Editora: Companhia das Letras
ISBN: 978-85-359-0862-6
Tradução: Marcos
Santarrita
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 648
Sinopse: Nosso
desconhecimento da China é tão vasto quanto as dimensões desse país, onde vive
nada menos que um quarto da humanidade. Neste livro, Jung Chang resgata a saga
de sua família, que reflete as turbulências da história chinesa recente. O
relato retrocede ao início do século XX, quando sua avó é oferecida como
concubina a um poderoso militar. Depois acompanha a história da mãe da autora,
que viveu a ocupação japonesa na Manchúria, o governo do Kuomintang, a queda de
Chang Kai-chek, a guerra civil e a vitória de Mao.
“Era política comunista não executar qualquer
um que depusesse as armas, e tratar bem os prisioneiros. Isso ajudava a
conquistar os soldados comuns, a maioria dos quais vinha de famílias
camponesas. Os comunistas não tinham campos de prisioneiros. Mantinham apenas
oficiais de média e alta patentes, e dispersavam o resto imediatamente.
Organizavam assembleias de “desabafo” entre os soldados, nas quais eles eram
encorajados a falar de suas duras vidas como camponeses sem terra. A revolução,
diziam os comunistas, era apenas para dar terras a eles. Ofereciam aos soldados
uma (sic) opção: ou iam para casa, caso em que recebiam a passagem, ou
podiam ficar com os comunistas e ajudar a varrer o Kuomintang, para que ninguém
voltasse a tomar suas terras. A maioria permanecia por vontade própria e
juntava-se ao exército comunista. Alguns, naturalmente, não podiam chegar às
suas casas com uma guerra em andamento. Mao aprendera com a guerra chinesa
antiga que a maneira mais eficaz de conquistar o povo era conquistar seus
corações e mentes. A política em relação aos prisioneiros revelou-se um enorme
sucesso. Particularmente depois de Jinzhou, um número cada vez maior de
soldados do Kuomintang simplesmente se deixava capturar. Mais de 1,75 milhão de
soldados do Kuomintang renderam-se e passaram-se para os comunistas durante a
guerra civil. No último ano, as baixas em combate representaram menos de vinte
por cento de todos os soldados que Kuomintang perdeu.
Um dos altos comandantes que foram presos
tinha consigo a sua filha, em adiantado estado de gravidez. Ele perguntou ao
oficial comandante comunista se podia ficar com ela em Junzhou. O oficial
comunista disse que não era conveniente um pai ajudar a filha a ter um bebê, e
que ia enviar uma “camarada” para ajudá-la. O oficial do Kuomintang achou que
ele só dizia aquilo para fazê-lo seguir. Mais tarde, soube que a filha fora
muito bem tratada, e a “camarada” na verdade era a esposa do oficial comunista.
A política em relação aos prisioneiros era uma complicada combinação de cálculo
político e consideração humanitária, e esse foi um dos fatores cruciais na
vitória dos comunistas. Seu objetivo não era apenas esmagar o exército
adversário, mas, se possível, provocar sua desintegração. O Kuomintang foi
derrotado tanto pela desmoralização quanto pelo poder de fogo.”
“Apesar dessas tragédias pessoais, ou talvez
em parte por causa do férreo controle, a China estava mais estável em 1956 do
que em qualquer época nesse século. Ocupação estrangeira, guerra civil, morte
devido à fome generalizada, bandidos, inflação – tudo parecia coisa do passado.
A estabilidade, sonho dos chineses, sustentava sua a fé de pessoas como minha
mãe em seus sofrimentos.”
“Mao teve de tramar muito para preservar seu
poder. Nisso, era um mestre supremo. Sua leitura favorita, que ele recomendava
a outros líderes do Partido, era uma coleção clássica de trinta volumes sobre
intrigas da corte chinesa. Na verdade, podia-se entender melhor o governo de
Mao em termos de uma corte medieval, na qual ele exercia um poder mágico sobre
seus cortesãos e súditos. Era também um mestre em “dividir para governar”, e em
manipular a tendência dos homens a lançarem outros aos lobos.”
“Mao, o imperador, enquadrava-se num dos
padrões da história chinesa: o líder de um levante camponês nacional que varre
uma dinastia e se torna um sábio novo imperador, exercendo autoridade absoluta.
E, num certo sentido, podia-se dizer que ele fizera jus a seu status de
deus-imperador. Foi o responsável pelo fim da guerra civil e
pela paz e estabilidade, coisas pelas quais os chineses tanto ansiaram – tanto
que diziam: “É melhor ser um cão na paz que um ser humano na guerra”. Foi sob
Mao que a China se tornou uma potência a ser levada em conta no mundo, e muitos
chineses deixaram de sentir-se envergonhados e humilhados por ser chineses, o
que significava muitíssimo para eles. Na verdade, Mao levou a China de volta
aos tempos do Reino do Meio, e, com a ajuda dos Estados Unidos, ao isolamento
do mundo. Ele possibilitou aos chineses voltar a sentir-se grandes e
superiores, cegando-os para o mundo externo. Apesar disso, o orgulho nacional
era tão importante para os chineses que grande parte da população era
genuinamente agradecida a Mao, e não achava ofensivo o seu culto da
personalidade, certamente não a princípio. A quase total falta de acesso às
informações e a sistemática desinformação significaram que a maioria dos
chineses não tinha como discriminar entre os sucessos e os fracassos de Mao, ou
de identificar o papel relativo dele e de outros líderes nas conquistas
comunistas.
O medo jamais esteve ausente na escala do
culto a Mao. Muitas pessoas haviam sido reduzidas a um estado em que não se
atreviam sequer a pensar, para que suas ideias não se externassem
involuntariamente. Mesmo que alimentassem ideias heterodoxas, poucos falavam
delas aos filhos, pois eles podiam deixar escapar alguma coisa para outras
crianças, o que traria a tragédia tanto para si mesmas quanto para os pais. Nos
anos da campanha de Lei Feng, martelou-se nas crianças que nossa primeira e
única lealdade devia ser para com Mao. Uma música popular dizia: “Papai está
perto, mamãe está perto, mas ninguém está tão perto quanto o presidente Mao”.
Éramos condicionados para pensar que qualquer um, incluindo nossos pais, que
não fosse totalmente pró-Mao, era nosso inimigo. Muitos pais encorajavam os
filhos a tornarem-se adultos conformistas, pois isso seria mais seguro para o
futuro deles.”
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirUm livro de uma dondoca escrito para outras dondocas
ResponderExcluirAs partes deste livro que mostram as peculiaridades culturais dos múltiplos povos que compõem a China foram interessantes. Também teve relevo a exposição da desastrosa “Revolução cultural”, porém, a extrema piedade com que a autora se retrata o tempo todo incomoda demasiadamente. Por exemplo, ela conta com extrema comiseração de si mesma quando teve de pegar um trem muito lotado (fato cotidiano para boa parte do povo brasileiro), quando teve de se agachar (!) porque os soldados lutavam desesperadamente no barco em que ela estava etc. Cito algumas das inúmeras, inúmeras partes em que a imensa pena de si mesma reverbera:
“Os dois oficiais trouxeram-nos sacos de grandes maçãs maduras, raramente vistas em Chengdu, e punhados de confeitos de castanha, de que todas tínhamos ouvido falar como uma grande especialidade de Pequim. Para retribuir a bondade, fomos ao quarto deles e pegamos suas roupas sujas e as lavamos com grande entusiasmo. Lembro-me de que tive de lutar com os grandes uniformes cáqui, extremamente pesados e duros na água gelada.”
“Nossos oficiais da Força Aérea nos davam ordem-unida sem parar, nas quadras de basquete da Escola de teatro, todo dia. Ao lado das quadras ficava a cantina. Eu lançava olhares furtivos para lá assim que formávamos nas quadras, mesmo tendo acabado de tomar o café-da-manhã. Vivia obcecada por comida, embora não soubesse se isso se devia à ausência de carne, ao frio ou ao tédio da ordem-unida. Sonhava com a variedade da cozinha de Sichuan, pato novo pururuca, peixe agridoce, “frango bêbedo” e dezenas de outros suculentos pitéus.”
“Deram à minha família alguns aposentos no alto de uma casa de três andares, que tinha sido a redação de uma revista agora defunta. Não havia água encanada nem banheiro no último andar. Nós tínhamos de descer até mesmo para escovar os dentes, ou para jogar fora os restos de uma xícara de chá. Mas eu não ligava, porque a casa era muito elegante e eu vivia sedenta de coisas bonitas.”
Isso quando o texto não é incoerente por si próprio:
“Como havia pouca variação de indivíduo para indivíduo do mesmo sexo em termos de pontos diários, o número de pontos de trabalho acumulados dependia sobretudo de quantos dias alguém trabalhava, mais do que como trabalhava. Isso era um constante motivo de ressentimento entre os aldeões – além de ser um grande desestímulo à eficiência. Todo dia, os camponeses torciam os olhos para ver como os outros estavam trabalhando, para não serem explorados. Ninguém queria dar mais duro que os outros que ganhavam o mesmo número de pontos no trabalho. (...)
Eu não era muito popular na aldeia, embora os camponeses quase sempre me deixassem em paz. Desaprovavam-me por não trabalhar tanto quanto achavam que eu devia. O trabalho era toda a vida deles, e um critério importante pelo qual julgavam qualquer um. O olho deles para o trabalho aplicado era ao mesmo tempo intratável e justo, e era claro para eles que eu detestava o trabalho físico e aproveitava toda oportunidade de ficar em casa e ler meus livros.”
(continua no próximo comentário)
(continuando)
ResponderExcluirCerta vez li uma frase que dizia a história de cada ser humano daria para escrever uma Bíblia. Parece que a autora comprou a ideia. A todo momento fica lambendo a própria ferida, a todo momento se retrata com uma cansativa autoindulgência, desconsiderando o que está ao redor e que a vida da imensa maioria das pessoas é dura e árdua.
Por exemplo, ela destaca como se fosse uma heroína a troca de tiros que presenciou. Claro que seria um momento difícil na vida de qualquer um. Porém, ela não consegue observar que situação mais difícil que a dela era a dos soldados que estavam efetivamente trocando tiros!
Ou, quando descreve a lembrança de décadas (!) por lavar uns uniformes com uma água que estava gelada (como ela sobreviveu a tanto!). Pode-se perguntar: como se sujou esse uniforme? Em atividade mais ou menos penosa do que ela fazia quando o lavava?
É evidente que tal tipo de questionamento nem passa pela cabeça da patricinha.
Ademais, claro, a propaganda anticomunista é massiva. Apenas para se dar uma mísera informação: quando Mao Tsé Tung e o partido comunista ascenderam ao poder na China, 850 milhões de chineses passavam fome diuturnamente. Hoje, a extrema pobreza foi eliminada da China, um dos maiores feitos da história da humanidade.
É claro que este tipo de informação você não encontrará no livro.
Em resumo, nem quero me ater ao discurso reacionário e eivado de inconsistências, nem é o que mais incomoda.
O pior é o fato de ser um livro escrito por uma dondoca para que outras dondocas possam lê-lo. Desaconselho decididamente a obra.