétaire, recommandations au Conseil européen”. Relatório de Martin Bangemann. Bruxelas, Comission Européenne, 26 de maio de 1994.
2: Cf. Ricardo Petrella. “L’évangile de la compétitivité”. Le Monde Diplomatique, setembro de 1991.
(Ignacio Ramonet)


“A história dos séculos XIX e XX foi, fundamentalmente, a da redução, até mesmo da eliminação, dos excessos perversos do capitalismo e de suas pretensões de governar a sociedade. Contra a tendência do capitalismo de criar estruturas oligopólicas ou monopólicas, foram votadas as leis antitruste, limitando as concentrações financeiras e industriais. Contra sua lógica de exploração do trabalho humano, foram estabelecidas legislações proibindo o trabalho infantil, um máximo de horas de trabalho cotidiano foi fixado, um salário mínimo vital garantido etc. Contra sua inclinação natural a deixar por conta própria os inaptos para o trabalho, os excluídos ou os desafortunados, foram instaurados sistemas de proteção social. Contra sua propensão a tudo transformar em valor mercantil, foram afirmados os princípios de igualdade, de justiça social e de solidariedade e foi posta a primazia do político e, ainda mais, da ética. Hoje em dia, a mundialização da economia de mercado, privatizada, desregulamentada e liberalizada, está “liberando” o capitalismo das regras, procedimentos e instituições que permitiram, em escala nacional, que fosse construído o “contrato social” (o Estado de bem-estar ou Welfare State)6.”
6: Cf. Christian de Brie, “Feu sur l’etat-providence”, e os artigos de Corinne Gobin e Seumas Mine em Le Monde Diplomatique, janeiro de 1994.
(Ricardo Petrella)


“Citemos cinco (iniciativas que a OMC poderia adotar):
— reintroduzir, em bases coordenadas em escala mundial, medidas nacionais, europeias e internacionais de controle dos movimentos de capitais, lado a lado com a eliminação do sigilo bancário e a proibição dos paraísos fiscais;
— conceber um novo sistema de Bretton Woods (reforma do Fundo Monetário Internacional [FMI] do Banco Mundial e, eventualmente, da Organização Mundial do Comércio, chamada a tomar o lugar do GATT) com o objetivo de orientar a riqueza do mundo para a satisfação das necessidades básicas da população mundial mais desfavorecida;
— estabelecer um novo sistema fiscal que desloque o eixo predominante da taxação atual sobre o trabalho para o capital, os recursos energéticos, as matérias-primas, os equipamentos, com o objetivo de pôr a tecnologia a serviço da valorização dos saberes e das capacidades humanas e não de sua substituição pelas máquinas;
— interromper o crescimento irresponsável e suicida das grandes cidades, notadamente nos países da Ásia, da América Latina e da África, que estão se tornando “buracos negros” ingovernáveis e destruidores da sociedade;
— finalmente, revalorizar — em todos os níveis e de maneira difusa — o papel do legislativo diante do crescimento imperial das tecnocracias e da nova classe mundial da aristocracia da competência e da excelência.”
(Ricardo Petrella)


“O capitalismo industrial, simbolizado de 1850 a 1950 pela usina, suas chaminés de fumaça, seus ritmos de atividade, sua disciplina do trabalho, começa a desaparecer em face de uma nova realidade. E assim tende também a desaparecer a classe operária, o sindicalismo operário e certa forma de conflito e de relações sociais. Não é, por isso, um acaso se, com o passar do tempo, pereça toda uma concepção do socialismo: aquela que foi forjada na luta contra a exploração capitalista na indústria, que tinha feito da classe operária a força principal de emancipação humana e do proletariado industrial o messias dos tempos modernos.
Claro, os ideais fundadores do socialismo solidariedade, equidade, justiça social, fraternidade — sobrevivem6, mas duplamente enfraquecidos: fragilizados por ter perdido sua dinâmica de lutas e por ter de se recompor em capitalismos enfraquecidos pela crise. Mas recompor-se em relação a quê? Essa nova sociedade emergente foi classificada de diversas formas pelos mais variados analistas: terciária, pós-industrial, de serviço, da informação, da comunicação... Mas está aqui o essencial? A dinâmica maior de nosso tempo é a extensão das relações mercantis a quase todos os domínios: à diversão e ao bem-estar dos homens, assim como ao funcionamento das empresas e das organizações, à dinâmica dos sistemas de informação, à decisão como gestão do político e aos sistemas sociais e de gestão do meio ambiente e talvez mesmo de controle do planeta. É então uma nova fase da divisão do trabalho e da esfera das mercadorias, marcada pela multiplicação das mercadorias complexas, produzidas principalmente por grupos capitalistas ou instituições sob seu controle. Lembremos, ainda, que essa produção exige tanto a disponibilidade de um trabalho fundamentado em competências profissionais (jurídicas, médicas, financeiras, de gestão), como materiais e tecnologias quase sempre sofisticadas. Essas “mercadorias complexas” não se reduzem nem a objetos individualizáveis, nem a simples serviços. Elas são combinações do material e do imaterial, de intervenções diretas de competências e do uso de bens com forte conteúdo técnico implicando, então, investimentos pesados, tanto em pesquisa e na produção de equipamentos, quanto na formação de homens. De onde se deduz o papel central dos grandes grupos (como na informática, nas comunicações, nas telecomunicações, nos complexos de informação, nas biotecnologias, no espacial, nos lazeres, na antipoluição etc.) e o papel secundário da sociedade como simples auxiliar do mercado.
Assim, atrás da aparência de uma passagem da indústria para o terciário, o fenômeno decisivo é, segundo pensamos, a emergência de um capitalismo generalizado. Seu campo é a generalização da mercadoria, a mercantilização do próprio homem (saúde, comércio de sangue, de órgãos, da procriação e com a perspectiva da gestão genética de toda sua existência), das funções sociais (educação e informação, conhecimento e gestão da opinião e, provavelmente, com a perspectiva de gestão da decisão política, das tensões e dos conflitos), das atividades humanas superiores (pesquisa científica, elaboração dos saberes, das obras do intelecto e artísticas, com a perspectiva da gestão dos princípios e dos valores sociais), das relações com a natureza (antipoluição, produção e urbanização não-poluentes, com a perspectiva da gestão do planeta) etc.
Em domínios nos quais a reprodução não encontra resistências do mundo material (informação, conhecimento, cultura, criação) a abundância estava ao alcance de uma humanidade que teria hierarquizado seus fins e controlado suas necessidades. Mas as firmas souberam impor seus monopólios, exacerbar e multiplicar as necessidades, criar uma nova escassez. E estamos outra vez presos, em quase todos os momentos de nossas vidas, pela dependência de novos materiais, de novos programas de computador, de novas necessidades de informação, de novas esperas, de novas esperanças, novas alienações...”
6. Cf. Michel Beaud, “Le Socialisme à l’Epreuve de l'Histoire”, Le Seuil, Paris, 1982.
(Michel Beaud)


“Doravante, a economia domina a sociedade. Para numerosas questões que em outros tempos eram tratadas em termos políticos ou éticos, primam agora os argumentos econômicos. A melhoria das condições de vida de cada um, a elevação do nível de vida, a própria existência e até mesmo a felicidade parecem depender essencialmente da vitalidade da economia. No universo da Ciência Econômica, correntes cada vez mais poderosas pretendem trazer respostas a tudo, e isso graças ao simples cálculo econômico. Pois tudo, seria apenas um negócio de maximização ou de otimização11. Assim, a dominação crescente da economia sobre nossas sociedades tende a desdobrar-se em uma dominação crescente do raciocínio econômico sobre nossas mentalidades, nossas formas de pensar, nossos julgamentos e nossas decisões.
Ora, sociedades nacionais e sociedades humanas são cada vez mais dominadas pela esfera monetária e financeira que se desenvolve com a multiplicação das operações de câmbio, o inchaço das atividades financeiras e da bolsa de valores, as especulações incessantes e as arbitragens cada vez mais finas e precisas sobre as taxas de juros e as taxas de câmbio, os jogos cada vez mais etéreos sobre os “futuros”, os diferenciais, as opções...
Essa esfera monetária/financeira começa a inflar-se poderosamente e tende a autonomizar-se em relação ao funcionamento das economias produtivas e mercantis. As trocas nos mercados monetários, financeiros e na bolsa de valores, que representam duas vezes as trocas de mercadorias no tempo de Keynes, representam hoje cinquenta vezes seu valor12. Essa esfera monetária e financeira realiza, de uma forma espetacular, a tendência contemporânea à globalização; ela constitui o meio ideal para as atividades dos especuladores internacionais, das oligarquias e ditadores (enriquecidos em detrimento de seus países13), das finanças de todas as máfias e de todos os tráficos. Agitada pelas relações complexas entre moedas nacionais, finanças públicas dos Estados, estratégias financeiras das multinacionais e contas exteriores das nações, essa esfera também está sujeita a impulsos e lógicas que lhe são próprias; seus efeitos, que se transmitem em tempo real para toda a Terra, arriscam, em caso de crise14, levar na tormenta as moedas e as economias nacionais, com as sociedades humanas que, doravante, delas dependem.
Finalmente, com o duplo processo da mercantilização e da globalização, aparece no cenário uma situação completamente nova na história das sociedades: as sociedades cada vez mais dependentes da economia; economias cada vez mais tributárias das tensões e dos sobressaltos de uma esfera monetária e financeira mundial que nada nem ninguém está em condições de controlar sua dinâmica ou de impedir a espiral de uma crise.”
11. Pensa-se notadamente em Gary Becker. Cf. Michel Beaud e Gilles Dostaler, La Pensée Economique depuis Keynes. Paris, Seuil, 1995, pp. 16ss; pp. 238ss.
12. Outra avaliação: a relação entre o conjunto das compras e das vendas de moedas nos mercados de câmbio e o conjunto das operações ligadas ao comércio mundial eram de seis em 1979 e de vinte em 1986. Ct Michel Beaud, L'Economie Mondiale dans les Années 80. Paris, La Découverte, 1989, pp. 129-129.
13. Nos anos 80, para treze países fortemente endividados do Terceiro Mundo, os haveres no estrangeiro estimados como correspondendo a fugas de capitais representavam 40% a 50% do estoque da dívida externa desses países (United nations Conference on Trade and Development), International Monetary and Financial Issues for the 1990's. ONU, Nova York, vol. III, 1995, p, 66).
14. Dois alertas sérios apoiam nossa afirmação: a crise da bolsa de valores do outono de 1987, por um lado, e os ataques especulativos contra as moedas do sistema monetário no primeiro semestre e no verão de 1995, por outro. Os otimistas podem assim pensar que se poderá sempre evitar o pior; os pessimistas podem temer que uma outra vez todos os diques sejam arrastados pela cheia.
(Michel Beaud)


“Com valores desgastados, coerências fragilizadas, as sociedades contemporâneas não têm mais projetos globais: o crescimento econômico tornou-se sua principal finalidade. Nos países ricos, apresentado por longo tempo como meio de aumentar o bem-estar, o crescimento é, hoje, considerado o principal remédio para o desemprego e a pobreza — alguns preferem não refletir sobre as razões pelas quais, depois de um ou dois séculos de crescimento, os países capitalistas ainda sofrem desses males.”
(Michel Beaud)


“Mas quem não vê a trágica distorção entre a amplitude dos desafios de nosso tempo e a incapacidade de nossas sociedades para enfrentá-los? Não estaríamos entrando numa era de irresponsabilidade ilimitada? Porque, uma vez que o mercado provê tudo, é o consumidor que deve fazer sua escolha; desde que os mercados, principalmente o financeiro, são mundiais, os dirigentes nacionais encontram boas desculpas para o laissez-faire. Firmas, governos, profissionais (da saúde ou das finanças) ou especialistas não são indiferentes em relação aos apelos, às declarações, aos códigos (de boa conduta ou de ética): comprova-se isso, se necessário for, com a conferência do Rio de Janeiro. Mas, diante dos processos em curso que desestruturam nossas sociedades, põem em perigo a Terra, ameaçam a humanidade, nenhum lugar elabora ou põe em prática a estratégia pluridimensional da qual temos necessidade.
Assim, o pior está, talvez, preparando-se: que uma humanidade mais rica do que nunca aceita que um bilhão dos seus mergulhem na miséria; a intolerável desigualdade que caracteriza nosso tempo, nascida da combinação das diversas sociedades e do fosso existente entre elas, atingindo seus limites visto que, em todos os lugares, domina o dinheiro. Para a população mundial considerada em seu conjunto, os 20% mais pobres dispõem de 0,5% do rendimento mundial e os 20% mais ricos, de 79%16. Algumas famílias muito ricas têm como rendimentos o equivalente monetário ao que recebem centenas de milhares de famílias muito carentes. Ninguém ousa dizê-lo, mas o que está sendo instaurado, em estrito silêncio, é um novo apartheid de escala planetária.
O pior é também o sacrifício imposto às próximas gerações pela rapacidade e pelas omissões de hoje, por meio dos recursos desperdiçados e pilhados: água poluída, solos destruídos, lixo químico e radioativo lançados nas terras e nas águas, áreas nucleares (civis ou militares) a controlar. Eles serão vários bilhões a mais (outra irresponsabilidade daqueles que se opõem ao controle demográfico) e terão de gerir os estragos, os riscos e as carências que nós lhes teremos legado. Em vez de conhecer uma nova etapa da emancipação humana, eles estarão submetidos à pressão de novos limites e novas necessidades.
Levando em conta o poder das dinâmicas em curso, a força de aceleração que caracteriza praticamente todos os aspectos da evolução de nosso mundo e a ausência de alternativa crível, só resta o apego firme, é verdade — a umas poucas trincheiras. Assim fazendo, devemos 1) procurar impedir a dominação geral da mercadoria; 2) salvaguardar ou recriar espaços públicos gratuitos e vinculados à pequena produção familiar ou comunitária; 3) redefinir em todos os níveis (locais e mundiais) um espaço de bens públicos de responsabilidade dos poderes constituídos; 4) bloquear a emergência de um apartheid mundial; 5) interromper o agravamento das desigualdades e trabalhar para reduzi-las; 6) reafirmar, restaurar ou instaurar sistemas múltiplos de solidariedade, de redistribuição e de proteção social e, enfim, 7) conceber e colocar em prática estratégias que sejam respostas a necessidades urgentes (água, habitação, saúde) e que suscitem o desenvolvimento de atividades e de empregos, contribuindo para promover formas de produção e de vida não-destruidoras dos recursos e dos equilíbrios de nossa Terra.
Tudo isso na expectativa de que um ímpeto humanístico, ético, político permita melhores perspectivas.”
16. Programa das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento (PNUD). Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento Humano, 1992. Paris, Econômica, 1992, P. 40.
(Michel Beaud)


“A partir do começo dos anos 80, uma grande parte das dívidas das grandes sociedades e bancos foi eliminada e transformada em dívida pública. Esse fenômeno de “conversão” é um elemento central da crise: as perdas foram sistematicamente transferidas para o Estado. Além disso, boa parte das subvenções públicas, em vez de estimular a criação de empregos, foi utilizada para financiar a concentração de empresas, tecnologias limitadoras de mão-de-obra, deslocamentos para o Terceiro Mundo. As despesas do Estado favoreceram desse modo a concentração da propriedade e uma diminuição sensível da força de trabalho industrial, enquanto o desaparecimento de médias e pequenas empresas e a produção de desemprego entre os assalariados (que também são contribuintes) aceleravam a diminuição dos ingressos fiscais6. A crise da dívida ainda favoreceu o estabelecimento de sistemas fiscais regressivos, que também contribuíram para o agravamento... da dívida. Enquanto baixava a imposição sobre as empresas, os impostos (entre eles a TVA, Taxe à la ValeurAjoutée (Imposto sobre valor adicionado]) que atingem a população assalariada eram utilizados para o pagamento da dívida pública. A crise fiscal também foi agravada pela transferência, favorecida pelas novas técnicas bancárias, de lucros de empresas para paraísos fiscais como Suíça, Luxemburgo, Bahamas etc. As ilhas Cayman, colônia caribenha da coroa britânica, constituem o quinto centro bancário do planeta em termos de depósitos anônimos ou de depósitos provindos de empresas de fachada7.
Desse modo, o agravamento do déficit americano está diretamente ligado a uma evasão fiscal maciça e à fuga de lucros não declarados. Em compensação, uma boa parte dos fundos depositados nas ilhas Cayman e nas Bahamas — alguns deles controlados por organizações criminosas — serve para o financiamento de investimentos nos Estados Unidos. Um círculo vicioso foi assim estabelecido. Os destinatários dos subsídios governamentais tornaram-se credores do Estado. Os bônus emitidos pelo Tesouro para financiar as grandes firmas são adquiridos pelos bancos e pelas instituições financeiras, que também são beneficiados pelos subsídios estatais. Movemo-nos no absurdo completo: o Estado financia, desse modo, seu próprio endividamento, subsídios são utilizados para a compra da dívida pública. Assim, o governo está imprensado entre ambientes de negócios que fazem pressão para obter subvenções e serem seus credores. E, como uma grande parte da dívida pública está nas mãos de instituições financeiras privadas, estas últimas estão em posição de influenciar os governos com o objetivo de controlar ainda mais os recursos públicos...
Além disso, em muitos países membros da OCDE, as práticas dos bancos centrais foram modificadas com o objetivo de responder às exigências dos mercados. Essas instituições tornaram-se cada vez mais “independentes” e foram “postas ao abrigo das influências políticas”. Com efeito, isso significa que o Tesouro está cada vez mais à mercê dos credores privados. Na verdade, o Banco Central (que não é responsável nem diante do governo, nem diante dos parlamentares) opera como burocracia autônoma sob a tutela dos interesses financeiros privados. São estes, mais que o governo, que determinam a política monetária. Um exemplo: os fortes aumentos das taxas de juros americanas em 1994-1995 foram ditadas por Wall Street, provocando um inchaço no pagamento de juros da dívida pública e cortes correspondentes nos gastos sociais, que também tinham sido solicitados pelos meios financeiros. A política monetária como meio de intervenção do Estado já existiu um dia; doravante, ela será em parte domínio do banco privado. Contrastando com a raridade crescente dos fundos públicos, a “criação de moeda” (que implica um controle dos recursos reais) é realizada no coração do sistema bancário internacional, com o único fim de enriquecer a ordem privada. Poderosos atores financeiros têm, além da possibilidade de criar e de fazer circular moeda, a de manipular as taxas de lucro e de precipitar a queda de divisas maiores, como aconteceu com a libra esterlina em setembro de 1992.”
6. A contribuição das firmas americanas nos ingressos federais passou de em 1980 para 8,3% em 1992. Cf. US Statistical Abstract, 1992.
7. Estimativas apresentadas por Jack A. Blum em Journées sur les drogues, Le développement et L'état de droit. Bilbao, outubro de 1994. Cf. também Alain Labrousse e Alain Wallon (sob a direção de), La Planite des Drogues. Le Seuil, Paris, 1995; e La Drogue, Nouveau Désordre Mondial. Observatoire Géopolitique des Drogues. Hachette, Paris, 1995.
(Michel Chossudovsky)


“O futuro terá retomado uma perspectiva positiva? Silêncio, entretanto, sobre o futuro do trabalho e do tempo livre nas sociedades ricas; silêncio sobre a evolução demográfica e os fulgurantes fenômenos de urbanização (incluídos em anexos estatísticos nos relatórios); silêncio sobre as relações entre emprego e modo de desenvolvimento; silêncio sobre os meios políticos para domar os “dragões” especulativos mundiais, que não são estranhos à escalada do desemprego. Por outro lado, podemos nos alegrar com a informação de que vários milhares de assalariados da Microsoft são milionários e de que dois dentre eles são bilionários. Para eles, ao menos, a “dura realidade” pertence em princípio, ao passado.”
(Jacques Decornoy)


“Ao contrário das expectativas de uma transição para a democracia depois das ditaduras militares, a ordem neoliberal tem se caracterizado por um recrudescimento das formas autoritárias de governo.
O efeito político e social dessas mudanças é a tendência a excluir da atividade política regular amplos setores da sociedade por uma das três seguintes vias: limitação do exercício do direito do voto (que não necessariamente é respeitado, sobretudo quando seus resultados não beneficiam os grupos dominantes); severa restrição ou eliminação do exercício da representação das organizações sociais realmente existentes (que só detêm espaços limitados através dos partidos políticos com registro estável); e descrédito geral das funções públicas exercidas pelas representações políticas opositoras.
Nessas condições, é cada vez maior o número de conflitos políticos que carecem de canais de negociação, bem como de formas institucionais estáveis de solução. De maneira superficial, a academia conservadora tende a denominar tal circunstância de “ingovernabilidade”, termo usado pelos estrategistas da segurança nacional norte-americana. Por nossa parte, acreditamos que é necessário referir-se, na verdade, ao predomínio de um regime de exclusão que coloca em risco a sobrevivência da ordem, salvo pelas ações de força que possam ser exercidas pelos aparelhos de poder. De todas as maneiras, tal regime de exclusão serve predominantemente para o objetivo de diminuir ainda mais a soberania nacional (entendida como exercício da capacidade de decisão política sobre uma população em um território determinado), com o consequente incremento do intervencionismo externo.”
(Raquel Sosa Elízaga)

Nenhum comentário:

Postar um comentário