Editora: Paz & Terra
ISBN: 978-85-775-3101-1
Tradução: Sieni Maria Campos e Yolanda Steidel de Toledo
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 584
Sinopse: Neste
livro, o autor faz uma análise dos anos que definiram o século XIX.
Lançando as pesquisas e teorias do autor sobre a expansão
capitalista e a dominação europeia, A era dos impérios mostra fatos que
marcaram um período de paz, mas que desencadearam um período de guerra e crise.
Hobsbawm integra a cultura, a política e a vida social das décadas que
antecederam à Primeira Guerra Mundial, construindo uma interpretação
estimulante e inovadora.
“A invasão do Egito por Napoleão em 1798,
opôs os exércitos francês e maiêutico com equipamento comparável. As conquistas
coloniais das forças europeias haviam sido realizadas não por causa de armas
milagrosas, mas devido a uma maior agressividade, crueldade e, acima de tudo,
organização disciplinada.”
“Os invasores da última leva, que criaram o
grande Império Otomano, foram gradualmente expulsos das enormes áreas da Europa
por eles controladas entre os séculos XVI e XVIII; era óbvio que seus dias na
Europa estavam contados, embora em 1880 ainda controlassem uma faixa
considerável, que atravessava a península balcânica (partes das atuais Grécia,
Iugoslávia e Bulgária, além de toda a Albânia), bem como algumas ilhas. Grande
parte dos territórios reconquistados ou liberados só podiam ser considerados
como “europeus” por cortesia: na verdade, a península balcânica ainda era
comumente chamada de “Oriente Próximo”: por isso, o sudoeste da Ásia veio a ser
conhecido como “Oriente Médio”.
“Entretanto, apesar do título programático do
grande trabalho de Adam Smith, A Riqueza das Nações (1776), o
lugar da “nação” como unidade não era claro na teoria pura do capitalismo
liberal, cujas peças básicas eram os átomos irredutíveis da empresa, do
indivíduo e da “firma” (sobre a qual não se dizia muito), movidos pelo
imperativo de maximizar os ganhos ou minimizar as perdas. Eles operavam “no
mercado”, que tinha a escala mundial por limite. O liberalismo foi a anarquia
da burguesia e, como o anarquismo revolucionário, não deixava espaço para o
Estado. Ou antes, o Estado como fator econômico só existia como algo que
interferia nas operações autônomas e automáticas do mercado.
De certa maneira, essa ótica tinha algum
sentido. Por um lado, parecia razoável supor – sobretudo após a liberalização
das economias em meados do século – que o que fazia essa economia funcionar e
crescer eram as decisões econômicas de suas partículas básicas. Por outro lado,
a economia capitalista era, e só podia ser mundial. Esta feição global
acentuou-se continuamente no decorrer do século XIX, à medida que estendia suas
operações a partes cada vez mais remotas do planeta e transformava todas as
regiões cada vez mais profundamente. Ademais, essa economia não reconhecia
fronteiras, pois funcionava melhor quando nada interferia no livre movimento
dos fatores de produção. Assim, o capitalismo, além de internacional na
prática, era internacionalista na teoria. O ideal de seus teóricos era uma
divisão internacional do trabalho que garantisse o crescimento máximo da
economia, seus critérios eram globais: não tinha sentido tentar produzir
bananas na Noruega, pois elas podiam ser produzidas muito mais barato em
Honduras. Eles desdenhavam os argumentos locais ou regionais em contrário. A
teoria pura do liberalismo econômico era obrigada a aceitar as consequências
mais extremas, ou mesmo absurdas, de seus pressupostos, desde que se pudesse
demonstrar que destes decorria a otimização dos resultados globais. Se fosse
possível demonstrar que toda a produção industrial do mundo devia ser
concentrada em Madagascar (como 80% de sua produção de relógios estava
concentrada numa pequena região da Suíça), ou que toda a população da França
devia se mudar para a Sibéria (como uma grande proporção de noruegueses foi, de
fato, trasladada pela migração para os EUA), não havia argumentos econômicos
contra tais procedimentos.
Que erro econômico podia ser demonstrado no
quase monopólio britânico da indústria mundial de meados do século, ou o
desenvolvimento demográfico da Irlanda, que perdeu quase a metade de sua
população entre 1841 e 1911? O único equilíbrio que a teoria econômica liberal
admitia era o mundial. Mas, na prática, esse modelo era inadequado. A economia
capitalista mundial em expansão era formada por um conjunto de blocos sólidos,
mas também fluidos. Independente das origens das “economias nacionais” que
constituíam esses blocos – isto é, de economias definidas por fronteiras de
Estados – e das limitações teóricas de uma teoria econômica baseada nelas –
elaborada principalmente por teóricos alemães – as economias nacionais existiam
porque as nações-Estado existiam. Pode ser verdade que ninguém pensaria na
Bélgica como primeira economia industrializada do continente europeu se seu
território tivesse continuado a fazer parte da França (como antes de 1815) ou a
ser uma região dos Países Baixos Unidos (como entre 1815 e 1830). Entretanto,
já que a Bélgica era um Estado, tanto sua política econômica como a dimensão
política das atividades econômicas de seus habitantes eram plasmadas por esse
fato. Sem dúvida, é verdade que havia e há atividades econômicas, como as
finanças internacionais, que são essencialmente cosmopolitas, escapando assim
às restrições nacionais, na medida em que estas eram eficazes. Mesmo assim,
essas empresas transnacionais tiveram o cuidado de se vincular a uma economia
nacional convenientemente importante.”
“A questão importante não é quem, no contexto
da economia mundial em expansão, cresceu mais e mais rápido, mas o conjunto do
crescimento desta.
Quanto ao ritmo de Kondratiev (o contraste
entre a Grande Depressão e o boom secular posterior motivou as primeiras
especulações sobre aquelas “ondas longas” no desenvolvimento do capitalismo
mundial, mais tarde associadas ao nome do economista russo Nikolai Kondratiev)
– chamá-lo de “ciclo”, no sentido estrito da palavra, seria uma petição de
princípio – ele certamente coloca questões analíticas fundamentais acerca da
natureza do crescimento econômico no período capitalista ou, como podem
argumentar alguns estudantes, acerca do crescimento de qualquer economia
mundial. Lamentavelmente, não há nenhuma teoria que mereça aceitação ampla
sobre essa curiosa alternância de fases de confiança e apreensão, que juntas
formam uma “onda” de cerca de meio século. A teoria mais conhecida e elegante a
esse respeito, a de Josef Alois Schumpeter (1883-1950), associa cada etapa
“descendente” ao esgotamento do lucro potencial de uma série de “inovações”
econômicas e o novo movimento ascendente a um novo conjunto de inovações,
percebidas basicamente – mas não só – como tecnológicas, cujo potencial será,
por sua vez, exaurido. Assim, as novas indústrias, agindo como “setores
líderes” do crescimento econômico – por exemplo, o algodão na primeira
revolução industrial, as ferrovias durante e após os anos 1840 –, se tornam,
por assim dizer, os motores que arrancam a economia mundial do marasmo em que
estava temporariamente imersa. Essa teoria é bastante plausível, pois cada um
dos períodos seculares de movimento ascendente desde os anos 1780 esteve, de
fato, associado ao surgimento de setores tecnologicamente revolucionários: sem
esquecer o mais excepcional de todos esses booms econômicos, o das duas décadas
e meia anteriores aos anos 1970.”
“De uma forma ou de outra, após 1875, houve
um ceticismo crescente quanto à eficácia da economia de mercado autônoma e
autorregulada, a famosa “mão oculta” de Adam Smith, sem alguma ajuda do Estado
e da autoridade pública, A mão estava se tornando visível das mais variadas
maneiras. Por um lado, a democratização da política forçou governos muitas
vezes relutantes e inquietos a enveredarem pelo caminho de políticas de reforma
e bem-estar sociais, bem como de ação política na defesa dos interesses
econômicos de certos grupos de eleitores, como o protecionismo e – de certa
forma com menos eficácia – medidas contra a concentração econômica, como nos
EUA e na Alemanha. Por outro lado, ocorreu a fusão da rivalidade política entre
os Estados com a concorrência econômica entre grupos nacionais de empresários,
o que contribuiu – como veremos – tanto para o fenômeno do imperialismo como
para a gênese da Primeira Guerra Mundial.”
“O protecionismo de qualquer tipo é a
economia operando com a ajuda da política.”
“A democracia, no entanto, seria tanto mais
fácil de domar quanto menos agudos fossem seus descontentamentos. A nova
estratégia dos governantes envolvia, portanto, uma disposição no sentido de
empreender programas de reforma e bem-estar social, que minaram os clássicos
acordos liberais de meados do século, com governos que eram mantidos à
distância do campo reservado à iniciativa e à empresa privada. O jurista inglês
A. V. Dicey (1835-1922) viu o rolo compressor do coletivismo, em marcha desde
1870, achatando a paisagem da liberdade individual na tirania centralizada e
niveladora das refeições escolares, seguros de saúde e aposentadorias. Em certo
sentido, ele tinha razão. Bismarck, lógico como sempre, já na década de 1880
decidira cortar as raízes da agitação socialista por meio de um ambicioso
esquema de previdência social; foi seguido, nesta orientação, pela Áustria e
pelos governos liberais ingleses de 1906-1914 (aposentadorias, bolsas de
trabalho, seguros de saúde e desemprego) e mesmo pela França, após algumas
hesitações (aposentadorias em 1911). É interessante que os países escandinavos,
hoje “Estados do bem-estar social” par excelençe, fossem então
alheios ao assunto; e diversos países fizeram apenas gestos simbólicos nessa
direção, e os EUA do tempo de Carnegie, Rockefeller e Morgan, nem isso. Nesse
paraíso da iniciativa privada, mesmo o trabalho de menores permanecia fora da
alçada da lei federal, embora por volta de 1914 existissem leis que o proibiam,
teoricamente, até na Itália, na Grécia e na Bulgária. Por volta de 1905, leis
geralmente disponíveis estipulavam indenizações a operários em caso de
acidente, mas não interessaram o Congresso e foram condenadas pelos tribunais
como inconstitucionais. Exceto na Alemanha, tais esquemas de bem-estar social
eram modestos até os últimos anos que precederam 1914, e mesmo na Alemanha
malograram visivelmente na tentativa de sustar o crescimento do partido
socialista. Não obstante, ficou estabelecida uma tendência nesse sentido,
notavelmente mais acelerada nos países protestantes da Europa e da Australásia.
Dicey também tinha razão ao sublinhar o
inevitável crescimento no peso e no papel desempenhado pelo aparato estatal,
uma vez abandonado o ideal da não intervenção. Pelos padrões modernos, a
burocracia continuava modesta, embora aumentasse em ritmo acelerado – e em
nenhuma parte mais que na Inglaterra, onde os empregos governamentais
triplicaram entre 1891 e 1911. Na Europa, por volta de 1914, esses empregos iam
de 3% da força de trabalho na França – seu ponto mais baixo, fato, aliás,
surpreendente – e, em seu ponto mais alto, a 5,5-6% na Alemanha e – fato
igualmente surpreendente – na Suíça. A título de comparação, nos países da
Comunidade Econômica Europeia, na década de 1970, os empregos governamentais
formavam entre 10 e 13% da população ativa. Não seria possível, no entanto,
conquistar a lealdade das massas sem políticas sociais dispendiosas, que talvez
onerassem o lucro dos empresários, de quem dependia a economia? Como vimos,
acreditava-se que o imperialismo não só teria condições de pagar reformas
sociais como era também popular.”
“‘Aquele que se decidir a basear seu
pensamento político num reexame de como opera a natureza humana, deve começar
por uma tentativa de vencer a própria tendência para exagerar a intelectualidade
da humanidade’, assim escrevia um cientista político inglês, Graham Wallas, em
1908, consciente de que escrevia também o epitáfio do liberalismo do século
XIX.”
“A democracia burguesa renasceu das próprias
cinzas em 1945, permanecendo, desde então, o sistema favorito das sociedades
capitalistas, quando suficientemente fortes, economicamente prósperas e
socialmente não polarizadas ou divididas para permitir-se a adoção de um
sistema tão vantajoso. Esse sistema, porém, opera com eficácia apenas em muito
poucos dos 150 Estados que formam as Nações Unidas no final do século XX. O
progresso da política democrática, entre 1880 e 1914, não prefigurava sua
permanência nem seu triunfo universal.”
“Devem ser mencionados quatro aspectos dessas
mutações que compunham uma identificação nacional que tornava-se força
política, formando uma espécie de substrato geral da política.
O primeiro, conforme já vimos, é o surgimento
do nacionalismo e do patriotismo, como ideologia encampada pela direita
política, isto encontraria sua expressão extrema entre as duas guerras, no
fascismo, cujos ancestrais ideológicos aí são encontrados. O segundo é a
pressuposição, absolutamente alheia à fase liberal dos movimentos nacionais, de
que a autodeterminação nacional, até inclusive a formação de Estados soberanos
independentes, aplicava-se não apenas a algumas nações que pudessem demonstrar
sua viabilidade econômica, política e cultural, mas a todo e qualquer grupo que
reivindicasse o título de “nação”. A diferença entre a antiga pressuposição e a
nova é ilustrada pela diferença entre as doze entidades bastante grandes
consideradas como as que constituíam a “Europa das nações” por Giuseppe
Mazzini, o grande profeta do nacionalismo do século XIX, em 1857, e os 26
Estados – 27 se incluirmos a Irlanda – que emergiram do princípio da
autodeterminação nacional, do presidente Wilson, no fim da Primeira Guerra
Mundial. O terceiro era a tendência progressiva para admitir que a
“autodeterminação nacional” não podia ser satisfeita por qualquer forma de
autonomia inferior à plena independência do Estado. Durante a maior parte do
século XIX a maioria das reivindicações de autonomia não havia previsto isso.
Finalmente, havia a nova tendência para definir uma nação em termos étnicos e
especialmente em termos de linguagem.”
“O extraordinário impacto internacional das
revoluções russas de 1917 só é compreensível se tivermos em mente que aqueles
que foram para a guerra de boa vontade, e mesmo com entusiasmo, em 1914, eram
movidos pela ideia do patriotismo, que não podia ser confinada a slogans nacionalistas:
incluía o senso do que era devido ao cidadão. Esses exércitos não iam para a
guerra por gostarem da luta, da violência ou do heroísmo, ou para implementar o
incondicional egoísmo e expansionismo do nacionalismo de direita. E menos ainda
por hostilidade ao liberalismo e à democracia. Ao contrário. A propaganda
doméstica de todos os beligerantes, com respeito à política de massas,
demonstra em 1914 que o assunto a ser sublinhado não era a glória nem a
conquista, mas o de “nós” sermos vítimas de agressão, ou de política agressiva,
o de “eles” representarem uma ameaça mortal aos valores da liberdade e da
civilização que “nós” representamos. Mais importante: homens e mulheres não
seriam mobilizados com êxito para a guerra, a não ser que sentissem sua luta
como algo mais que um simples combate armado: que, em algum sentido, o mundo
melhoraria com a “nossa vitória”, e que “nosso” país seria – para repetir uma
frase de Lloyd George – “terra digna de heróis”. Os governos inglês e francês,
portanto, reivindicavam a defesa da democracia e da liberdade, contra o poder
monárquico, o militarismo e o barbarismo (“os hunos”), enquanto o governo
alemão reivindicava a defesa dos valores da ordem, da lei e da cultura, contra
a autocracia e o barbarismo russos. As perspectivas de conquista e
engrandecimento imperial poderiam ser anunciadas nas guerras coloniais; não,
porém, nos conflitos mais importantes – mesmo que delas se ocupassem os
ministros do Exterior, nos bastidores.
As massas alemãs, francesas e inglesas, ao
marcharem para a guerra em 1914, o fizeram não como guerreiros e aventureiros,
mas como cidadãos e civis. É este mesmo fato que, para governos que operam em
sociedades democráticas, demonstra a necessidade do patriotismo e igualmente a
sua força. Apenas o sentimento de que a causa do Estado era genuinamente a sua,
poderia mobilizar com eficácia as massas; e em 1914 os ingleses, franceses e
alemães sentiam isso. As massas permaneceram mobilizadas até que três anos de
massacres sem paralelos e o exemplo da revolução na Rússia lhes ensinaram que
haviam estado enganadas.”
“E a indústria cinematográfica começara a se
instalar no que já estava se tornando sua capital mundial: uma colina de Los
Angeles. Essa realização extraordinária se devia, em primeiro lugar, à total
falta de interesse dos pioneiros do cinema por qualquer outra coisa além de
produzir diversão lucrativa para um público de massa. Eles entraram para o ramo
como artistas, às vezes obscuros artistas de circo, como o primeiro magnata do
cinema, Charles Pathé (1863-1957) da França – embora ele não fosse um
empresário europeu típico. Eles eram, com mais frequência, como nos EUA, pobres
mas dinâmicos mascates judeus imigrantes, que teriam vendido com o mesmo
entusiasmo roupas, luvas, peles, ferramentas ou carne se estes artigos tivessem
parecido igualmente lucrativos. Passaram à produção para ter o que exibir. Seu
público alvo era, sem a menor hesitação, os menos instruídos, os menos
reflexivos, os menos sofisticados, os menos ambiciosos intelectualmente, que
lotavam os cinematógrafos onde Carl Laemmle (Universal Films), Louis B.
Mayer (Metro-Goldwyn-Mayer), os irmãos Warner (Warner Brothers) e
William Fox (Fox Films) começaram em torno de 1905. Em The
Nation(1913), a democracia populista norte-americana recebeu de braços
abertos esse triunfo dos estratos mais baixos, obtido por meio de entradas a
cinco centavos, enquanto a democracia social europeia, preocupada em levar aos
trabalhadores as coisas mais elevadas da vida, desqualificou os filmes como
diversão do homem proletariado escapista. O cinema desenvolveu-se, portanto,
segundo as fórmulas que conseguiam aplausos garantidos, tentadas e testadas
desde a Roma antiga.
Ainda mais, o cinema desfrutou de uma
vantagem não prevista, mas absolutamente crucial. Dado que até a década de 20
ele era apenas capaz de reproduzir imagens, mas não palavras, era forçado ao
silêncio interrompido apenas pelos sons do acompanhamento musical; isto
multiplicou as oportunidades de emprego para músicos de segunda categoria.
Livre das restrições da Torre de Babel, o cinema desenvolveu, portanto, uma
linguagem universal que, de fato, lhe permitiu explorar o mercado mundial,
independente do idioma.
Não há dúvida de que as inovações
revolucionárias do cinema como arte, todas elas já praticamente desenvolvidas
nos EUA em 1914, se deveram à necessidade de se dirigir a um público
potencialmente universal exclusivamente através da visão – tecnicamente
manipulável –, mas também não há dúvida de que essas inovações, que deixaram a avant-garde da
cultura erudita muito atrás em termos de ousadia, foram prontamente aceitas
pelas massas porque essa era uma arte que tudo transformava, salvo o conteúdo.
O que o público viu e adorou no cinema foi precisamente o que surpreendeu,
animou, divertiu e movimentou todas as plateias desde que existe entretenimento
profissional. (...)
Hollywood se baseava na articulação do
populismo do cinematógrafo com a mentalidade e o drama cultural e moralmente
gratificantes, esperados pela massa igualmente grande de americanos médios. Sua
força e sua fraqueza residiam precisamente no seu interesse único pela
bilheteria de um mercado de massas. A força era, em primeira instância,
econômica. O cinema europeu optou, não sem alguma resistência da parte de
artistas populistas, pelo público culto, às custas do popular. (...)
Enquanto isso, a indústria americana podia
explorar ao máximo o mercado de massas de uma população que teoricamente era
apenas um terço maior que o proporcionado pela população da Alemanha. Isto lhe
permitiu cobrir os custos e obter altos lucros dentro do país e, assim,
conquistar o resto do mundo, reduzindo os preços. A Primeira Guerra Mundial
acentuaria essa nítida vantagem e tornaria a posição americana inabalável.”
“Assim, a arte “moderna”, a verdadeira arte
“contemporânea” deste século se desenvolveu de modo imprevisto, não notada
pelos defensores dos valores culturais, e com a velocidade que se pode esperar
de uma genuína revolução cultural. Mas já não era e já não podia ser a arte do
mundo burguês e do século burguês, salvo num aspecto crucial: era profundamente
capitalista. Seria o cinema “cultura”, no sentido burguês? Em 1914, a maioria
das pessoas instruídas teria, quase com certeza, pensado que não. E, no
entanto, esse veículo novo e revolucionário era muitíssimo mais forte que a
cultura da elite, cuja procura de uma nova maneira de exprimir o mundo preenche
a maioria das histórias das artes do século XX. Poucos vultos representam de maneira
mais óbvia a antiga tradição, em suas versões convencional e revolucionária,
que dois compositores da Viena de pré-1914: Erich Wolfgang Konvoid, uma criança
prodígio do meio musical médio, já se lançando às sinfonias, óperas e tudo
mais; e Arnold Schoenberg. O primeiro chegou ao fim da vida como compositor de
muito sucesso de trilhas musicais para os filmes hollywoodianos e diretor
musical da Warner Brothers. O segundo, depois de revolucionar a
música clássica do século XIX, passou seus últimos dias na mesma cidade, sempre
sem público, mas admirado e subsidiado por músicos mais adaptáveis e muito mais
prósperos, que ganhavam dinheiro na indústria cinematográfica não aplicando as
lições aprendidas com ele.
As artes do século XX foram portanto
revolucionadas, mas não por aqueles que assumiram o encargo de fazê-lo.”
“Para os recrutas comuns, mais familiarizados
com a servidão do que com as glórias da vida militar, entrar para o exército se
tornou um rito de passagem que marcava a chegada de um garoto à idade adulta,
seguido por dois ou três anos de treinamento e trabalho duro, que se tornavam
mais toleráveis devido à notória atração que a farda exercia sobre as moças.
Para os suboficiais profissionais o exército era um emprego. Para os oficiais,
um jogo infantil onde quem brincava eram os adultos, símbolo de sua
superioridade em relação aos civis, de esplendor viril e de status social. Para
os generais era como sempre, o terreno propício às intrigas políticas e ciúmes
relativos à carreira, tão amplamente documentada nas memórias dos chefes
militares.
Para os governos e as classes dirigentes, os
exércitos eram não só forças para enfrentar inimigos internos e externos, mas
também um modo de garantir a lealdade, ou mesmo o entusiasmo ativo, de cidadãos
com simpatias inquietantes por movimentos de massas que solapavam a ordem
política e social. Junto com a escola primária, o serviço militar era talvez o
mecanismo mais poderoso à disposição do Estado com vistas à inculcação do
comportamento cívico apropriado e, não menos importante, à transformação do
habitante de um povoado no cidadão (patriota) de uma nação. A escola e o
serviço militar ensinaram os italianos a compreender, se não a falar, a língua
“nacional” oficial.”
“O desenvolvimento do capitalismo empurrou o
mundo inevitavelmente em direção a uma rivalidade entre os Estados, a expansão
imperialista, ao conflito e a guerra. Após 1870, como os historiadores
mostraram, a passagem do monopólio à concorrência talvez tenha sido o fator
isolado mais importante na preparação da mentalidade propícia ao empreendimento
industrial e comercial europeu. Crescimento econômico também era luta econômica
– luta que servia para separar os fortes dos fracos, para desencorajar alguns e
endurecer outros, para favorecer as nações novas e famintas às custas das
antigas. O otimismo em relação a um futuro de progresso indefinido cedeu o
lugar à incerteza e a um sentimento de agonia, no sentido clássico do termo.
Tudo isso, por sua vez, reforçando e sendo reforçado pelo acirramento das rivalidades
políticas, as duas formas de concorrência que surgiam.”
“Mas a novidade da situação residia em que,
dada a fusão entre economia e política, nem a divisão pacífica das áreas
disputadas em “zonas de influência” podia manter a rivalidade internacional sob
controle. A única coisa que poderia controlá-la – como sabia Bismarck, que a
administrou com incomparável habilidade entre 1871 e 1889 –, era a limitação
deliberada de objetivos. Se os Estados pudessem definir seus objetivos diplomáticos
com precisão – uma determinada mudança nas fronteiras, um casamento dinástico,
uma “compensação” definível pelos avanços de outros Estados – tanto o cálculo
como o acordo seriam possíveis. Mas nenhuma das duas excluía – como o próprio
Bismarck comprovara entre 1862 e 1871 – o conflito militar controlado. Mas o
traço característico da acumulação capitalista era justamente não ter limite.
As “fronteiras naturais” da Standard
Oil, do Deutsche Bank, da De Beers Diamond Corporation estavam
situadas nos confins do universo, ou antes, nos limites de sua capacidade de
expansão. Foi este aspecto dos novos padrões da política mundial que
desestabilizou as estruturas da política mundial tradicional. Enquanto o
equilíbrio e a estabilidade permaneciam a condição fundamental das nações
europeias em suas relações recíprocas, em outros lugares nem as mais pacíficas
hesitavam em recorrer à guerra contra os fracos. Tinham sem dúvida o cuidado de
manter seus conflitos coloniais sob controle. Estes nunca pareceram constituir
causas bélicas para uma guerra de grandes proporções, mas com certeza
precipitaram a formação de blocos internacionais e finalmente beligerantes: o
que se tornou o bloco anglo-franco-russo começou com o “entendimento cordial”
anglo-francês de 1904, essencialmente uma negociação imperialista através da
qual os franceses desistiram de reivindicar o Egito, e, em troca, a
Grã-Bretanha apoiaria suas reivindicações relativas ao Marrocos – uma vítima na
qual a Alemanha também estava de olho. Entretanto, todas as nações, sem
exceção, estavam com ânimo expansionista e conquistador. Até a Grã-Bretanha –
cuja postura era fundamentalmente defensiva, dado que seu problema era como
proteger seu domínio global, até então incontestado, contra os novos intrusos –
atacou as repúblicas sul-africanas; ela também não hesitou em pensar em dividir
as colônias de outro Estado europeu, Portugal, com a Alemanha. No oceano do
planeta, todos os Estados eram tubarões e todos os estadistas sabiam disso.
Mas o que tornou o mundo um lugar ainda mais
perigoso foi a equação tácita de crescimento econômico ilimitado e poder
político, que veio a ser aceita inconscientemente. Assim, o imperador alemão
pediu, nos anos 1890, “um lugar ao sol” para seu Estado. Bismarck poderia ter
reivindicado o mesmo – e, de fato, conquistara um lugar muitíssimo mais
poderoso no mundo para a nova Alemanha do que a Prússia jamais desfrutara.
Contudo, Bismarck podia definir as dimensões de suas ambições, evitando
cuidadosamente entrar no terreno das zonas sem controle, ao passo que para
Guilherme II a frase se tornou um mero slogan sem conteúdo
concreto. Formulava simplesmente um princípio de proporcionalidade: quanto mais
poderosa for a economia de um país, maior será sua população, maior o lugar
internacional de sua nação-Estado. Assim, não havia limites teóricos ao lugar
que ele podia sentir que lhe cabia. Como dizia a frase nacionalista: “Heute
Deutschland, margen die ganze Welt” (Hoje a Alemanha, amanhã o mundo
inteiro). Tal dinamismo ilimitado pode ser expresso na retórica política,
cultural ou nacionalista-racista: mas o real denominador comum dos três níveis
era a necessidade imperiosa de expandir uma economia capitalista maciça,
observando suas curvas estatísticas dispararem para cima.”
(Por questões de espaço não convém
inseri-lo, mas o capítulo 13, “Da paz à guerra” – da qual este último trecho
supracitado é um pequeno excerto –, no qual o autor formula sobre as causas da
primeira guerra mundial, é imprescindível.)
“Após a catástrofe maciça de 1914 e cada vez
mais, os métodos da barbárie se tornaram parte integrante e esperada do mundo
civilizado, tanto que encobriram os avanços contínuos e notáveis da tecnologia
e da capacidade humana de produzir, e inclusive as inegáveis melhorias na
organização social humana em muitos lugares do mundo, até que se tornasse
impossível ignorá-los, no decorrer do grande salto para a frente da economia
mundial, no terceiro quartel do século XX. Em termos de melhoria material da
humanidade como um todo, para não mencionar sua compreensão e seu controle da
natureza, os argumentos a favor de uma visão da história do século XX como
progresso são, na verdade, mais convincentes do que no caso do século XIX. Pois
mesmo se europeus morreram e fugiram aos milhões, os sobreviventes estavam se
tornando mais numerosos, mais altos, mais sadios e viviam mais tempo. A maioria
vivia melhor. Mas os motivos por que perdemos o hábito de pensar em nossa
história como progresso são óbvios. Embora o progresso do século XX seja
inegável, as previsões não sugerem um ascenso contínuo, mas a possibilidade,
talvez até a iminência, de alguma catástrofe; outra e mais letal guerra
mundial, um desastre ecológico, uma tecnologia cujo triunfo torne o mundo
inabitável para a espécie humana, ou qualquer outra forma atual que o pesadelo
possa revestir. A experiência nos ensinou, em nosso século, a viver na
expectativa do apocalipse.”
“Há lugar para a esperança, pois os seres
humanos são animais que esperam.”
Gostei da análise sobre o cinema. E os dois últimos parágrafos são muito bons.
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