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sábado, 26 de novembro de 2011

Revelações por minuto – Marcelo Leite de Moraes

Editora: Companhia Editora Nacional
ISBN: 978-85-04-01161-6
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 448


     “Paulo Ricardo sempre foi chamado pelos dois nomes, mesmo no meio familiar. Certa vez, seu Waldeck foi chamado ao colégio porque a professora estava desconfiada de que o menino estivesse ficando surdo. Após terem conversado, o pai e a professora foram ao encontro do menino no pátio da escola e ela o chamou: “Paulo, Paulo!”. Nada, o menino não atendia. Seu Waldeck perguntou: “É por isso que a senhora acha que ele está surdo?”. Tendo a resposta positiva, seu Waldeck se voltou para o filho, que estava de costas, e chamou: “Paulo Ricardo!”. O menino imediatamente atendeu. Então o pai explicou que ele não atendia pelo nome de Paulo, e sim de Paulo Ricardo.”


     “Na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, o RPM foi se apresentar na Fenadoce, uma feira de doces da região. O show não foi dos mais tranquilos. Foi um dia de muita chuva na cidade, a banda chegou atrasada e foi direto passar o som. Ao chegar ao estádio, além da chuva, tiveram a surpresa de que o equipamento de som não era dos melhores. “Acho que faltava um amplificador de baixo e mais algumas coisas”, lembra Luiz Schiavon. Paulo Ricardo reclamou da qualidade do som e disse que não iria fazer o show. Mesmo com os pedidos até certo ponto educados do dono da feira, uma especie de sinhozinho gaúcho, Paulo Ricardo estava irredutível. Porém, com a insistência do vocalista do RPM em não fazer o show, o dono da festa foi um pouco mais enfático: “Vai tocar aqui mesmo, chê! Vai tocar ou então vai morrer!”, disse o contratante, colocando uma arma na mesa, recorda Aguiberto. “Tinha chovido muito. Faltavam uns equipamentos, mas tivemos de fazer o show. O cara botou um revólver na mesa e aí ficou fácil. Fomos tocar”, lembra Luiz.”


     “Em O Globo de 29 de setembro de 1986, a reportagem assinada por Isa Pessoa comentava que alguém havia perguntado a uma menina de doze anos que estava na plateia se ela sabia o que queria dizer um trecho da música “London, London”, cantada por um coro de 40 mil pessoas, em inglês: “while my eyes go looking for flyng saucers in the Sky”. A resposta foi direta: “Não, mas eu sinto!”.”


     “Na chegada a Lima para a aguardada turnê, o RPM foi conduzido numa van do aeroporto ao hotel. Na capital peruana havia toque de recolher devido a ameaças do Sendero Luminoso. O carro andava muito pouco e parava, passando por vários comandos e barreiras de policiais. Os membros do grupo já estavam fartos de tantas paradas. Na quarta parada em menos de trinta minutos, o guarda perguntou mais uma vez ao motorista de onde eles eram e onde estava o salvo-conduto. Não aguentando mais, Paulo Ricardo, que estava praticamente no porta-malas da van, disse ao guarda: “Ó, meu amigo, porra, não está lendo o que está escrito aí: Brasil, samba, Pelé, rumba, banana, caralho...”. Mesmo todos estando apreensivos e com medo de tantos guardas armados até os dentes com metralhadoras, não tiveram como não rir do rompante do vocalista do RPM, visivelmente embriagado. “Isso mostra o espírito anárquico do Paulo. Ele é muito engraçado. Quando quer, não tem pra ninguém”, recorda Deluqui. Mas nem todos acharam graça. Os soldados não gostaram da resposta do Paulo Ricardo e imediatamente apontaram suas armas para ele. “O Paulo fez essa gracinha, e o soldado engatilhou a arma na cara do Paulo. Depois foi engraçado, mas na hora foi feio”, lembra Luiz.”


     “O motivo da (primeira) separação do RPM nunca foi plenamente explicado. Divergências musicais, problemas de divisão de ganhos, mais espaço para os quatro em todas as composições, o crescente consumo de drogas e álcool, além do desgaste da convivência durante mais de quinze meses em turnê podem ter sido o estopim da crise. Mas nada preponderante ou gravíssimo: “Não houve um motivo real, verdadeiro, para a separação. A loucura deles foi tão grande que se separaram por bobagens. Ciúmes um do outro, dinheiro, drogas, exposição do líder vocal e outras coisinhas”, resume Marcos Maynard, que sempre esteve próximo da banda. “No meio de tudo isso, o Deluqui resolveu querer mais espaço e cantar. Ele já tinha o seu espaço no palco, mas houve esse problema que contribuiu para a separação.”


     “Graças ao sucesso e à arrogância demonstrada por todos os integrantes do RPM, a banda rapidamente formou uma legião de desafetos. “Cada um de nós apresentou um comportamento esquisito depois do sucesso”, reconhece Deluqui.
     Mesmo com integrantes de outras bandas contemporâneas do RPM, que dividiam o mesmo camarim em programas de TV, como o do Chacrinha, Raul Gil e Bolinha, começaram a surgir alguns problemas, e os RPM passaram a ser vistos com outros olhos. Algumas frases publicadas pela imprensa na época ajudaram a apimentar esse caldo:

Vai ter banda lá fora influenciada pelas brasileiras. Vai ser uma longa história
(Paulo Ricardo, Bizz, maio de 1986);

Quem quiser saber mais sobre nós, a biografia está embaixo da agulha da vitrola
(Luiz Schiavon, Som Três, outubro de 1985);

Queremos fugir da habitual preguiça brasileira e tocar seja lá onde for
(Paulo Ricardo, Veja, 06/08/1986);

Só porque sou alto, bonito e gostoso não quer dizer que o sucesso me subiu à cabeça
(Paulo Ricardo, Folha de São Paulo, 15/08/1986);

Não existem grupos nacionais. O que há são estilos diferentes
(Luiz Schiavon, Bizz, setembro de 1985);

Fomos favorecidos por um momento, uma onda de rock, e soubemos utilizar esse momento melhor que a maioria das pessoas. Nosso sucesso talvez seja proporcional à nossa ambição
(Paulo Ricardo, Jornal do Brasil, 20/07/1986);

Há um ano iriam rir da nossa cara. A gente tem que ocupar espaço. Tenho um pouco de bode deste pessoal que se julga o melhor e não vai à luta
(Luiz Schiavon, Bizz, setembro de 1985);

Faço música, não sou ator de filme pornô nem alvo fácil de comentários superficiais
(Paulo Ricardo, Veja, 06/08/1986);

Estamos famosos, cada um já teve a sua divulgação pessoal necessária
(Luiz Schiavon, IstoÉ, 30/03/1988);

O Roger, do Ultraje, é um explícito debochado. Já o Renato Russo, da Legião Urbana, é um explícito sério. Eu sou um implícito lírico
(Paulo Ricardo, Bizz, setembro de 1985).”


Bizz (final de 1987) – Bem, vocês voltaram. Mas eu sei, existem trabalhos que foram desenvolvidos paralelamente que estavam até quase prontos [como foi o caso de Deluqui e P.A.]. Como vocês resolveram isso?
Paulo – Ficamos (na época da separação) cada um fazendo um trabalho e, quando nos encontrávamos, a gente perguntava: “E aí? Está tocando com o baixista. E vocês? Estão tocando com que guitarrista?”... “Beltrano, Ciclano? Blergh! Ircgh! [em falsete]”. Todos uma bosta! No fim, porra, fizemos essa banda porque era a banda que depois de vinte e tantos anos de neguinho se procurando, achou os caras e a banda deu certo. E dá saudade... é como aquela coisa: estou solteiro, vou comer todo mundo... Aí vai uma, duas e na terceira você já sente falta daquela coisinha que ela fazia, começa a achar todas elas burras, começa a dar uma puta angústia...”


     “Uma das razões para o desgaste natural do relacionamento entre os integrantes do RPM foi a falta de conhecimento mútuo e maior convivência entre os músicos. Não eram amigos de infância, eram pessoas que se conheceram aos vinte e poucos anos de idade e montaram uma banda de rock. Gravaram um disco, fizeram um grande sucesso, ganharam muito dinheiro, foram para a estrada fazer shows e foram se conhecendo durante esse processo. Não houve tempo de convivência para que se conhecessem e soubessem aceitar as limitações, fraquezas e particularidades de cada um. Fizeram as coisas que tinham de fazer, bem feito e rápido. Não precisaram de ninguém nem tiveram quem indicasse o caminho correto, simplesmente seguiram a onda que lhes era apresentada. “O RPM foi um estouro tão rápido que mexeu com a cabeça de todos eles. Se tivessem um tempo maior antes do estouro, poderiam ter criado raízes mais sólidas e o envolvimento com o sucesso seria diferente”, acredita Luiz Carlos Maluly.”


     “O assédio das mulheres aos músicos do RPM sempre foi muito grande. (...) Uma história, permitida, merece destaque. Na festa após a apresentação na praça da Apoteose, no Rio de Janeiro, que aconteceu no Golden Room do Hotel Copacabana Palace, uma famosa atriz de novelas procurou P.A. e começou a conversar sobre vários assuntos. A conversa não rendeu, mas a atriz anotou o número do quarto onde o baterista estava hospedado. Lá pelas quatro e meia da manhã, todo o RPM estava em seus respectivos quartos com suas esposas – na época apenas P.A. estava solteiro. De repente, o telefone toca e o batera atende. A voz do outro lado da linha pergunta se ele sabia quem era. A resposta foi negativa. “Já tinha tomado muita bebida, fora as outras coisas que sempre acompanhavam essas festas e não sabia quem era”, recorda P.A. Ela disse que estava em frente ao apartamento dele no Copacabana Palace e pediu que ele fosse até a varanda, pois assim poderia vê-lo. P.A. foi e a moça começou a acenar da sacada de seu prédio, localizado na diagonal do famoso hotel carioca. A atriz convidou P.A. para ir até o seu apartamento para que continuassem a festa e conversassem mais, etc. O baterista aceitou e foi se encontrar com aquela moça lindíssima em sua casa a poucos metros do hotel onde estava hospedado.
     Chegando ao apartamento da atriz, ele foi surpreendido, pois o marido dela estava dormindo lá. P.A. foi tranquilizado pela própria atriz, que disse não haver nenhum problema. Começaram a beber e a consumir certa quantidade de drogas. Porém, somando-se ao consumo anterior, no qual os dois já haviam abusado deliberadamente, não conseguiram fazer muita coisa juntos a não ser conversar. Até tentaram ter algum tipo de relação sexual, mas não foi possível. Os efeitos do álcool e dos entorpecentes sobre o organismo dos dois eram tão intensos que foi impossível consumar algum ato. “Não conseguimos, estávamos os dois muito doidos. Uma pena. Me arrependo até hoje.”, lamenta-se P.A. O marido da atriz acordou, tomou café com os dois seminus, se arrumou e foi trabalhar, sem o menor constrangimento. P.A. saiu do apartamento da jovem atriz depois de uma e meia da tarde.”

Revolução* – Milo Manara

Editora: Conrad
ISBN: 978-85-7616-206-3
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 48


     “Reflitam um pouco e encarem as coisas de frente! Nossa sociedade está criando uma situação igual à da França às vésperas da revolução. Hoje, como antigamente, existe uma casta de privilegiados para quem a vida é bem diferente do que é para as pessoas comuns. Naquela época eram os nobres, hoje são os ricos e famosos – os Vips, se assim preferirem. Uma casta de semideuses, distante da massa obtusa e ignorante.
     Seus ganhos não são o dobro ou o triplo da média! Não! Nem mesmo dez ou cem vezes maiores que os das pessoas normais! Não! São mil vezes! Cem mil vezes! Um milhão de vezes superiores aos nossos! É absolutamente indigno! Se consideram tão superiores, e muitos não valem nada! Nessa nova nobreza, encontramos personalidades da tevê, esportistas célebres, alguns políticos, alguns industriais, atores de cinema... e, de uma maneira geral, todos os que estão sempre na televisão!
     Sim, porque a causa de tudo isso é a televisão! Foi ela que criou esse novo olimpo! É ela que, dominada por esses novos heróis da imbecilidade, espalha a ignorância e a miséria! É ela que, com programas cada vez mais idiotas e toneladas de publicidade, nos torna mais cretinos e primitivos a cada dia que passa! Mas, se nossos ancestrais conseguiram destruir a nobreza parasita, nós, com os mesmos meios, vamos conseguir fazer o mesmo!
     Liberdade, igualdade, fraternidade!”



      “Vocês só pensam em transformar informação em espetáculo, por isso escolhem o que transmitir e o que esconder, de acordo com a vontade dos patrões! 100% intoxicação, zero de informação! Vocês querem enganar, e não informar!”

*: Romance gráfico.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A busca do Graal: O Andarilho – Bernard Cornwell

Editora: Record
ISBN: 978-85-0106-677-0
Tradução: Luiz Carlos do Nascimento Silva
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 464
Sinopse: O Andarilho – segundo livro da série Em busca do Graal, de Bernard Cornwell, iniciada com O Arqueiro – é um romance espetacular, conduzido de forma hábil e envolvente. Guerra, tortura, amor, luxúria e perdas – uma saga histórica que apresenta os elementos que consagraram o autor. Uma fábula sobre nobreza e heroísmo que encanta do início ao fim.



“A Inquisição, tal como a ordem de frades dominicanos, era dedicada à erradicação da heresia, e para isso empregava fogo e sofrimento. Eles não podiam derramar sangue, porque isso era contra a lei de Deus, mas qualquer sofrimento provocado sem derramamento de sangue era permitido, e a Inquisição sabia bem que o fogo cauterizava o sangramento e que a tortura não perfurava a pele de um herege e que grandes pesos colocados sobre o peito de um homem não rompiam veia alguma. Em porões fedendo a fogo, medo, urina e fumaça, numa escuridão cortada pela chama de um fogo e pelos gritos dos hereges, a Inquisição caçava os inimigos de Deus e, pela aplicação da dor sem sangue, levava suas almas à bendita unidade com Cristo.”


“A Thomas parecia que homens e mulheres passavam metade da vida brigando e metade amando, e a intensidade da primeira alimentava a paixão da segunda.”


“Certa vez, faz muito tempo, eu vi um frasco de cristal contendo o sangue de nosso Senhor. Foi em Flandres, e o sangue se liquefazia em resposta a uma oração! Há um outro frasco em Gloucestershire, segundo me contaram, mas esse eu não vi. Eu toquei, certa vez, na barba de São Jerônimo em Nantes; segurei um fio do rabo do burro de Balaão; beijei uma pena da asa de São Gabriel e brandi a própria mandíbula com que Sansão abateu os filisteus! Eu vi uma sandália de São Paulo, uma unha de Maria Madalena e seis fragmentos da verdadeira cruz, um deles manchado com o mesmo sangue santo que eu vi em Flandres. Dei uma olhada nos ossos dos peixes com que nosso Senhor alimentou as cinco mil pessoas, senti o corte afiado de uma das pontas de flecha que abateram São Sebastião e cheirei uma folha da macieira do Jardim do Éden. Na minha capela, rapaz, eu tenho um nó de dedo de Santo Tomás e uma dobradiça da caixa na qual o olíbano foi dado ao menino Jesus. Essa dobradiça me custou muito dinheiro, muito. Pois me diga, Thomas, que relíquia é mais preciosa do que todas essas que eu já vi e todas as que pretendo ver nas igrejas da cristandade?”


“– O diabo está trabalhando contra nós, eminência – falou, irritado.
– O diabo está sempre trabalhando contra nós, Bernard – disse o cardeal em tom de reprovação. – É o serviço dele. Haveria algo profundamente errado no mundo se o diabo não estivesse trabalhando contra nós.”


“– Então você falou com o irmão Germain? – perguntou ele a Thomas.
– Quem dera que não tivesse falado.
– Ele é um estudioso, o que significa que não tem colhões.”


“– Sabe por que alguns homens são maus líderes? Porque eles querem que os outros gostem deles.
– Isso é mau?
– Os homens querem admirar os seus líderes, querem temê-los, e acima de tudo querem que ele tenha sucesso. O que é que gostarem dele tem alguma coisa a ver com qualquer desses detalhes?”


“Guy Vexille dissera que Thomas iria querer morrer enquanto tivesse sendo torturado, e isso fora verdade, mas Thomas estava surpreso ao descobrir que ainda era verdade. Tire o orgulho de um homem, pensou, e você o deixa sem nada. A pior recordação não era a dor, nem a humilhação de implorar para que a dor parasse, mas a gratidão que sentira para com o torturador quando a dor realmente parou. Esse, sim, era o detalhe mais vergonhoso de todos.”

domingo, 13 de novembro de 2011

A busca do graal: O arqueiro – Bernard Cornwell

Editora: Record
ISBN: 978-85-0106-170-6
Tradução: Luiz Carlos do Nascimento Silva
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 450
Sinopse: O arco longo, uma arma mortífera, tornou o exército inglês o mais poderoso da Europa, no século XIV, quando o continente viu surgir um dos maiores conflitos armados de todos os tempos: A Guerra dos Cem Anos. O escritor Bernard Cornwell, apaixonado estudioso de história militar, parte desse episódio para escrever um de seus melhores romances, em que o jovem arqueiro Thomas, sem querer, é colocado na trilha do lendário Santo Graal.
Thomas tem apenas 18 anos quando sua aldeia é atacada por um homem misterioso, conhecido apenas como Arlequin. Ele lidera um grupo de guerreiros com uma missão: roubar a lança de São Jorge. Uma das maiores relíquias da cristandade. O jovem escapa e promete ao pai moribundo vingar-se dos agressores e recuperar o objeto precioso. Deixa o que restou do povoado e viaja para o outro lado do Canal da Mancha, onde se junta a grupos de arqueiros ingleses em permanente combate com os franceses. Começam, então, suas aventuras em campos de batalha. O que ele ainda não sabe é que terá de enfrentar um grande mistério que assombra sua vida: os planos diabólicos do famigerado Arlequin, que podem afetar o destino de muitos reinos poderosos.
Cornwell consagrou-se entre os leitores com sua releitura das aventuras de Artur e seus cavaleiros, realizada a partir de descobertas arqueológicas recentes. A mesma riqueza de detalhes e descrição de batalhas e personagens é encontrada em O Arqueiro. Um romance apaixonante sobre um dos períodos mais conturbados da História Inglesa.



“Um arqueiro não mira, ele mata.”


“– Todo mundo vai estar bêbado em breve – disse o padre Hobbe – e o horror vai terminar. Sempre termina. Cerveja e vinho, Deus sabe, são grandes causas de pecado, mas fazem com que ele tenha vida curta.”


“– O meu nome é Mordecai, mas você pode me chamar de doutor. Não vai chamar, é claro. Vai me chamar de judeu maldito, assassino de Cristo, adorador secreto de porcos e raptor de crianças cristãs. – Tudo isso foi dito com humor. – Que absurdo! Quem iria querer raptar crianças, cristãs ou outras quaisquer? Coisas abomináveis. O único favor que as crianças fazem é que elas crescem, como fez o meu filho, mas então, tragicamente, elas geram mais crianças. Nós não aprendemos as lições da vida.”


“– Então Sir Guillaume lhe contou a história da vida dele? – perguntou Mordecai.
– Contou.
– E você é parente do homem que matou a mulher dele.
– Não sei – disse Thomas –, na verdade não sei, mas o yale indica que sou.
– E é provável que Sir Guillaume tenha matado sua mãe, e o homem que matou a mulher dele matou o seu pai, e Sir Simon Jekyll tentou matar você. – Mordecai abanou a cabeça. – Todas as noites, eu lamento por não ter nascido cristão. Eu poderia portar uma arma e entrar na disputa.
– Ele deu um frasco a Thomas. – Tome – ordenou – e, por falar nisso, o que é um yale?
– É um animal heráldico – explicou Thomas.
– Deus, em sua infinita sabedoria, fez os peixes e as baleias no quinto dia, e no sexto fez os animais da Terra, olhou para o que tinha feito e viu que era bom. Mas não o suficiente para os arautos, que têm que acrescentar asas, chifres, presas e garras ao Seu trabalho inadequado.”


“– Meu pai tinha um livro com citações de Santo Agostinho e havia uma que sempre me intrigou – ele franziu o cenho, na tentativa de lembrar-se do latim – Nondum amabam, et amare amabam. Eu não amava, mas ansiava por amar.
Eleanor dirigiu-lhe um olhar cético.
– Uma maneira muito rebuscada de dizer que você se sente solitário.”


“Os homens enlouquecem quando sabem demais.”


“– Flechas! – tornou Skeat a dizer. – Não vão desperdiçá-las. Ele jogou os feixes, um a um, para os arqueiros. – Parece muito, mas a maioria de vocês, seus leprosos miseráveis, nunca estiveram numa batalha de verdade, e as batalhas engolem flechas como putas engolindo... Bom dia, padre Hobbe!
– Vai me dar um feixe, Will?
– Não o desperdice com pecadores, padre – disse Will, jogando um feixe para o sacerdote. – Mate alguns franceses tementes a Deus.
– Isso não existe, Will. Todos eles vieram de Satã.”


“Não se pode dar as costas para Deus.”

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Fantasmas do século XX – Joe Hill

Editora: Sextante
ISBN: 978-85-99296-29-5
Tradução: Fernanda Abreu
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 288
Sinopse: Fantasmas do século XX é muito mais do que um livro – é uma experiência sensorial assustadora e atraente.
Considerado o novo mestre do horror, Joe Hill apresenta 17 contos que passeiam por todas as vertentes da literatura de terror: do sobrenatural ao suspense, do thriller à fantasia.
Com um texto ágil, ácido, repleto de referências culturais, este livro tem o poder de suscitar sentimentos opostos, fazendo com que o leitor fique ao mesmo tempo aterrorizado com o rumo da história e empolgado com o ritmo da narrativa.
Em cada conto, por meio da trajetória de cada personagem – um adorável menino inflável; o filho de Van Helsing; um garoto sequestrado que recebe ligações de um morto; um editor que se vê dentro de um conto de terror; um dono de cinema que se apaixona por um fantasma –, Hill dá vida aos nossos piores pesadelos, nos levando a refletir sobre as atrocidades de que o ser humano é capaz.
Profundos, sensíveis e perturbadores, os contos reunidos nesta coletânea permanecem vivos na mente do leitor até muito tempo depois de ele fechar o livro.

“Foi até a prateleira e pegou o primeiro volume do livro O melhor do novo horror (que era o melhor de todos), curioso para ver o que o deixara tão entusiasmado na época. Enquanto procurava o sumário, deu de cara com a dedicatória que fizera para sua então esposa, Elizabeth. ‘Que me ajuda a encontrar o caminho no escuro’, escrevera ele, num surto de afeição. Olhar para aquilo agora fazia sua pele se arrepiar.”


“– Mas eu vou ter que fazer isso de qualquer maneira. Todo mundo tem. (...) Você vive uma vida de astronauta quer queira, quer não. Deixa tudo para trás em troca de um mundo que desconhece. Simplesmente é assim que acontece.”


“Antes que eles pudessem ir embora, Alinger pigarreou para chamar atenção. Ninguém tinha coragem de ir embora depois de ser visto (por Alinger); na batalha entre nervosismo e convenção social, a convenção social quase sempre vencia.”


“O menino engraçado sempre tem algum defeito. É por isso que ele é engraçado... para desviar a atenção das pessoas para outra coisa.”


“– Bom, o que ele faz para seu coração acelerar? Além de beijar você sem dentadura?
– Me deixe em paz, Bobby. (...)
– Não consigo – disse ele, e de repente compreendeu que estava zangado com ela. – Se ele não é engraçado, deve ser alguma outra coisa. Eu preciso saber o quê.
Paciente – disse ela.
– Paciente – repetiu Bobby. Ficou espantado com a possibilidade de aquela ser a sua resposta. (...) – Eu queria conhecer o homem com quem você vive e me sentir doente de ciúme, mas em vez disso estou me sentindo apenas enjoado. Queria que você se apaixonasse por alguém bonito, criativo, brilhante, um escritor, um dramaturgo, alguém com senso de humor e um pau de 35 centímetros. Não por um cara com cabelo à escovinha e que trabalha em um depósito de madeira, que acha que massagem erótica se faz com pomada analgésica.”


“– Por que vocês não podem me proteger? – perguntei.
– Porque existem algumas coisas para as quais amor de mãe e coragem de pai não são suficientes.”


“Parece-me que a característica que separa os populares dos rejeitados é a certeza de quem se é. Eddie sabia quem era. Ele aceitava a si mesmo. Seus defeitos haviam deixado de incomodá-lo. Cada palavra que ele pronunciava era uma expressão espontânea e pura de sua verdadeira personalidade. Enquanto isso, eu não tinha nenhuma imagem clara de mim mesmo, estava sempre olhando para os outros, observando-os com atenção, esperando e ao mesmo tempo temendo captar alguma pista daquilo que viam quando olhavam para mim.”


“No final das contas, as pessoas em geral acabam conseguindo o que querem em quantidade um pouco maior do que conseguem administrar, não é?”


“Desmontar alguma coisa é sempre mais rápido do que montar. Isso se aplica a tudo, exceto ao casamento.”


“(...) – Não sei o que aconteceu com ela depois do ensino médio. Você convive com alguém durante um tempo e aí um dia um buraco se abre debaixo da pessoa e ela cai para fora do seu mundo.”