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sexta-feira, 7 de julho de 2017

A Sociedade do Espetáculo (Parte I) – Guy Debord

Editora: Contraponto
ISBN: 978-85-8591-017-4
Tradução: Estela dos Santos Abreu
Opinião: ★★★★★
Páginas: 240
Sinopse: Mais importante obra teórica produzida no contexto que precedeu os acontecimentos de Maio de 1968, A sociedade do espetáculo é um livro genial e único, precursor de toda análise crítica da moderna sociedade de consumo. Para Antonio Negri, é um dos dez livros mais importantes do século. Para Jean–Jacques Pauvert, “não antecipou 1968, como normalmente se diz; antecipou o século XXI”. Está certo: nunca a tirania das imagens e a submissão alienante ao império da mídia, denunciadas por Debord, foram tão fortes como agora. Nunca os profissionais do espetáculo tiveram tanto poder: invadiram todas as fronteiras e conquistaram todos os domínios — da arte à economia, da vida cotidiana à política —, passando a organizar de forma consciente e sistemática o império da passividade. O livro é, sem dúvida, a mais aguda crítica à sociedade que se organiza em torno dessa falsificação da vida comum. A edição brasileira inclui dois trabalhos posteriores — um de 1979, outro de 1988 — em que Debord comenta sua própria obra.
Filósofo, agitador social, diretor de cinema, Guy Debord se definia como ‘doutor em nada’ e pensador radical. Ligou-se nos anos 50 à geração herdeira do dadaísmo e do surrealismo.



“É sabida a forte tendência dos homens para repetir inutilmente os fragmentos simplificados das teorias revolucionárias antigas, cuja usura lhes é escondida pelo simples fato de que não tentam aplicá-las a qualquer luta efetiva, para transformar as condições em que se encontram verdadeiramente; de tal forma que compreendem pouco melhor como estas teorias puderam, com sortes diversas, ser determinantes nos conflitos doutros tempos. Apesar disto, não oferece dúvida para quem examina friamente a questão, que aqueles que querem abalar realmente uma sociedade estabelecida devem formular uma teoria que explique fundamentalmente esta sociedade; ou pelo menos que tenha todo o ar de dar dela uma explicação satisfatória. Assim que esta teoria é um pouco divulgada, na condição de que o seja nos afrontamentos que perturbam a tranquilidade pública, e mesmo antes dela chegar a ser exatamente compreendida, o descontentamento por toda a parte em suspenso será agravado e atiçado, pelo simples conhecimento vago da existência de uma condenação teórica da ordem das coisas. E depois, é começando a dirigir com cólera a guerra da liberdade, que todos os proletários podem tornar-se estrafegas.”


“Os terroristas se movem às vezes pelo desejo de fazer com que se fale deles.”


“O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens.
O espetáculo não pode ser compreendido como o abuso de um mundo da visão, o produto das técnicas de difusão massiva de imagens. Ele é bem mais uma Weltanschauung* tornada efetiva, materialmente traduzida. É uma visão do mundo que se objetivou.
O espetáculo, compreendido na sua totalidade, é ao mesmo tempo o resultado e o projeto do modo de produção existente. Ele não é um suplemento ao mundo real, a sua decoração readicionada. É o coração da irrealidade da sociedade real. Sob todas as suas formas particulares, informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos, o espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante. Ele é a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e o seu corolário, o consumo. Forma e conteúdo do espetáculo são, identicamente, a justificação total das condições e dos fins do sistema existente. O espetáculo é também a presença permanente desta justificação, enquanto ocupação da parte principal do tempo vivido fora da produção moderna.”
*: cosmovisão.


“Não se pode opor abstratamente o espetáculo e a atividade social efetiva; este desdobramento está ele próprio desdobrado. O espetáculo que inverte o real é efetivamente produzido. Ao mesmo tempo, a realidade vivida é materialmente invadida pela contemplação do espetáculo, e retoma em si própria a ordem espetacular dando-lhe uma adesão positiva. A realidade objetiva está presente nos dois lados. Cada noção assim fixada não tem por fundamento senão a sua passagem ao oposto: a realidade surge no espetáculo, e o espetáculo é real. Esta alienação recíproca é a essência e o sustento da sociedade existente.
No mundo realmente reinvertido, o verdadeiro é um momento do falso.
Considerado segundo os seus próprios termos, o espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida humana, isto é, social, como simples aparência. Mas a crítica que atinge a verdade do espetáculo descobre-o como a negação visível da vida; como uma negação da vida que se tornou visível.”


“O espetáculo apresenta-se como uma enorme positividade indiscutível e inacessível. Ele nada mais diz senão que “o que aparece é bom, o que é bom aparece”. A atitude que ele exige por princípio é esta aceitação passiva que, na verdade, ele já obteve pela sua maneira de aparecer sem réplica, pelo seu monopólio da aparência.
O caráter fundamentalmente tautológico do espetáculo decorre do simples fato de os seus meios serem ao mesmo tempo a sua finalidade. Ele é o sol que não tem poente, no império da passividade moderna. Recobre toda a superfície do mundo e banha-se indefinidamente na sua própria glória.
A sociedade que repousa sobre a indústria moderna não é fortuitamente ou superficialmente espetacular, ela é fundamentalmente espetaculosa. No espetáculo, imagem da economia reinante, o fim não é nada, o desenvolvimento é tudo. O espetáculo não quer chegar a outra coisa senão a si próprio.
Enquanto indispensável adorno dos objetos hoje produzidos, enquanto exposição geral da racionalidade do sistema, e enquanto setor econômico avançado que modela diretamente uma multidão crescente de imagens-objetos, o espetáculo é a principal produção da sociedade atual.
O espetáculo submete a si os homens vivos, na medida em que a economia já os submeteu totalmente. Ele não é nada mais do que a economia se desenvolvendo para si própria. É o reflexo fiel da produção das coisas, e a objetivação infiel dos produtores.
A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social levou, na definição de toda a realização humana, a uma evidente degradação do ser em ter. A fase presente da ocupação total da vida social pelos resultados acumulados da economia conduz a um deslizar generalizado do ter em parecer, de que todo o “ter” efetivo deve tirar o seu prestígio imediato e a sua função última. Ao mesmo tempo, toda a realidade individual se tornou social, diretamente dependente do poderio social, por ele moldada. Somente nisto em que ela não é, lhe é permitido aparecer.”


“Lá onde o mundo real se converte em simples imagens, as simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes de um comportamento hipnótico. O espetáculo, como tendência para fazer ver por diferentes mediações especializadas o mundo que já não é diretamente apreensível, encontra normalmente na visão o sentido humano privilegiado que noutras épocas foi o tato; o sentido mais abstrato, e o mais mistificável, corresponde à abstração generalizada da sociedade atual. Mas o espetáculo não é identificável ao simples olhar, mesmo combinado com o ouvido. Ele é o que escapa à atividade dos homens, à reconsideração e à correção da sua obra. É o contrário do diálogo. Em toda a parte onde há representação independente, o espetáculo reconstitui-se.”


“À medida que a necessidade se encontra socialmente sonhada, o sonho torna-se necessário. O espetáculo é o mau sonho da sociedade moderna acorrentada, que finalmente não exprime senão o seu desejo de dormir. O espetáculo é o guardião deste sono.”


“O sistema econômico fundado no isolamento é uma produção circular do isolamento. O isolamento funda a técnica e, em retorno, o processo técnico isola. Do automóvel à televisão, todos os bens selecionados pelo sistema espetacular são também as suas armas para o reforço constante das condições de isolamento das “multidões solitárias”. O espetáculo reencontra cada vez mais concretamente os seus próprios pressupostos.”


“A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age aparece nisto, os seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que lhos apresenta. Eis porque o espectador não se sente em casa em nenhum lado, porque o espetáculo está em toda a parte.”


“O espetáculo é o capital a um tal grau de acumulação que se torna imagem.”


“É o princípio do fetichismo da mercadoria, a dominação da sociedade por “coisas suprassensíveis embora sensíveis” que se realiza absolutamente no espetáculo, onde o mundo sensível se encontra substituído por uma seleção de imagens que existem acima dele, e que ao mesmo tempo se fez reconhecer como o sensível por excelência.”


“O espetáculo é o momento em que a mercadoria chega à ocupação total da vida social. Não só a relação com a mercadoria é visível, como nada mais se vê senão ela: o mundo que se vê é o seu mundo.”


“O espetáculo é uma permanente guerra do ópio para fazer aceitar a identificação dos bens às mercadorias; e da satisfação à sobrevivência, aumentando segundo as suas próprias leis. Mas se a sobrevivência consumível é algo que deve aumentar sempre, é porque ela não cessa de conter a privação. Se não há nenhum além para a sobrevivência aumentada, nenhum ponto onde ela poderia cessar o seu crescimento, é porque ela própria não está para além da privação, mas é sim a privação tornada mais rica. (...)
É a realidade desta chantagem, o fato de o uso sob a sua forma mais pobre (comer, habitar) já não existir senão aprisionado na riqueza ilusória da sobrevivência aumentada, que é a base real da aceitação da ilusão em geral no consumo das mercadorias modernas. O consumidor real toma-se um consumidor de ilusões. A mercadoria é esta ilusão efetivamente real, e o espetáculo a sua manifestação geral.”


“Esta constante da economia capitalista, que é a baixa tendencial do valor de uso, desenvolve uma nova forma de privação no interior da sobrevivência aumentada, a qual não está, por isso, mais liberta da antiga penúria, visto que exige a participação da grande maioria dos homens, como trabalhadores assalariados, no prosseguimento infinito do seu esforço; e que cada qual sabe que é necessário submeter-se lhe ou morrer. É a realidade desta chantagem, o fato de o uso sob a sua forma mais pobre (comer, habitar) já não existir senão aprisionado na riqueza ilusória da sobrevivência aumentada, que é a base real da aceitação da ilusão em geral no consumo das mercadorias modernas. O consumidor real toma-se um consumidor de ilusões. A mercadoria é esta ilusão efetivamente real, e o espetáculo a sua manifestação geral.”


“O espetáculo é a outra face do dinheiro: o equivalente geral abstrato de todas as mercadorias. Mas se o dinheiro dominou a sociedade enquanto representação da equivalência central, isto é, do caráter permutável dos bens múltiplos cujo uso permanecia incomparável, o espetáculo e o seu complemento moderno desenvolvido, onde a totalidade do mundo mercantil aparece em bloco como uma equivalência geral ao que o conjunto da sociedade pode ser e fazer. O espetáculo é o dinheiro que se olha somente, pois nele é já a totalidade do uso que se trocou com a totalidade da representação abstrata. O espetáculo não é somente o servidor do pseudo-uso. É já, em si próprio, o pseudo-uso da vida.”


“A vitória da economia autônoma deve ser, ao mesmo tempo, a sua perda. As forças que ela desencadeou suprimem a necessidade econômica que foi a base imutável das sociedades antigas. Quando ela a substitui pela necessidade do desenvolvimento econômico infinito, ela não pode senão substituir a satisfação das primeiras necessidades, sumariamente reconhecidas, por uma fabricação ininterrupta de pseudonecessidades que se reduzem à única pseudonecessidade da manutenção do seu reino. Mas a economia autônoma separa-se para sempre da necessidade profunda, na própria medida em que sai do inconsciente social que dela dependia sem o saber. “Tudo o que é consciente se usa. O que é inconsciente permanece inalterável. Mas uma vez liberto, não cai por sua vez em ruínas?” (Freud).”


“A consciência do desejo e o desejo da consciência são identicamente este projeto que, sob a sua forma negativa, quer a abolição das classes, isto é, a posse direta pelos trabalhadores de todos os momentos da sua atividade. O seu contrário é a sociedade do espetáculo onde a mercadoria se contempla a si mesma num mundo que ela criou.”


“O espetáculo, como a sociedade moderna, está ao mesmo tempo unido e dividido. Como esta, ele edifica a sua unidade sobre o dilaceramento. A contradição, quando emerge no espetáculo, é por sua vez contradita por uma reinversão do seu sentido; de modo que a divisão mostrada é unitária, enquanto que a unidade mostrada está dividida.”


“Não é somente pela sua hegemonia econômica que a sociedade portadora do espetáculo domina as regiões subdesenvolvidas. Domina-as enquanto sociedade do espetáculo. Lá onde a base material ainda está ausente, a sociedade moderna já invadiu espetacularmente a superfície social de cada continente. Ela define o programa de uma classe dirigente e preside à sua constituição. Do mesmo modo que apresenta os pseudobens a cobiçar, ela oferece aos revolucionários locais os falsos modelos de revolução.”


“É a unidade da miséria que se esconde sob as aposições espetaculares. Se formas diversas da mesma alienação se combatem sob as máscaras da escolha total, é porque elas são todas identificadas sobre as contradições reais recalcadas. Conforme as necessidades do estádio particular da miséria, que ele desmente e mantém, o espetáculo existe sob uma forma concentrada ou sob uma forma difusa. Nos dois casos, ele não é mais do que uma imagem de unificação feliz, cercada de desolação e de pavor, no centro tranquilo da infelicidade.”


“O espetacular concentrado pertence essencialmente ao capitalismo burocrático, embora possa ser importado como técnica do poder estatal sobre economias mistas mais atrasadas, ou em certos momentos de crise do capitalismo avançado. A própria propriedade burocrática é efetivamente concentrada, no sentido em que o burocrata individual não tem relações com a posse da economia global senão por intermédio da comunidade burocrática, senão enquanto membro desta comunidade. Além disso, a produção menos desenvolvida das mercadorias apresenta-se, também, sob uma forma concentrada: a mercadoria que a burocracia detém é o trabalho social total, e o que ela revende à sociedade é a sua sobrevivência em bloco. A ditadura da economia burocrática não pode deixar às massas exploradas nenhuma margem notável de escolha, visto que ela teve de escolher tudo por si própria, e que toda outra escolha exterior, quer diga respeito à alimentação ou à música, é já a escolha da sua destruição completa. Ela deve acompanhar-se de uma violência permanente. A imagem imposta do bem, no seu espetáculo, recolhe a totalidade do que existe oficialmente e concentra-se normalmente num único homem, que é a garantia da sua coesão totalitária. Com esta vedete absoluta, deve cada um identificar-se magicamente, ou desaparecer. Pois se trata do senhor do seu não-consumo, e da imagem heroica de um sentido aceitável para a exploração absoluta, que é na realidade a acumulação primitiva acelerada pelo terror. Se cada chinês deve aprender Mao, e assim ser Mao, é que ele não tem mais nada para ser. Lá onde domina o espetacular concentrado domina também a polícia.”


“Sem dúvida, a pseudonecessidade imposta no consumo moderno não pode ser oposta a nenhuma necessidade ou desejo autêntico, que não seja, ele próprio, modelado pela sociedade e sua história. Mas a mercadoria abundante está lá como a ruptura absoluta de um desenvolvimento orgânico das necessidades sociais. A sua acumulação mecânica liberta um artificial ilimitado, perante o qual o desejo vivo fica desarmado. A potência cumulativa de um artificial independente conduz, em toda a parte, à falsificação da vida social.”


“A própria impostura da satisfação deve denunciar-se ao substituir-se, ao seguir a mudança dos produtos e das condições gerais da produção. Aquilo que afirmou, com o mais perfeito descaramento, a sua própria excelência definitiva muda não só no espetáculo difuso, mas também no espetáculo concentrado, e é só o sistema que deve continuar: Stalin, como a mercadoria fora de moda, é denunciado por aqueles mesmos que o impuseram. Cada nova mentira da publicidade é também a confissão da sua mentira precedente. Cada derrocada de uma figura do poder totalitário revela a comunidade ilusória que a aprovava unanimemente e que não era mais do que um aglomerado de solidões sem ilusões.”


“A unidade irreal que o espetáculo proclama é a máscara da divisão de classe sobre a qual repousa a unidade real do modo de produção capitalista. O que obriga os produtores a participar na edificação do mundo é também o que disso os afasta. O que põe em relação os homens libertos das suas limitações locais e nacionais é também o que os distancia. O que obriga ao aprofundamento do racional é também o que alimenta o racional da exploração hierárquica e da repressão. O que faz o poder abstrato da sociedade faz a sua não-liberdade concreta.”


“O fascismo foi uma defesa extremista da economia burguesa, ameaçada pela crise e pela subversão proletária, o estado de sítio na sociedade capitalista, pelo qual esta sociedade se salva e se dota de uma primeira racionalização de urgência, fazendo intervir maciçamente o Estado na sua gestão. Mas uma tal racionalização é, ela própria, agravada pela imensa irracionalidade do seu meio. Se o fascismo se lança na defesa dos principais pontos da ideologia burguesa tornada conservadora (a família, a propriedade, a ordem moral, a nação), reunindo a pequena burguesia e os desempregados desnorteados pela crise ou desiludidos pela impotência da revolução socialista, ele próprio não é fundamentalmente ideológico. Ele apresenta-se como aquilo que é: uma ressurreição violenta do mito, que exige a participação numa comunidade definida por pseudovalores arcaicos: a raça, o sangue, o chefe. O fascismo é o arcaísmo tecnicamente equipado. O seu ersatz decomposto do mito é retomado no contexto espetacular moderno, do mesmo modo que a sua parte na destruição do antigo movimento operário faz dele uma das potências fundadoras da sociedade presente; mas como também acontece que o fascismo é a forma mais dispendiosa da manutenção da ordem capitalista, ele devia normalmente abandonar a boca da cena que ocupam os grandes papéis desempenhados pelos Estados capitalistas, eliminado por formas mais racionais e mais fortes desta ordem.”


“Neste desenvolvimento complexo e terrível, que arrastou a época das lutas de classes para novas condições, o proletariado dos países industrializados perdeu completamente a afirmação da sua perspectiva autônoma e, em última análise, as suas ilusões, mas não o seu ser. Ele não foi suprimido. Permanece irredutivelmente existente na alienação intensificada do capitalismo moderno: ele é a imensa maioria dos trabalhadores que perderam todo o poder sobre o emprego da sua vida, e que, desde que o sabem, se redefinem como o proletariado, o negativo em marcha nesta sociedade. Este proletariado é, objetivamente, reforçado pelo movimento do desaparecimento do campesinato, como pela extensão da lógica do trabalho na fábrica, que se aplica a uma grande parte dos “serviços” e das profissões intelectuais. É subjetivamente que este proletariado está ainda afastado da sua consciência prática de classe, não só nos empregados, mas também nos operários que ainda não descobriram senão a impotência e a mistificação da velha política. Porém, quando o proletariado descobre que a sua própria força exteriorizada concorre para o reforço permanente da sociedade capitalista, já não só sob a forma de trabalho seu, mas também sob a forma dos sindicatos, dos partidos ou do poder estatal que ele tinha constituído para se emancipar, descobre também pela experiência histórica concreta que ele é a classe totalmente inimiga de toda a exteriorização petrificada e de toda a especialização do poder. Ele traz a revolução que não pode deixar nada no exterior de si própria, a exigência da dominação permanente do presente sobre o passado, e a crítica total da separação; e é disto que ele deve encontrar a forma adequada na ação. Nenhuma melhoria quantitativa da sua miséria, nenhuma ilusão de integração hierárquica é um remédio durável para a sua insatisfação, porque o proletariado não pode reconhecer-se veridicamente num dano particular que teria sofrido, nem, portanto, na reparação de um dano particular, nem de um grande número desses danos, mas somente no dano absoluto de estar posto à margem da vida.”


“A história existiu sempre, mas não sempre sob a sua forma histórica. A temporalização do homem, tal como ela se efetua pela mediação de uma sociedade, é igual a uma humanização do tempo. O movimento inconsciente do tempo manifesta-se e torna-se verdadeiro na consciência histórica.
O movimento propriamente histórico, embora ainda escondido, começa na lenta e insensível formação da “natureza real do homem”, esta “natureza que nasce na história humana – no ato gerador da sociedade humana” –, mas a sociedade que então dominou uma técnica e uma linguagem, se é já o produto da sua própria história, não tem consciência senão de um presente perpétuo. Todo o conhecimento, limitado à memória dos mais velhos, é sempre aí levado pelos vivos. Nem a morte nem a procriação são compreendidas como uma lei do tempo. O tempo permanece imóvel como um espaço fechado. Quando uma sociedade mais complexa acaba por tomar consciência do tempo, o seu trabalho é bem mais o de negar, porque ela vê no tempo não o que passa, mas o que regressa.”

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