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terça-feira, 30 de novembro de 2010

O fim do mundo – Otto Friedrich

Editora: Record
ISBN: 978-85-0105-486-9
Opinião★★★★☆
Páginas: 478


“Ao que parece, o surdo rugir de um terremoto deu o alerta à população de Santoríni. A ilha inteira foi sacudida. Em Acrotiri e outras cidadezinhas empoleiradas nas encostas da montanha, muros de pedra fenderam-se e desmoronaram. É possível que terremotos tenham se estendido por meses. E pode ser que os primeiros avisos não tenham sido suficientes. Há indícios, em Acrotiri, de que alguns dos fugitivos voltaram à cidade destruída e, durante algum tempo, tentaram reconstruí-la. E então, aproximadamente em 1500 a.C., os avisos foram amplamente confirmados. No que deve ter sido, provavelmente, a mais violenta explosão de toda a história humana, o vulcão inteiro de Santoríni entrou em erupção. Calcula-se que 83 quilômetros quadrados da ilha (uma área cerca de quatro vezes maior do que a destruída na célebre erupção de Krakatoa, em 1883) tenham-se desfeito, pura e simplesmente, num holocausto. A tempestade de lava e cinzas escureceu o céu por centenas de quilômetros – na verdade, ainda é possível encontrar escombros no leito marinho numa área de uns 300.000 quilômetros quadrados, quase a totalidade do leste Mediterrâneo. Depois disso, os destroços fumegantes do vulcão – todo o centro da ilha de Santoríni – afundaram sob as águas. E elas invadiram tudo e começaram a ferver e a soltar vapor. O cataclismo deu origem a uma onda gigantesca, de tamanho e violência quase inacreditáveis, que foi chocar-se contra o litoral de Creta. As estimativas de sua altura colossal vão de 60 a 90 metros, e é possível que ela tenha avançado a uma velocidade de mais de 160 quilômetros por hora. Quando terminou a chuva de cinzas e dejetos, Santoríni era uma ilha morta. Nada mais podia viver ali.”


“Ainda não compreendemos e aceitamos realmente os horrores tecnológicos da Segunda Guerra Mundial – o violento incêndio acidental causado pelo bombardeio de Hamburgo, que deixou o próprio ar em chamas e sufocou todos os que estavam a seu alcance, ou a efetiva detonação, em Hiroshima, de uma bomba tão terrível que os que foram poupados de morrer queimados puderam sentir o próprio rosto derretendo sob suas mãos –, mas, mesmo assim, somos repetidamente informados de que as armas usadas contra Hamburgo e Hiroshima foram simples brinquedos, comparadas ao que se tem hoje, pronto para ser disparado. Uma tonelada de TNT já é, por si só, uma força explosiva de horror quase inimaginável; um quiloton representa mil toneladas de TNT; a bomba de Hiroshima tinha vinte quilotons; um megaton representa um milhão de toneladas de TNT, cinquenta vezes o tamanho da bomba de Hiroshima, e as armas desse porte são consideradas pequenas e limitadas, se comparadas às de 25 megatons que já foram construídas (destaque-se que o livro foi escrito em 1982). O chamado tratado SALT (Strategic Arms Limitation Talks, ou Conferências sobre Limitação de Armas Estratégicas), que deveria limitar nossa capacidade de destruição, restringiu-nos a um total de 2.200 dessas armas em cada lado da vulnerável fronteira que costumávamos chamar de Cortina de Ferro.
Uma Terceira Guerra Mundial, travada com armas nucleares – uma guerra, como disse certa vez o primeiro-ministro soviético Nikita Kruschov, em que os vivos invejariam os mortos –, encheu uma geração inteira de um sentimento de pavor. No entanto, à medida que os anos vão passando, nossa ideia de um futuro apocalipse também assumiu outras formas. Uma delas é a possibilidade de uma catástrofe natural – uma nuvem sufocante de ar poluído, um terremoto sob uma usina atômica, o derretimento das calotas polares.”


“Enquanto Müntzer conclamava os camponeses à revolta, Martinho Lutero apelava aos príncipes para que acabassem com os camponeses: ‘Que todos os que têm essa possibilidade golpeiem, matem e esfaqueiem, em segredo ou abertamente’, escreveu num tratado intitulado Contra as hordas homicidas e ladras de camponeses, ‘lembrando que nada pode ser mais venenoso, nocivo ou demoníaco que um rebelde. É como quando se tem que matar um cão raivoso; se não o atacares, ele te atacará, e a terra inteira contigo.’ E mais: ‘Estes são tempos peculiares, tão peculiares que um príncipe que derrama o sangue merece muito mais o céu do que muitos homens que oram’.”


“O Estado Policial baseia-se na ideia de que a informação total pode tornar-se a base do controle total, tanto da elite quanto do populacho. Essa ideia viria a inspirar a Gestapo de Heinrich Himmler e a NKVD de Lavrenti Beria, mas sua realização completa só ocorreu no ficcional 1984, de George Orwell, no qual a Polícia do Pensamento do Ministério do Amor impunha a crença em seus três lemas: a guerra é paz, a liberdade é uma escravidão, a ignorância é força.”


“‘A vida no campo de concentração (...) ensinou-nos que o mundo inteiro, na verdade, assemelha-se a um campo de concentração’, escreveu Tadeusz Borowski. ‘Os fracos trabalham para os fortes e, quando não têm forças ou disposição para o trabalho, que roubem ou morram. (...) Não há crime que um homem não cometa para salvar a sua vida. E, depois de se salvar, ele comete crimes por motivos cada vez mais fúteis; primeiro comete-os por dever, depois por hábito e, no fim, por prazer. (...) O mundo não é governado pela justiça nem pela moral; o crime não é punido e a virtude não é premiada, sendo um e outro esquecidos com a mesma rapidez. O mundo é governado pelo poder (...)’.”

  

“(Na Segunda Guerra Mundial, o campo de concentração de) Birkenau tinha apenas algumas privadas. Pelo menos metade dos prisioneiros – e, com frequência, dois terços ou mais – sofria a miséria e a humilhação da diarreia crônica. À noite, o único conforto disponível era um punhado de baldes, repletos até à borda. E havia ratos por toda parte. Quando um prisioneiro morria durante a madrugada, segundo uma prisioneira chamada Judith Sternberg Newman, os ratos ‘chegavam ao cadáver antes de ele esfriar, e comiam a carne de tal maneira que ele ficava irreconhecível antes do amanhecer’.”

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Previsões: 30 grandes pensadores investigam o futuro – Sian Griffiths (org.)

Editora: Record
ISBN: 978-85-0106-106-5
Opinião★★★☆☆
Páginas: 464



“As histórias seguem o caminho que querem seguir”. (Chinua Achebe)


“‘Acho que seria aético fazer uma transferência genética de linhagem germinativa intencional nesta época porque não sabemos cientificamente o bastante para fazê-lo com segurança, não sabemos clinicamente o bastante para fazê-lo com eficácia e não sabemos eticamente o bastante para fazê-lo com sabedoria’, afirma W. French Anderson.
‘Estamos longe de satisfazer qualquer um daqueles critérios. Mas se você me perguntar, ‘acredita na terapia de linhagem germinativa’, a resposta será sim. Quando chegar a época, devemos fazê-la, porque é parte da natureza humana. Que pais estariam dispostos a transmitir genes letais para seus filhos se houver um meio seguro e eficaz de eliminá-los?’”.


“A propaganda está para a democracia o que a violência representa para o totalitarismo”. (Noam Chomsky)


“Richard Dawkins define a seleção natural como a ‘sobrevivência não aleatória de instruções genéticas aleatoriamente variáveis’. Em outras palavras, é um processo em dois estágios, o primeiro de produção de mutações aleatórias nos genes de cada nova geração; o segundo, o efeito não-aleatório do ambiente sobre cada gene individual, e como resultado alguns morrem e outros sobrevivem para transmitir suas mutações.
Assim, a vida é simplesmente um meio de reproduzir DNA”.


“O fanatismo de qualquer tipo, em qualquer questão, está determinado a competir por nossa atenção. H. L. Mencken certa vez observou que para qualquer pergunta difícil, há uma resposta simples – e ela está errada. Infelizmente, muitas pessoas aferram-se às respostas simples e erradas, e estão mesmo dispostas a morrer – e a matar – por elas.” (Daniel Dennet)


“Acho que estou descobrindo cada vez mais que a ferramenta básica do pensamento filosófico é o bom senso. Penso que é mais do que hora de o bom senso, tão fundamental para a história da filosofia, ser reintroduzido na cena. Aristóteles foi, sobretudo, um homem de extraordinário bom senso, assim como Aquino.” (Umberto Eco)


“Quando os primeiros dirigíveis apareceram, as pessoas pensaram que subsequentemente seguiriam uma progressão linear, um avanço para modelos mais refinados e mais velozes. Mas isso não aconteceu. Em vez disso, em certo ponto foi um desenvolvimento lateral. Depois que o Hindemburg evaporou em chamas em 1937 [matando 35 pessoas], as coisas começaram a se mover em uma direção diferente. Na época parecia mais lógico que você tivesse de ser mais leve que o ar para voar no céu – mas depois se percebeu que tinha de ser mais pesado que o ar para voar com mais eficiência.´
A moral da história é que, em filosofia e ciência, deve-se ter cuidado para não se apaixonar por seu próprio dirigível.” (Umberto Eco)


“Nas cartas de John Kenneth Galbraith a John Kennedy, ele se diverte com seu próprio ego. ‘Primeira Lei de Galbraith’, diz uma almofada bordada, abrigada na estante de sua sala de estar em Cambridge, Massachussets: ‘A modéstia é uma virtude muito superestimada’.”


“Os conservadores, por outro lado, usando ‘a chamada economia da oferta’, tem lutado para forjar a noção de que recompensar os ricos resultará em progresso social. ‘A doutrina básica de Reagan foi de que se você alimentasse o cavalo com bastante aveia, alguns grãos cairiam na estrada para os pardais’, observa com aspereza Galbraith.”


“Lyndon Johnson seria a fonte de uma das histórias favoritas de Galbraith. ‘Já pensou, Ken, que fazer um discurso sobre economia,’ perguntou-lhe o presidente, ‘é como mijar na própria perna? Parece quente para você, mas não é assim para ninguém mais’.”


“A diferença de renda deve ser reduzida, particularmente pela melhoria das condições daqueles que agora vivem em privação. Nada nega tanto o prazer da vida, e na verdade a própria liberdade, do que uma ausência total de dinheiro. Ou algo perto disso. Um país rico pode garantir uma renda para os destituídos. Se alguns não trabalham, que seja. Os ricos são também conhecidos ocasionalmente por preferirem o lazer.
No mundo há populações grandemente empobrecidas. Pessoas são assim: elas sofrem a dor da inanição, falta de abrigos e doenças, onde quer que estejam. Como seres humanos, devem ser objetos de nossa compaixão e de nosso auxílio, nossa atenção.
Devemos também agora reconhecer que o fim do colonialismo deixou alguns países sem nenhum governo, ou com governos cruéis, inegavelmente ruins ou incompetentes que se recusam a qualquer esperança de bem-estar. Nos anos a frente, deve haver um procedimento pelo qual uma ONU fortalecida suspenda a soberania de países cujos governos estejam destruindo seus povos. Não podemos, com a consciência tranquila, continuar a aceitar tal crueldade de décadas como foi experimentada, e ainda é, no Congo. E em outros lugares. E mais genericamente, deve haver disposição e ampla ajuda econômica dos países afortunados para os pobres.
Outros problemas devem ser resolvidos. O capitalismo ainda se presta à instabilidade que deriva dos erros inconsequentes como ocorre atualmente na Ásia, em sua forma nascente na Rússia, na América Latina e pode acontecer se houver um fim para a bolha de Wall Street nos Estados Unidos. Para sanar o problema socorremos financeiramente os banqueiros e industriais mais propensos à insanidade causativa. Isso significa restringir a ajuda àqueles que mais sofrem com o desastre. Assim é a oratória, o Fundo Monetário Internacional, que socorre os banqueiros e executivos de empresas responsáveis pela crise, exige restrições orçamentárias à custa dos trabalhadores e do povo. Devemos ter o FMI, mas de uma forma mais compassiva, mais socialmente equitativa. Aqui, desnecessário dizer, anseio por ver uma mudança (destaque-se que o artigo foi escrito em 1999).
Por fim, todos os economistas devem, como todos os cidadãos interessados, deixar de lados considerações triviais para pensar e agir de forma a dar um fim ao maior dos perigos. Isto é, o da devastação nuclear. A ocorrência mais profunda disso no último século foi o desenvolvimento de meios para destruir toda a vida do planeta. Este fim está agora plenamente disponível nas estocagens de armas nucleares, notavelmente as dos Estados Unidos e da Rússia. Isso aguarda apenas a autorização de algum político insano ou seus representantes militares. Já vivemos a ameaça. Nenhum economista pode se refugiar profissionalmente do perigo onipresente e esmagador da destruição nuclear. Ninguém pode.” (J. K. Galbraith)


“Daniel Goleman identifica cinco “domínios” principais de inteligência emocional: o primeiro é a “autoconsciência”, a capacidade de reconhecer suas próprias emoções, conhecer seus pontos fortes e fracos e criar um senso de valor pessoal. O segundo é a “autorregulação”, a capacidade de controlar suas emoções em vez de permitir que elas o controlem. A terceira é a “motivação”, a força de vontade necessária para alcançar suas metas e se erguer após uma queda. Enquanto essas primeiras três áreas dizem respeito às próprias emoções, as duas restantes, a “empatia” e as “habilidades sociais”, relacionam-se com as emoções de outras pessoas, a capacidade de reconhecê-las e de nutrir relacionamentos ou inspirar os outros.”


“O dilema humano, em minha opinião, gira em torno de um paradoxo de arquitetura neural: o cérebro evoluiu de uma forma que confere aos centros emocionais um poder imenso de ditar nossas reações. E assim mesmo as pessoas com a maior sofisticação e a mais moderna tecnologia podem reagir com um repertório emocional primitivo. Einstein apreendeu o dilema com propriedade quando disse: “A divisão do átomo mudou tudo, exceto o modo como o homem pensa, e assim derivamos em direção a uma catástrofe sem paralelo”.” (Daniel Goleman)


“Qualquer previsão sobre o futuro deve considerar a instabilidade incendiária gerada pela interação entre a mudança tecnológica e as estranhas formas de conduta humana, tanto individual quanto social. Como podem as contingências que modelaram nosso passado proporcionar algum insight significativo no próximo milênio? O passado não pode implicar futuros, porque um padrão inerente na estrutura dos materiais e leis naturais também rompem com frequência um desdobramento de sequências históricas que de outra forma seria previsível.
Qualquer sistema complexo deve ser construído lenta e sequencialmente, adotando um passo (ou alguns) de cada vez e constantemente sendo coordenado ao longo do caminho. Mas os mesmos sistemas complexos, uma vez estabelecidos, podem ser destruídos em uma minúscula fração do tempo de construção necessário – frequentemente em momentos verdadeiramente catastróficos. Um dia de incêndio destruiu um milênio de conhecimento na biblioteca de Alexandria e séculos de construção na cidade de Londres. O último blaauwbock da África do Sul e o último moa da Nova Zelândia pereceram em um rápido tiro ou explodiram por mãos humanas, mas levaram milhares de anos para evoluir.
A discordância entre o progresso tecnológico e o moral age como um fator desestabilizador. Nunca saberemos quando e como esses episódios de destruição ocorrerão, algumas vezes, purgando o antigo para criar um mundo melhor pela revolução, mas com mais frequência simplesmente ocasionando uma grande destruição e exigindo um verdadeiro renascer das cinzas de velhos sistemas de vida que frequentemente – de forma assombrosamente imprevisível – acompanham episódios de extinções em massa.” (Stephen Jay Gould)


“Todos, com exceção de um punhado de cientistas do clima, acreditam que o aquecimento global já está sobre nós, e que aos céticos já foi dado tempo demais. “Tem-se falado notavelmente pouco do fato de que cada mês de 1998 (o artigo foi escrito em 1999) foi o mais quente desde que registros confiáveis começaram a ser feitos. Junho de 1997 foi mais quente do que qualquer mês de junho em 125 anos, e esta quebra de recordes continuou ao longo de 1998 por 18 meses consecutivos. O que poderia convencê-los de que estamos experimentando um aquecimento global?, pergunta F. Sherwood Rowland. “Se você tirar cara-ou-coroa com uma moeda de ‘aquecimento versus resfriamento’, e der ‘aquecimento’ 18 vezes seguidas, começará a suspeitar de que talvez ambos os lados da moeda dizem ‘aquecimento’ e o acaso não existe mais”.”


“Como Amartya Sen assinalou (...) a publicação do importante livro de Darwin mudou o mundo intelectual irrevogavelmente, sem dúvida, mas ele alerta: “uma visão do mundo baseada na visão darwiniana do progresso pode também ser profundamente limitante, porque se concentra em nossas características em vez de em nossas vidas, e focaliza os próprios ajustes em vez de o mundo em que vivemos. Essas limitações são particularmente poderosas no mundo contemporâneo, dada a prevalência de privações remediáveis, como a pobreza, o desemprego, a destituição, a forme e as epidemias, bem como o declínio ambiental, espécies ameaças de extinção, brutalidade persistente a animais e as condições de vida geralmente miseráveis de grande parte da humanidade. Precisamos de Darwin, mas somente com moderação”.”


Nossas atitudes para com nossos companheiros humanos nas partes menos afortunadas do mundo precisam mudar. Enquanto as pessoas em qualquer lugar do mundo estão morrendo de fome ou de doenças facilmente tratáveis, gostaria de nos ver assumindo uma visão muito mais negativa daqueles que vivem no luxo, de forma extravagante, enquanto não contribuímos significativamente para ajudar os pobres. É ainda pior quando os estilos de vida luxuosos causam emissões de gases-estufa que mudam o clima de nosso planeta, com consequências desastrosas para os menos capazes de se opor a isso. Precisamos assumir a responsabilidade por todos os efeitos de nossos atos – e pelos efeitos de nossa indiferença também.” (Peter Singer)