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sexta-feira, 29 de julho de 2011

Um homem por inteiro – Tom Wolfe

Editora: Rocco
ISBN: 978-85-3251-002-0
Opinião★★★☆☆
Páginas: 664
“Aqui em Atlanta tem um velho ditado que também diz: “O dinheiro fala e a babaquice se cala”.”


“– Roger – disse ele – você deve saber o que é “dinheiro de campanha”. Às vezes é chamado de “caixinha de campanha”.
– De forma geral – disse Roger. – Já ouvi a expressão. Por quê?
– Bom – disse Wes Jordan – você diria que isso significa o quê, de forma geral?
– Pelo que eu sei, isso se refere ao dinheiro que você tem que gastar na campanha eleitoral e até no dia das eleições para incentivar o pessoal que apóia você nos bairros mais pobres... não sei bem... mandando carros de som para lá, pagando as pessoas que ficam nas esquinas perto das seções eleitorais distribuindo santinhos, e arranjando gente para levar as pessoas de van até as seções, coisas assim. Por quê?
Wes sorriu, com um ar de superioridade um pouco excessivo, na estimativa de Roger. – Isso foi o que eu sempre achei também, Roger. Mas logo depois que eu anunciei minha candidatura a prefeito, o Archie Blount... se lembra do Archie? O deputado do Quinto Distrito?... o Archie me aparece, e diz: “Wes, essa é a primeira vez que você vai concorrer numa coisa tão grande, uma eleição municipal. No primeiro mês de campanha, o seu conhecimento de como a política realmente funciona vai aumentar 100 por cento. No segundo mês, vai aumentar 200 por cento, e no terceiro mês vai aumentar 400 por cento... e mesmo assim você ainda vai estar no jardim-de-infância.” Eu agradeci a ele, provavelmente de maneira condescendente... eu gostava dele, mas não o achava muito inteligente... e continuei meus preparativos para concorrer baseados no próprio mérito do meu programa, que me favorecia, calculava eu.
– Na manhã seguinte já tive minha primeira surpresa. Em cima da minha escrivaninha havia uma pilha de cartas deste tamanho. Junto com cada carta, um cheque em favor da minha campanha. A carta propriamente dita é um contrato entre mim e a organização que a mandou. Uma, eu me lembro, era de uma organização de “direitos dos gays”. Eu só precisava assinar embaixo daquela carta dizendo que iria falar a favor de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, de direitos de herança entre casais do mesmo sexo, de educação sexual gay a partir do primeiro grau, de sanções criminais contra a intolerância antigay, nem consigo me lembrar de tudo, e aí eu podia ficar com o cheque, que era de 20 mil dólares. Recusei aquilo, por questões de mérito, e mandei minha secretária devolver o troço. Em primeiro lugar, uma besteirada total, e em segundo, os meus eleitores da base, nossos irmãos e irmãs, não queriam nem saber de facilitar a vida para os homossexuais, fossem negros ou brancos. E quando esses grupos de direitos para os gays, que são todos de garotos brancos, claro, começam a tentar comparar a “luta” deles... é sempre “luta”... com a do nosso povo (negro)... quer dizer, ficam comparando um monte de rapazes brancos aos beijos e abraços uns com os outros com um povo se erguendo da escravidão... você começa a soltar fogo pelas ventas. De modo que calculei que tinha tomado a decisão certa. Devolvi a carta e o cheque com um bilhete cortês, agradecendo e recusando, e achei que a coisa ia ficar por isso mesmo. Aí, quatro dias depois, vejo uma manchete de primeira página num semanário chamado The Five Pointer. Sou denunciado como um oportunista homofóbo que não apoia nem os mais fundamentais direitos dos gays. Você pode dizer “Bom, mas e daí?” A tiragem do The Five Pointer é de 15 mil exemplares no máximo. É o que se chama de um jornal alternativo. Mas ele é muito popular entre os homossexuais brancos... e assim eu acabo de perder o voto gay, sem nem chegar a abrir a boca sobre o assunto.
– Cada carta daquela pilha propunha o mesmo acordo. “Se comprometa com a nossa luta e você pode ficar com o dinheiro.” Depois de uns dois meses, você já está começando a ficar no sufoco por dinheiro. Está começando a precisar dele do jeito que precisa de ar e comida. Essas campanhas devoram dinheiro, e a essa altura os comerciantes já estão espertos demais para venderem qualquer coisa a você a crédito. Você começa a pensar de novo em todos aqueles cheques que você recusou de forma tão altaneira. Você começa a imaginar se não poderia rever suas posições e encontrar espaço debaixo do seu guarda-chuva para algumas daquelas organizações de interesses especiais... que não são tão ruins assim... e seus cheques de 20 mil dólares... porque você já aprendeu uma lição elementar, que é: ninguém... ninguém... vence uma eleição municipal majoritária estritamente com base no próprio mérito do seu programa.”


“Que diabos acontecera com todos aqueles filhos dos ricos da geração de Wally, aqueles garotos bem-criados que iam para os internatos particulares? Aquelas malditas escolas estavam produzindo um novo tipo de rebento da elite: um garoto totalmente entediado do mundo à idade de dezesseis, cínico, fleumático e apático na presença de adultos, embora perfeitamente respeitoso e terrivelmente educado, um garoto sem talento para esportes, com aversão a caçar, pescar, montar cavalos ou lidar com animais de qualquer forma, um garoto com vergonha de seus privilégios, desesperado para escondê-los, ávido para usar bonés de beisebol ao contrário, calças esculhambadas e outros trapos de gueto, com horror de ser invejado, um garoto que encarava o mundo sem nenhum sinal visível da alegria de viver e sem... culhões...”


(refletindo sobre sua jovem segunda esposa) 
“Cristo... quem era aquela mulher? Como diabos ela entrara ali? Essas perguntas o deixaram espantado. Depois percebeu que elas vinham se formando na sua mente já há uns trinta meses, pelo menos, e ele só estava casado com ela há trinta e seis. Mas elas nunca haviam surgido na sua cabeça em palavras tão claras. Quem era ela? O que ela estava fazendo ali? E o mais terrível era que, depois que finalmente fizera as perguntas, ele sabia as respostas. Sexo e vaidade; era só isso; e talvez vaidade mais do que sexo. Martha, (sua ex-esposa,) envelhecera, era só isso... (...)
A vingança é minha, disse o Senhor, e irei cobrar. Ninguém avisava você disso, avisava!? Todos os peritos, todas as pessoas que escreviam livros e artigos quando falavam de casamento, estavam sempre falando do primeiro casamento, do casamento original. Mas àquela altura, calculou ele, já devia haver milhares de homens feito ele, empresários ricos que nos últimos dez ou quinze anos haviam se divorciado das esposas antigas e arranjado esposas novas, garotas uma geração inteira mais jovens. E o que os peritos tinham a dizer sobre aqueles piteuzinhos irresistíveis? Nada! E se um homem passar por tudo aquilo, a separação, o divórcio, aquela agonia toda, aquela luta, aquela despesa infernal, aquela... aquela... aquela culpa... e um dia, ou uma noite, ele acordar e se perguntar, Quem está aqui na cama comigo, Diacho? Por que ela está aqui? De onde ela veio? O que ela quer? Por que ela não vai embora. Isso eles não dizem a você.”


“E depois Charlie percebeu que havia quebrado uma de suas próprias regras cardeais, que era: ao lidar com subordinados e mulheres, nunca justifique, nunca explique, nunca recue.”


“Para um homem de sessenta anos, como Charlie Croker, um dos mais sinistros lembretes da aproximação da Parca é quando os seus médicos, as pessoas que vêm cuidando do seu corpo há décadas, começam a se aposentar... ou a morrer... ou as duas coisas.”


“– Você ficou nervoso, papai?
Charlie não conseguiu perceber se Wally estava realmente curioso ou simplesmente falando por falar. E naquele momento chegou a perceber que nunca chegara a conhecer o filho suficientemente bem para saber a diferença; e que jamais chegaria a conhecer, mas tudo bem; a gente faz o melhor que pode, só isso; e tanto faz.”


“A vida é feita de crueldade e intimidação.”


“– Ah, é. Bom... tá legal... o que o Epicteto tem a dizer da falência?... ou um filósofo não pode pensar numa coisa tão prosaica assim?
– Para o Epicteto isso não é prosaico demais, Sr. Croker. Num certo trecho ele diz “Vós ficais nervosos e sem conseguir dormir à noite com medo de ficar sem dinheiro. Dizeis ‘Como vou arranjar o suficiente, até para comer?’, No entanto, estais com medo mesmo não de morrer de fome, mas da perspectiva de não ter uma cozinheira, alguém para servir a mesa do jantar, alguém para cuidar das vossas roupas, dos vossos sapatos e da roupa suja, e fazer as camas e limpar a casa. Em outras palavras, vós estais com medo de não poder mais levar a vida de um inválido”. (...) Ele diz “para onde esse medo de perder vossas posses mundanas vos leva? Para a morte. Quando Ulisses naufragou com seu navio e foi dar à praia sem ter nada, isso não arrefeceu o seu ânimo. Enfrentou a enrascada na qual se enfrentava feito um leão criado na montanha, confiando na sua força. Não ficou dependendo sua reputação, dinheiro ou posição, mas da sua própria força. O que nos torna livres é o que está dentro de nós”. (...)
– Aonde é que ele quer chegar na realidade? Esse tal de Epicteto?
– Bom... eu não sou uma autoridade no assunto, Sr. Croker, mas o que ele está dizendo, me parece, é que a única posse real que temos são o nosso caráter e “projeto de vida”, como ele diz. Zeus deu a cada pessoa uma centelha da própria divindade, e ninguém pode tirar isso de nós, nem mesmo Zeus, e dessa centelha vem o nosso caráter. Todo o resto é temporário e sem valor a longo prazo, inclusive o nosso corpo. Sabe do que ele chama as nossas posses? “Ninharias”. Sabe do que ele chama o corpo humano? “Um vaso de barro com um quarto de sangue”. Se compreendermos isso, não vamos nos lamentar, nem nos queixar, ou culpar os outros pelos nossos problemas, não vamos sair por aí bajulando ninguém. Acho que é isso que ele está dizendo, Sr. Croker.
Charlie disse: – Ele falou sobre bajular as pessoas? (...)
– Sim, senhor – disse o rapaz – foi o que ele disse. “O bajulador se degrada e engana o objeto de suas lisonjas”. “Os cães mostram afeição um pelo outro”, diz ele, “mas se jogares um pedaço de carne entre eles, verás quanta amizade sobra ali.” (...) Epicteto diz que quando você se vende, se rebaixa ao nível de um animal, feito uma doninha ou uma raposa. Por alguma razão ele considerava a raposa o animal mais baixo de todos.
– Ele chega a dizer “se vender”?
– Praticamente – disse o rapaz. – Xô ver... – Folheou o livro. – Aqui está, no livro I, Capítulo 2. Ele diz “Acautela-te de uma coisa, ó homem. Vê bem qual é o preço pelo qual vendes tua vontade. Se nada mais fizerdes, não vende tua vontade barato”.
O velho disse: – Como ocê sabe se tá se vendeno barato demais ou não?
– Se você está se vendendo, já é barato demais – disse Conrad – ou pelo menos é assim que eu interpreto o que ele está dizendo, Sr. Croker, já que o verdadeiro estoico não aceita o meio-termo. Vender-se e aceitar meios-termos não fazem parte do seu caráter.”


“Ninguém pode progredir virado para ambos os lados.” (Epicteto)

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