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quarta-feira, 18 de outubro de 2017

História da Filosofia Ocidental: A Filosofia Antiga (Vol. I) – Bertrand Russell

Editora: Companhia Editora Nacional
Tradutor: Brenno Silveira
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 336
Sinopse: História da filosofia ocidental é uma obra monumental, que inclui muitos dos mais discutidos autores nas diferentes áreas do conhecimento: da lógica às ciências políticas, da economia à antropologia. Bertrand Russell, considerado um dos maiores pensadores dos séculos XIX e XX, reflete de modo muito eclético e espirituoso sobre a filosofia ocidental desde os pré-socráticos até seus dias.
  


“A filosofia, conforme entendo a palavra, é algo intermediário entre a teologia e a ciência. Como a teologia, consiste de especulações sobre assuntos a que o conhecimento exato não conseguiu até agora chegar, mas, como ciência, apela mais à razão humana do que à autoridade, seja esta a da tradição ou a da revelação. Todo conhecimento definido – eu o afirmaria – pertence à ciência; e todo dogma, quanto ao que ultrapassa o conhecimento definido, pertence à teologia. Mas entre a teologia e a ciência existe uma Terra de Ninguém, exposta aos ataques de ambos os campos: essa Terra de Ninguém é a filosofia.”


“Duas correntes opostas são comuns, hoje em dia, com respeito aos gregos. Uma, praticamente desde a Renascença até época bastante recente, considera os gregos com uma adoração quase supersticiosa, como os inventores de tudo o que há de melhor e como homens de gênio sobre-humano, com os quais os modernos não podem esperar comparar-se. A outra atitude, inspirada pelos êxitos da ciência e por uma crença otimista no progresso, considera a autoridade dos antigos como um íncubo, e afirma que a maior parte de suas contribuições ao pensamento deveria agora ser esquecida. Quanto a mim, não me é possível adotar nenhuma dessas posições extremas; cada uma delas, diria eu, tem a sua parte de razão e a sua parte de erro. Antes de entrar em qualquer pormenor, procurarei dizer que espécie de sabedoria podemos ainda extrair do estudo do pensamento grego.
Quanto à natureza e estrutura do mundo, várias hipóteses são possíveis. O progresso na metafísica, enquanto existiu, consistiu de um refinamento gradual de todas essas hipóteses, um desenvolvimento de suas implicações e uma nova formulação de cada uma delas para enfrentar as objeções levantadas pelos partidários de hipóteses rivais. Aprender a conceber o universo segundo cada um desses sistemas é uma delícia para a imaginação e um antídoto contra o dogmatismo. Ademais, mesmo que nenhuma das hipóteses possa ser demonstrada, há um conhecimento verdadeiro na descoberta do que faz com que cada uma delas esteja de acordo consigo mesma e com os fatos conhecidos. Ora, quase todas as hipóteses que dominaram o filósofo moderno foram, a princípio, formuladas pelos gregos, sua força imaginativa em matérias abstratas jamais poderá ser suficientemente elogiada. Tudo o que direi dos gregos procederá, principalmente, deste ponto de vista. Considerá-los-ei como criadores de teorias que tiveram vida e desenvolvimento independentes, e que, embora, a princípio, um tanto infantis, demonstraram ser capazes de sobreviver e desenvolver-se durante mais de dois mil anos. Os gregos contribuíram, é verdade, com algo que demonstrou ser de valor mais permanente para o pensamento abstrato: descobriram as matemáticas e a arte do raciocínio dedutivo. A geometria, em particular, é uma invenção grega, sem a qual seria impossível a ciência moderna. Mas, com relação às matemáticas, evidencia-se a unilateralidade do gênio grego; raciocinava dedutivamente partindo do que parecia ser evidente por si mesmo, e não dedutivamente partindo do que tinha sido observado. Seus êxitos surpreendentes no emprego deste método induziram a erro não somente o mundo antigo, mas, também, a maior parte do mundo moderno. Foi só muito lentamente que o método científico, que procura chegar aos princípios indutivamente, mediante a observação de determinados fatos, substituiu a crença helênica na dedução partindo de axiomas luminosos extraídos da mente do filósofo. Por esta razão, entre outras, é um erro tratar-se os gregos com reverência supersticiosa. O método científico, embora tenham sido eles os que primeiro o vislumbraram, é, em seu todo, alheio ao seu espírito, e a tentativa de glorificar os gregos diminuindo o progresso intelectual dos últimos quatro séculos, tem um efeito paralisador sobre o pensamento moderno.
Existe, no entanto, um argumento mais geral contra tal reverência, tanto com respeito aos gregos como a outros. Ao estudar-se um filósofo, a atitude correta consiste em não se experimentar nem reverência nem desprezo, mas, desde o começo, uma espécie de simpatia hipotética, até que seja possível saber se deve crer em suas teorias, sendo que somente então deve manifestar um renascimento da atitude crítica, a qual deve assemelhar-se, tanto quanto possível, ao estado de espírito de uma pessoa que abandona as opiniões que até então professava. O desprezo impede a primeira parte deste processo; a reverência, a segunda.
Duas coisas devem ser lembradas: primeiro, que um homem cujas opiniões e teorias são dignas de estudo deve ter possuído uma certa inteligência, mas que é provável que nenhum homem haja chegado à verdade completa e definitiva sobre qualquer matéria. Quando um homem inteligente manifesta uma opinião que nos parece evidentemente absurda, não deveríamos procurar que ela, de certo modo, é verdadeira, mas deveríamos procurar compreender como foi que ela chegou a parecer verdadeira. Este exercício de imaginação histórica e psicológica amplia, ao mesmo tempo, o escopo de nosso pensamento, e nos ajuda a compreender quão tolos muitos de nossos preconceitos mais caros parecerão a uma época de espírito diverso.”


“As teorias filosóficas, se importantes, podem, em geral, ser revividas em uma nova forma, após terem sido refutadas na forma originalmente manifestada. As refutações raras vezes são definitivas; na maioria dos casos, são apenas um prelúdio para novos refinamentos.”


“A grandeza de Atenas começa na época das duas guerras pérsicas (490 A. C. E 480-79 A. C.). Antes dessa época, a Jônia e a Magna Grécia (as cidades gregas do sul da Itália e da Sicília) produziram grandes homens. A vitória de Atenas contra o rei persa Dario em Maratona (490) e a vitória das frotas gregas unidas contra seu filho e sucessor Xerxes (480), sob comando ateniense, deram grande prestígio a Atenas. Os jônios, nas ilhas e em parte do continente da Ásia Menor, rebelaram-se contra a Pérsia, e a sua libertação se efetuou por meio de Atenas, depois que os persas foram expulsos do território grego. Os espartanos, que se interessavam apenas pelo seu próprio território, não participaram dessa operação. Assim, Atenas tornou-se a parte predominante na aliança contra a Pérsia. Segundo a constituição da aliança, todo Estado participante devia contribuir com um número determinado de navios, ou o equivalente ao custo dos mesmos. A maioria escolheu esta alternativa e Atenas adquiriu, desse modo, supremacia naval sobre os outros aliados, e transformou, aos poucos, a aliança num Império Ateniense. Atenas tornou-se rica, prosperando sob a sábia direção de Péricles, que governou, por livre escolha dos cidadãos, durante cerca de trinta anos, até à sua queda, no ano 430 antes de Cristo.
A época de Péricles foi a mais feliz e gloriosa da história de Atenas. Ésquilo, que lutara nas guerras pérsicas, iniciou a tragédia grega; uma de suas obras, os “Persas”, deixando de lado o costume de escolher-se temas homéricos, trata da derrota de Xerxes. Foi logo seguido por Sófocles, e Sófocles por Eurípides. Ambos se estendem pelos dias sombrios da Guerra do Peloponeso que se seguiram à queda e morte de Péricles, sendo que Eurípides reflete em suas obras o ceticismo do último período. Seu contemporâneo Aristófanes, o poeta cômico, zomba de todos os “ismos”, do ponto de vista de um senso comum rude e limitado; censura, em particular, a Sócrates, por negar a existência de Zeus e dedicar-se a mistérios profanos e pseudocientíficos.
Atenas havia sido capturada por Xerxes, e os templos da Acrópole destruídos pelo fogo. Péricles dedicou-se à sua reconstrução. O Parthenon e outros templos, cujas ruínas perduram e impressionam a nossa época, foram construídos por ele. Fídias, o escultor, foi encarregado, pelo Estado, de talhar estátuas colossais de deuses e deusas. No fim desse período, Atenas era a cidade mais bela e esplêndida do mundo helênico.
Heródoto, o pai da história, nasceu em Halicarnasso, na Ásia Menor, mas viveu em Atenas, foi encorajado pelo Estado ateniense e escreveu o seu relato das guerras pérsicas do ponto de vista ateniense.
As realizações de Atenas, ao tempo de Péricles, são, talvez, as mais surpreendentes de toda a história. Até então, Atenas havia sido superada pelas outras cidades gregas; nem na arte, nem na literatura, produzira qualquer grande homem (exceto Sólon, que era, antes de tudo, um legislador). Súbito, sob o estímulo da vitória, da riqueza e da necessidade de reconstrução, arquitetos, escultores e dramaturgos, que até hoje ainda não foram superados, realizaram obras que dominaram, até hoje, o futuro. Isto é tanto mais surpreendente quando se considera o pequeno número de seus habitantes. Atenas, ao atingir o auge de seu prestígio, no ano 430 A. C., aproximadamente, contava, segundo se calcula, cerca de 230.000 almas (incluídos os escravos), sendo que o território que a cercava, da Ática rural, continha, provavelmente, uma população ainda menor. Nunca antes, nem depois, a mesma proporção de habitantes, em qualquer lugar do mundo, se mostrou capaz de realizar obras de tão elevada qualidade. (...)
Apesar do colapso político, o prestígio de Atenas sobreviveu e, durante quase um milênio, a filosofia teve nela o seu centro. Alexandria eclipsou Atenas nas matemáticas e na ciência, mas Platão e Aristóteles haviam assegurado a supremacia de Atenas na filosofia. A Academia, onde Platão ensinou, sobreviveu a todas as outras escolas, e perdurou, como uma ilha de paganismo, até dois séculos depois da conversão do Império Romano ao Cristianismo. Por fim, no ano 529 da era cristã, foi fechada por Justiniano, devido ao fanatismo religioso deste imperador, e a Idade das Trevas desceu sobre a Europa.”


“Demócrito — ao menos na minha opinião — é o último dos filósofos gregos a libertar-se de uma certa falha que comprometeu todo o pensamento antigo posterior, bem como o medieval. Todos os filósofos de que tratamos até aqui, empenharam-se num esforço desinteressado para compreender o mundo. Acharam muito mais fácil compreendê-lo do que na realidade o é, mas sem este otimismo não teriam tido a coragem de dar o primeiro passo. Sua atitude, em geral, era genuinamente científica, sempre que não representava simplesmente os preconceitos de sua época. Mas não era somente científica; era imaginativa, vigorosa e cheia do prazer da aventura. Interessavam-se por tudo: meteoros e eclipses, peixes e redemoinhos, religião e moralidade; a um intelecto penetrante uniam um entusiasmo infantil.
Deste ponto em diante, há, primeiro, certas sementes de decadências, apesar das inigualadas realizações anteriores e, depois, uma decadência gradual. O que está errado, mesmo nos melhores filósofos posteriores a Demócrito, é uma ênfase indevida com respeito ao homem em comparação com o universo. Primeiro surge o ceticismo, com os sofistas, levando ao estudo de como chegamos ao conhecimento, em lugar de uma tentativa no sentido de adquirir novos conhecimentos. Depois, com Sócrates, a ênfase recai sobre a ética; Platão rejeita o mundo dos sentidos em favor de um mundo de pensamento puro criado, criado pelo homem, individualmente. Aristóteles manifesta a crença na finalidade como a concepção fundamental da ciência. Apesar do gênio de Platão e Aristóteles, suas ideias tinham defeitos que demonstraram ser infinitamente prejudiciais. Depois de sua época, houve uma decadência de vigor e, aos poucos, uma recrudescência da superstição popular. Uma perspectiva parcialmente nova surgiu como resultado da vitória da ortodoxia católica; mas não foi senão na Renascença que a filosofia readquiriu o vigor e a independência que caracterizam os predecessores de Sócrates.”


“Platão objeta – de maneira um tanto pedante, segundo as noções modernas – que os sofistas cobravam dinheiro pela instrução. Platão possuía meios próprios suficientes, sendo incapaz, ao que parece, de compreender as necessidades daqueles que não tinham essa boa sorte. É curioso que os professores modernos, que não veem razão para recusar um salário, hajam repetido com tanta frequência os juízos de Platão.
Há, porém, um outro ponto no qual os sofistas diferiam da maioria dos filósofos seus contemporâneos. Era comum, exceto entre os sofistas, que um professor fundasse uma escola, com características semelhantes às de uma irmandade; existia uma vida em comum mais ou menos extensa, às vezes algo que se parecia a normas monásticas e, geralmente, uma doutrina esotérica não proclamada em público. Tudo isto era natural sempre que a filosofia provinha do orfismo. Entre os sofistas, não havia nada disso. O que tinham a ensinar, achavam eles, não se relacionava com a religião ou a virtude. Ensinavam a arte de arguir e todo o conhecimento que pudesse ser-lhe útil. Falando-se de modo geral, estavam preparados, como os advogados modernos, para mostrar de que maneira se argumenta contra ou a favor de qualquer opinião, sem procurar defender suas próprias ideias. Aqueles para quem a filosofia constituía um meio de vida, estreitamente ligado à religião, mostravam-se, naturalmente, chocados; para eles, os sofistas pareciam frívolos e imorais.
Até certo ponto – embora seja impossível dizer-se até onde – o ódio suscitado pelos sofistas, não só entre o público em geral, mas, também, quanto ao que se refere a Platão e aos filósofos subsequentes, foi devido ao seu mérito intelectual. A busca da verdade, quando inteiramente sincera, deve ignorar as considerações de ordem moral; não podemos saber de antemão se a verdade acabará sendo o que se julga edificante, em determinada sociedade. Os sofistas estavam preparados para seguir um argumento aonde quer que os pudesse levar. Às vezes, ela os conduzia ao ceticismo. Um deles, Górgias, afirmava que nada existe; que se alguma coisa existe é incognoscível; e que, mesmo concedendo-se que ela existisse e pudesse ser conhecida por qualquer homem, este jamais poderia comunicá-la a outrem. Não sabemos quais eram os seus argumentos, mas bem posso imaginar que tinham uma força lógica que obrigava seus adversários a refugiar-se no que era edificante. Platão está sempre interessado em defender ideias que tornem as pessoas, segundo sua maneira de ver, virtuosas; quase nunca é honesto intelectualmente, pois se permite julgar as doutrinas pelas suas consequências sociais. E mesmo nisto não é honesto; pretende seguir o argumento e estar julgando segundo padrões puramente teóricos, quando, na realidade, está torcendo a discussão, para levá-la a um fim virtuoso. Introduziu vício na filosofia, onde persistiu desde então. Foi, provavelmente, a sua grande hostilidade contra os sofistas que deu esse caráter aos seus diálogos. Um dos defeitos de todos os filósofos, desde Platão, é que suas investigações éticas procedem da suposição de que já conhecem as conclusões a que devem chegar.”


“O Sócrates platônico afirma, com insistência, que nada sabe, sendo apenas mais sábio do que os outros por saber que nada sabe; mas não considera o conhecimento inatingível. Ao contrário, acha que a busca do conhecimento é da máxima importância. Afirma que nenhum homem peca intencionalmente e que, portanto, os homens só necessitam de conhecimento para ser completamente virtuosos.
A estreita relação entre a virtude e o conhecimento é característica de Sócrates e Platão. Até certo grau, existe em toda a filosofia grega, ao contrário da do Cristianismo. Na ética cristã, um coração puro é essencial, e isso é pelo menos tão fácil de encontrar-se tanto entre os ignorantes como entre as pessoas de cultura. Esta diferença entre a ética grega e a cristã persiste até hoje.”


“Sempre foi moda elogiar-se Platão sem que se o compreendesse. Este é o destino comum dos grandes homens.”


“Chegamos, agora, à famosa doutrina do justo meio-termo. Para Aristóteles, toda virtude é um meio entre dois extremos, cada um dos quais é um vício. Prova-se isso mediante o exame das várias virtudes. A coragem é um meio entre a covardia e a temeridade; a liberalidade, entre a prodigalidade e a mesquinhez; o amor-próprio, entre a vaidade e a humildade; o dito espirituoso, entre a chocarrice e a grosseria; a modéstia, entre a timidez e o descaramento. Certas virtudes parecem não se adaptar a este esquema – como, por exemplo, a veracidade. Aristóteles diz que esta é um meio-termo entre a jactância e a falsa modéstia (1108a), mas isso somente se aplica à verdade a nosso próprio respeito. Não vejo de que modo a veracidade, em qualquer sentido mais amplo, possa ser adaptada a este esquema.”


“(No tempo de Aristóteles ,) os oligarcas parecem ter sido indivíduos vigorosos. Em algumas cidades, segundo nos dizem, faziam um juramento: “Serei um inimigo do povo, e arquitetarei todo o mal que possa contra ele”. Hoje em dia, os reacionários não são assim tão francos.
As três coisas necessárias para evitar-se a revolução são: a propaganda do governo na educação, o respeito pela lei, inclusive nas pequenas coisas, e a justiça na lei e na administração, isto é, “igualdade segundo a proporção, e que cada homem goze do que lhe pertence” (1307a, 1307b 1310a). Parece que Aristóteles jamais percebeu a dificuldade da “igualdade segundo a proporção”. Para que haja verdadeira justiça, a proporção deve ser de virtude. Ora, é difícil medir-se a virtude, que é, ademais, uma matéria de controvérsia dos partidos. Na prática política, portanto, a virtude tende a ser medida pela renda; a distinção entre a aristocracia (governo de homens de virtude) e a oligarquia (governo de ricos), que Aristóteles tenta fazer, só é possível onde há uma nobreza hereditária bem estabelecida. Mesmo então, logo que exista uma grande classe de homens ricos que não são nobres, estes têm de ser admitidos no poder, devido ao receio de que façam uma revolução. A aristocracia hereditária não pode reter por muito tempo o poder, exceto nos lugares onde a terra é quase que a única fonte de riqueza. Toda desigualdade social, em última análise, é uma desigualdade de renda. Isto é parte do argumento a favor da democracia: que a tentativa de se fazer uma “justiça proporcional”, baseada em qualquer outro mérito que não seja a riqueza, cairá seguidamente por terra. Os defensores da oligarquia pretendem que a renda é proporcional à virtude; o profeta disse que nunca viu um homem correto esmolando seu pão, e Aristóteles acha que os homens bons dispõem mais ou menos da renda que lhes corresponde, não muito grande nem muito pequena. Mas tais opiniões são absurdas. Qualquer outra espécie de “justiça” que não seja a igualdade absoluta recompensará, na prática, alguma outra qualidade que não a virtude e, por isso, deve ser condenada.”


“A preeminência dos gregos aparece com mais nitidez nas matemáticas e na astronomia do que em qualquer outra coisa. O que fizeram na arte, na literatura e na filosofia, pode julgar-se melhor ou pior segundo os gostos, mas o que realizaram na geometria está inteiramente acima de qualquer questão. Aprenderam alguma coisa do Egito e um pouco menos da Babilônia; mas o que obtiveram dessas fontes foram, nas matemáticas, principalmente regras rudimentares e, na astronomia, registros de observações que se estendiam sobre períodos muito longos. A arte da demonstração matemática foi, quase inteiramente, de origem grega. (...)
Os Elementos, de Euclides, são, sem dúvida, um dos maiores livros jamais escritos, e um dos monumentos mais perfeitos do intelecto grego. Tem, por certo, as limitações gregas típicas: o método é puramente dedutivo, e não há maneira, dentro dele, de verificar-se as suposições iniciais. Estas suposições eram consideradas inquestionáveis, mas, no século XIX, a geometria não euclidiana demonstrou que podiam ser, em parte, errôneas, e que somente a observação poderia decidir se o eram.
Há em Euclides o desdém pela utilidade prática, que lhe fora inculcado por Platão. Conta-se que um aluno, após ouvir uma demonstração, perguntou que ganharia ele em aprender geometria; diante disso, Euclides chamou um escravo e disse-lhe: “Dê a esse jovem três moedas, já que ele necessita ganhar dinheiro com o que aprende”. O desdém pela prática era, no entanto, pragmaticamente justificado. Ninguém, no tempo dos gregos, supunha que as secções cônicas tivessem qualquer utilidade; por fim, no século XVII, Galileu descobriu que os projéteis se movem em parábolas, e Kepler que os planetas se movem em elipses. Subitamente, o trabalho que os gregos tinham feito por puro amor à teoria se tornou a chave das operações militares e da astronomia.”


“Exceto para os aventureiros que só pensavam em si, não havia mais qualquer incentivo que levasse alguém a interessar-se pelos assuntos públicos. Depois do brilhante episódio das conquistas de Alexandre, o mundo helênico estava mergulhando no caos, por falta de um déspota suficientemente forte para conseguir uma supremacia estável, ou um princípio bastante poderoso para produzir a coesão social. A inteligência grega, defrontando-se com novos problemas políticos, revelou completa incompetência. Os romanos, sem dúvida, eram estúpidos e brutais comparados aos gregos, mas, ao menos, criaram ordem. A antiga desordem dos dias de liberdade havia sido tolerável porque os cidadãos dela participavam; mas a nova desordem macedônia, imposta aos súditos por governantes incompetentes, era inteiramente intolerável – mais ainda que a sujeição subsequente a Roma.”


“O ceticismo, naturalmente, exerceu atração sobre muitos espíritos não filosóficos. As pessoas observavam a diversidade de escolas (filosóficas) e a aspereza de suas disputas, e decidiram que todas elas aspiravam a um conhecimento que, na realidade, era inatingível. O ceticismo era a consolação do homem preguiçoso, já que mostrava que o ignorante era tão sábio como o homem de reputado saber. Para os homens que, por temperamento, exigiam um evangelho, poderia parecer insatisfatório, mas, como toda doutrina do período helenístico, recomendava-se como um antídoto contra a preocupação. Por que preocupar-nos com o futuro? O futuro é inteiramente incerto. Melhor gozarmos o presente; “o que está por vir é ainda inseguro”. Por essas razões, o ceticismo desfrutava de considerável êxito popular.
Seria conveniente observar que o ceticismo, como filosofia, não é simplesmente dúvida, mas o que pode chamar-se dúvida dogmática. O homem de ciência diz: “Penso que isto é assim e assim, mas não tenho certeza”. O homem de curiosidade intelectual diz: “Não sei como é, mas espero descobrir”. O filósofo cético diz: “Ninguém sabe, e ninguém poderá jamais saber”. É este elemento de dogmatismo que torna o sistema vulnerável. Os céticos, por certo, negam que afirmam a impossibilidade de conhecer-se dogmaticamente, mas suas negativas não são muito convincentes.”

“Aqueles que afirmam positivamente que Deus existe não podem evitar de cair na impiedade, porque, se dizem que Deus controla todas as coisas, o transformam em autor de coisas más; se, por outro lado, dizem que Ele controla somente certas coisas, ou que Ele nada controla, são obrigados a fazer de Deus um ser invejoso ou impotente, e fazer isso é, evidentemente, uma impiedade.” (Sexto Empírico)


“Mas o medo da morte acha-se tão profundamente enraizado no instinto, que o evangelho de Epicuro não pôde, em certas épocas, tornar-se amplamente popular; permaneceu sempre como credo de uma minoria culta. Mesmo entre filósofos, depois do tempo de Augusto, foi, regra geral, rejeitado em favor do estoicismo. Sobreviveu, é certo, embora com vigor decrescente, por seiscentos anos depois da morte de Epicuro; mas, à medida que os homens se iam tornando cada vez mais oprimidos pelas misérias de nossa existência terrena, exigiam continuamente remédios mais fortes da filosofia ou da religião. Os filósofos refugiaram-se, com poucas exceções, no neoplatonismo; os incultos voltaram-se para várias superstições orientais e, depois, em número cada vez maior, para o Cristianismo, que, em sua forma primitiva, colocava todos os bens da vida do outro lado do túmulo, oferecendo assim aos homens um evangelho que era exatamente o oposto do de Epicuro.”


“O estoico não é virtuoso a fim de fazer o bem, mas faz o bem a fim de ser virtuoso.”


“É notável que Epiteto (que era coxo, em consequência, diz-se, de um castigo cruel em seus dias de escravidão), e Marco Aurélio (que se achava no outro extremo da escala social, sendo imperador romano) estejam completamente de acordo em todas as questões filosóficas. Isto sugere que, embora as circunstâncias sociais afetassem a filosofia da época, as circunstâncias individuais têm menos influência do que as vezes se pensa sobre a filosofia de um indivíduo. Os filósofos são, habitualmente, homens de certa largueza de espírito, que podem descontar, em grande parte, os acidentes de suas vidas privadas; mas nem mesmo eles pedem erguer-se acima dos maiores bens ou males de sua época. Nos tempos maus, inventam consolos; nos tempos bons, seus interesses são mais puramente intelectuais.”


“Quando comparamos o tom de Marco Aurélio com o de Bacon, Locke ou Condorcet, vemos a diferença entre uma época cansada e uma época esperançosa. Numa época de esperança, os grandes males presentes podem ser suportados, porque se pensa que irão passar; mas, numa época de cansaço, mesmo os bens verdadeiros perdem o seu sabor. A ética estoica adaptava-se à época de Epicteto e Marco Aurélio, pois seu evangelho era mais de resignação que de esperança.”


“Na terra, diz Epicteto, somos prisioneiros de um corpo terreno. Segundo Marco Aurélio, costumava dizer: “Tu és uma pequena alma carregando um cadáver”. Zeus não pôde tomar a alma livre, mas deu-nos uma parte da sua divindade. Deus é o pai dos homens e somos todos irmãos. Não devíamos dizer “sou ateniense”, ou “sou romano”, mas “sou um cidadão do universo”.”


“Por natureza, afirmavam os estoicos, todos os seres humanos são iguais. Marco Aurélio, em suas Meditações, era a favor de “uma política em que haja a mesma lei para todos, uma política administrada tendo em vista direitos iguais e igual liberdade de palavra, e um governo real que respeite, acima de tudo, a liberdade dos governados”. Este era um ideal que não podia ser consistentemente realizado no Império Romano, mas influiu na legislação, particularmente para melhorar a situação das mulheres e dos escravos. O Cristianismo adotou esta parte dos ensinamentos estoicos, juntamente com muitas outras coisas. E quando, por fim, no século XVII, chegou a oportunidade de combater eficazmente o despotismo, as doutrinas estoicas da lei natural e da igualdade natural, em suas roupagens cristãs, adquiriram uma força prática que, na antiguidade, nem mesmo um imperador conseguiu dar-lhes.”


A Influência da Grécia e do Oriente Sobre Roma. Há aqui duas coisas muito diferentes a se considerar: primeiro, a influência da arte, da literatura e da filosofia helênicas sobre a maioria dos romanos cultos; segundo, a difusão, por todo o mundo ocidental, das religiões e superstições não helênicas.
Quando os romanos entraram, pela primeira vez, em contato com os gregos, consideraram-se a si próprios, em comparação com os mesmos, bárbaros e grosseiros. Os gregos eram, sob vários aspectos, incomensuravelmente superiores: na manufatura e na técnica da agricultura; nas classes de conhecimentos necessários a um bom servidor público; na conversação e na arte de gozar a vida; na arte, na literatura e na filosofia. As únicas coisas em que os romanos eram superiores eram a tática militar e a coesão social. As relações entre romanos e gregos eram algo semelhante às existentes entre prussianos e franceses em 1814 e 1815; mas estas últimas foram temporárias, enquanto que aquelas duraram longo tempo. Depois das guerras púnicas, os jovens romanos passaram a admirar os gregos. Aprenderam a língua grega, copiaram a arquitetura grega, empregaram escultores gregos. Os deuses romanos foram identificados com os deuses da Grécia. A origem troiana dos romanos foi inventada para que existisse uma ligação com os mitos homéricos. Os poetas latinos adotaram o metro grego, os filósofos latinos as teorias gregas. Até o fim, Roma foi, culturalmente, um parasito da Grécia. Os romanos não inventaram nenhuma forma de arte, não construíram nenhum sistema original de filosofia, não fizeram nenhuma descoberta científica. Fizeram boas estradas, códigos legais sistemáticos e exércitos eficientes; quanto ao resto, voltaram-se para a Grécia.
A helenização de Roma trouxe consigo uma certa amenização de maneiras que desagradava sumamente ao velho Catão. Até as guerras púnicas, os romanos haviam sido um povo bucólico, com virtudes e vícios de agricultores: austeros, laboriosos, brutais, obstinados e estúpidos. Sua vida familiar fora sólida e estavelmente estabelecida sobre a pátria potestas; as mulheres e os jovens viviam em completa submissão. Tudo isso mudou sob o influxo da súbita riqueza. Os pequenos agricultores desapareceram, sendo substituídos por enormes propriedades rurais, nas quais o trabalho escravo era utilizado para realizar novos métodos científicos de agricultura. Surgiu uma grande classe de mercadores, bem como número ainda maior de homens enriquecidos pela pilhagem, como os nababos existentes na Inglaterra no século XVIII. As mulheres, que haviam sido escravas virtuosas, tornaram-se livres e dissolutas; o divórcio tornou-se comum; os ricos deixaram de ter filhos. Os gregos, que haviam passado por um desenvolvimento semelhante séculos antes, encorajaram, com o seu exemplo, o que os historiadores chamam a decadência da moral. Mesmo nas épocas mais dissolutas do império, o romano médio ainda considerava Roma como a mantenedora de um padrão ético mais puro contra a decadente corrupção da Grécia.
A influência cultural da Grécia sobre o Império ocidental diminuiu rapidamente do século III A. D. Em diante, principalmente porque a cultura, em geral, decaiu.”


“A adoção do Cristianismo por Constantino foi, politicamente, bem-sucedida, embora as tentativas anteriores, para se introduzir uma nova religião, houvessem fracassado; mas as tentativas anteriores haviam sido, do ponto de vista governamental, muito semelhantes a essa. Todas elas derivavam sua possibilidade de êxito dos infortúnios e do cansaço do mundo romano. As religiões tradicionais da Grécia e Roma adaptavam-se a homens interessados no mundo terreno, e que tinham esperança de gozar de felicidade na Terra. A Ásia, com uma experiência mais longa de desespero, havia aperfeiçoado antídotos mais eficazes em forma de esperança na outra vida; de todos eles, o Cristianismo era o mais eficiente em proporcionar consolo. Mas o Cristianismo, ao tempo em que se tornou religião do Estado, havia absorvido muito da Grécia, transmitindo-o, juntamente com o elemento judaico, às eras sucessivas no Ocidente.”


“O historiador, ao falar de Cristianismo, deve ter o cuidado de reconhecer as grandes modificações pelas quais este passou, bem como a variedade de formas que pode assumir em determinada época. O Cristianismo dos Evangelhos Sinóticos é quase destituído de metafísica. O Cristianismo da América de hoje é, a este respeito, como o Cristianismo primitivo; nos Estados Unidos, o platonismo é alheio ao pensamento e ao sentimento popular, sendo que a maioria dos cristãos americanos está mais ocupada com os seus deveres aqui na Terra, e com o progresso social do mundo cotidiano, do que com as esperanças transcendentes que consolaram os homens quando tudo o que era terreno lhes inspirava desespero. Não me refiro a nenhuma mudança de dogma, mas a uma diferença de tom e de interesse. Um cristão moderno, a menos que perceba quão grande é essa diferença, não compreenderá o Cristianismo do passado.”


“Uma filosofia, ademais, pode ser importante por exprimir bem aquilo em que os homens estão propensos a crer em certos estados de espírito ou em determinadas circunstâncias. A alegria e a tristeza sem complicação não são matéria para a filosofia, mas antes para os gêneros mais simples da poesia e da música. Somente a alegria e a tristeza acompanhadas de reflexão sobre o universo geram teorias metafísicas.”

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