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sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O Quarteto de Alexandria: Clea, de Lawrence Durrell

Editora: Ediouro

ISBN: 978-85-0001-759-9

Tradução: Daniel Pellizzari

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 244

Sinopse: Intriga, mistério e sensualidade na cosmopolita e poliglota cidade de Alexandria no tempo da Segunda Guerra Mundial. Os quatro romances que compõem O Quarteto de Alexandria Justine, Balthazar, Mountolive e Clea – exploram a sociedade daquela cidade poliglota e cosmopolita, repleta de intrigas, mistério e sensualidade, retomando genericamente uma mesma história sob diferentes pontos de vista, acrescentando e refazendo pormenores e situações.

O regresso do escritor – Darley – é o fio condutor de Clea, o último volume desta série exuberante.



““Reformular a realidade”, escrevi anteriormente; palavras temerárias e presunçosas, sem dúvida – pois é a realidade que nos formula e reformula no decorrer de sua marcha lenta.”

 

 

“Não escrevo para quem nunca se perguntou em que ponto se inicia a vida real.”

 

 

“Aprenda: se uma garota não gosta de dançar ou nadar, nunca será capaz de fazer amor.”

 

 

“Aquela guerra havia chegado de mansinho até nós, cruzando o oceano; gradualmente, como nuvens que se amontoam silenciosas até encobrirem todo o horizonte. Ainda não estourara, porém. Era apenas um rumor, envolvendo corações com esperanças e medos conflitantes. De início, parecia anunciar o suposto fim do mundo civilizado, mas essa esperança logo se mostrou vã. Não. Como sempre, seria apenas o final da gentileza, da segurança e da moderação; o fim das esperanças dos artistas, da tranquilidade, da alegria. Afora isso, todas as outras características humanas seriam confirmadas, enfatizadas; talvez até mesmo alguma verdade despontasse por trás das aparências, pois a morte amplia todas as tensões e impede que continuemos usando as mesmas desculpas para continuar vivendo.”

 

 

“– Darley, você mudou bastante. – Não consegui discernir se o tom era de reprovação ou elogio. Sim, ele tinha razão: sorri ao enxergar o arco em ruínas, lembrando-me de um beijo pré-histórico em meus dedos. Lembrei-me da ligeira hesitação naqueles olhos negros enquanto ela dizia a verdade corajosa e triste: “Nada aprendemos com quem corresponde ao nosso amor.” Palavras que arderam como álcool cirúrgico sobre uma ferida aberta, mas que, como todas as verdades, tinha propriedades antissépticas.”

 

 

“Crescer demora uma vida inteira.”

 

 

“– Como você pode não sentir rancor algum? Perdoar uma traição como essa tão facilmente. Ora, parece falta de hombridade. Odiar um vampiro seria natural! Tampouco poderia entender minha humilhação como amante por não ser capaz de regalá-lo, sim, regalá-lo, querido, com os tesouros de minha intimidade. E sim, admito que na verdade gostei de enganá-lo, não vou negar. Mas também sentia remorso ao oferecer-lhe apenas o simulacro patético de um amor (rá! essa palavra novamente), um amor minado por mentiras. Imagino que isso traia a infinita vaidade feminina: desejar o pior de dois mundos, de ambas as palavras: amor e mentira. E ainda assim é estranho, pois agora que você sabe a verdade e estou livre para oferecer meu afeto, tudo o que sinto é um desdém ainda maior por mim mesma. Talvez eu seja mulher o bastante para sentir que o verdadeiro pecado contra o Espírito Santo é a desonestidade no amor. Que tolice pretensiosa. Por sua própria natureza, o amor não comporta honestidade alguma.”

 

 

“– Afinal de contas, somos totalmente ignorantes daqueles que nos rodeiam, tudo o que exibimos uns aos outros não passam de seletas ficções! Suponho que todos se veem assim, à luz da mais completa ignorância.”

 

 

““Por mais difícil que seja o caminho, ao final, todos são obrigados a ajustar as contas com a verdade”, escreveu Pursewarden. Sim, mas de uma forma inesperada eu descobria que a verdade podia me nutrir – uma onda gelada que me carregava cada vez mais para perto da plenitude. Agora percebia que minha Justine havia sido realmente a criação de um ilusionista, sustentada por uma estrutura defeituosa composta de palavras, ações e gestos mal interpretados. Ninguém era culpado; o verdadeiro responsável era meu amor, que inventara uma imagem da qual se alimentar. Também não era uma questão de desonestidade, pois a pintura ganhou suas cores de acordo com as necessidades desse amor. Amantes são como médicos, disfarçam o amargor de um remédio para torná-lo mais palatável! Não, aquilo não poderia ter sido diferente, isso estava claro.

E algo mais, igualmente estimulante: percebi também que amante e amado, observador e observado, irradiam campos um sobre o outro (“A percepção tem a forma de um abraço – e com ele penetra o veneno”, como escreveu Pursewarden). Então deduzem as proporções de seu amor, fazendo cálculos a partir desse campo estreito com margens imensas de incógnitas (“a refração”), recorrendo em seguida a um conceito generalizado, constante em suas qualidades e universal em sua operação. Que lição valiosa, tanto para a vida quanto para a arte! Em tudo o que eu havia escrito, meramente atestara o poder de uma imagem criada involuntariamente pela mera visão de Justine. Não questionava se era verdadeira ou falsa. Ninfa? Deusa? Vampira? Sim, ela era todas e nada disso. Como toda mulher, era tudo que a mente de um homem (vamos definir “homem” como um poeta em eterna conspiração contra si mesmo) – que a mente do homem pudesse imaginar. Estivera sempre ali e nunca havia existido! Sob todas essas máscaras existia apenas outra mulher, todas as mulheres, um manequim desnudo à espera de ser vestido pelo poeta que lhe insuflaria o alento. Compreendendo tudo isso pela primeira vez, percebi admirado o enorme poder reflexivo da mulher – a passividade fecunda que, como a lua, toma emprestado o brilho do sol masculino. Como eu poderia sentir outra coisa além de gratidão por informações tão vitais? Que importavam as mentiras, os enganos, as loucuras, quando comparadas àquela verdade?”

 

 

“Um artista que carrega uma mulher nas costas é como um cão com uma pulga na orelha; coça, sangra, não tem descanso.”

 

 

“Caminhando de novo pelas ruas da capital de verão, caminhando à luz da primavera, ao longo de um mar azul sob céu sem nuvens – dormindo acordado –, sentia-me como o Adão das lendas medievais: um homem cujo corpo é feito do mundo, tendo o solo como carne, as pedras como ossos, a água como sangue, a relva como cabelo, a luz do sol como visão, a brisa como alento e nuvens como pensamentos. Sem peso, como após uma longa doença, flutuava nas águas rasas do Maerotis com suas velhas marcas de apetites e desejos restituídos à história do lugar: uma cidade antiga, de crueldades intactas, erigida entre um deserto e um lago. Caminhando por ruas nunca esquecidas, que se irradiam como os braços de uma estrela-do-mar a partir da tumba do fundador. Pegadas ecoando nas memórias, cenas e conversas esquecidas ressurgindo furtivas de muros, mesas de cafés, quartos de colinas cerradas, tetos cobertos de rachaduras. Alexandria, princesa e meretriz. Cidade real e anus mundi. Jamais mudará enquanto as raças nela continuarem a fervilhar como mosto num barril; enquanto as ruas e praças seguirem borbulhando com a fermentação de paixões e rancores diversos, fúrias e serenidades inesperadas. Um deserto fecundo de amores humanos, coberto pelos ossos brancos dos desterrados. Palmeiras altas e minaretes em conjunção celeste. Colmeias de mansões brancas flanqueando ruas estreitas e abandonadas, sem pavimentação, onde todas as noites ouvem-se a música árabe e os gritos das jovens que com tanta facilidade entregam o fardo de seus corpos (seu tormento) e oferecem à noite beijos apaixonados cujo sabor nem o dinheiro é capaz de arruinar. A tristeza e a beatitude dessa combinação humana que se perpetua rumo à eternidade, num ciclo interminável de renascimentos e aniquilações capaz de ensinar e reabilitar com seu poder destrutivo. (“Fazemos amor apenas para confirmar nossa solidão”, disse Pursewarden, e certa vez Justine completou: “Uma mulher sempre escreve suas melhores cartas de amor ao homem que está traindo”).”

 

 

“A música foi inventada para confirmar a solidão humana.”

 

 

““Isso, claro, teve um fim; como acontece com tudo, supostamente até mesmo com a vida! Não há mérito algum em sofrer como sofri, mudo como um animal de carga atormentado por feridas insuportáveis que não consegue alcançar com a língua. Foi então que me lembrei de um comentário em seu manuscrito, a respeito da feiura de minhas mãos. Por que não cortá-las e jogá-las no mar, como você sugeriu, tão atencioso? Foi a pergunta que surgiu em minha mente. Vivia tão entorpecido por drogas e álcool que imaginei não ser possível sentir alguma dor. Cheguei a tentar, mas é bem mais difícil do que você imagina. Tanta cartilagem! Agi como os tolos que tentam cortar a garganta e atingem o esôfago. Sempre sobrevivem. Quando desisti, tomado de dor, pensei em outro escritor, Petrônio. (O papel da literatura em nossas vidas!) Afundei-me numa banheira de água quente. Mas o sangue não escorria. Era como se nada mais restasse. Consegui forçar algumas gotas, escuras como betume. Estava pronto a experimentar outras maneiras de aliviar a dor quando Amaril apareceu. Ficou muito irritado. Deu-me um sedativo cujo efeito durou vinte horas, durante as quais ele deixou meu cadáver e meu quarto num estado apresentável. Então fiquei muito doente, creio que de vergonha. Sim, sem dúvida adoeci de vergonha, embora naturalmente estivesse muito enfraquecido por conta de todos aqueles excessos. (...) Meus amigos foram muito gentis e sempre visitavam-me, trazendo presentes, entabulando conversas que me davam dor de cabeça. Assim, gradualmente, voltei à superfície com uma lentidão infinita. Disse a mim mesmo: ‘Nossa mestra é a vida. Vivemos em discordância com nosso intelecto. Aprendemos com a resistência ao sofrimento.’ Aprendi algo, mas a que custo!”

 

 

“– Talvez a mais terna, a mais trágica das ilusões seja acreditar que nossas ações são capazes de adicionar ou subtrair qualquer coisa à soma de bem e mal nesse mundo.”

 

 

“Arte não é arte ao menos que ameace a sua existência.

 

Toda obra de arte é uma indiscrição – mas uma indiscrição calculada.

 

A morte é uma metáfora; ninguém morre para si mesmo.

 

É preciso manter uma réstia de esperança se pretendemos aproveitar plenamente nosso desespero; sim, e jamais esqueça: onde existe fé, existe dúvida.

 

A arte é tão supérflua quanto as atividades bancárias, a menos que nasça de um espírito livre – neste caso, é realmente uma atividade bancária.”

 

 

“Não há fé, caridade ou ternura suficientes para dotar este mundo de um único raio de esperança. Ainda assim, enquanto soarem no mundo as dores de parto de um artista, esse grito estranho e triste, nada estará perdido!”

 

 

“A religião não passa de arte degenerada até se tornar irreconhecível.”

 

 

“A arte ocorre no instante em que um espírito desperto honra uma forma qualquer com sinceridade.”

 

 

“Por séculos a fio, nossos testículos foram espremidos pela Lei Mosaica; é a origem do ar triste e mutilado de nossos jovens, a origem da afetação descarada de adultos condenados a uma adolescência perpétua!”

 

 

“Quando Balthazar me repreendeu por ser ambíguo, respondi sem nenhuma reflexão consciente: “Sendo as palavras o que são, sendo as pessoas o que são, talvez seja melhor sempre dizer o oposto daquilo que pensamos.”

 

 

“A melhor coisa a fazer com uma grande verdade, como descobriu Rabelais, é enterrá-la sob uma montanha de tolices, onde pode aguardar confortavelmente pelas pás e picaretas dos eleitos.”

 

 

“Para um artista, o suicídio é o mais importante dos atos.”

 

 

“A memória tem tantos esconderijos.”

 

 

“Ah! Estou buscando metáforas capazes de transmitir um pouco da felicidade avassaladora tão raramente concedida aos amantes; mas as palavras, inventadas para combater o desespero, são cruas demais para refletir as propriedades de algo tão sereno, tão íntegro.”

 

 

“Se deseja esconder alguma coisa, esconde-a no centro do sol.” (Provérbio árabe)

 

 

“Uma cidade torna-se um mundo quando amamos um de seus habitantes.”

3 comentários:

  1. As frases: “Para um artista, o suicídio é o mais importante dos atos”, e “Cada morte tem dentro de si o germe de uma lição a ser aprendida”, são repletas de uma ironia dolorosa ao se saber o que ocorreu com uma das filhas do autor, Sappho Jane.

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  2. Suicídio é falta de amor. Só isso!!!

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  3. Suicídio é falta de amor. Só isso!!!

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