Editora:
Companhia de Bolso
ISBN: 978-85-3591-067-4
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 272
Sinopse: Que
segredos pode conter a caixa preta de um avião que caiu? Revelações sobre as
razões da queda, gritos de horror, pânico, tentativas desesperadas de salvação:
vestígios da catástrofe. O romance do israelense Amós Oz tem tudo isso, mas a
caixa preta a que se refere o título não pertence a um avião, e sim a uma
relação amorosa desfeita.
Anos depois do divórcio escandaloso, a esposa rejeitada
Ilana emerge das cinzas do tempo, da distância e do rancor para passar a limpo
seu casamento com Alex Guideon, professor e escritor mundialmente famoso. Com
dinheiro, Alex tenta silenciar o passado que sangra. Mas as coisas mudaram.
Entre ele e a ex-mulher, agora há também Boaz, filho dos dois, explodindo de
juventude e violência, e Michel Sommo, o novo marido de Ilana, burocrata
medíocre e fanático religioso. Todas essas vozes, com suas melodias diversas,
matizadas às vezes pelos tons mais sombrios da sexualidade (ninfomania,
sadomasoquismo, voyeurismo), são brilhantemente orquestradas pelo autor, que
aqui se vale da clássica forma do romance epistolar. As várias primeiras
pessoas revelam-se por si mesmas, em secos telegramas, bilhetes mal escritos ou
longas cartas.
Ao mesmo tempo, por trás de paixões pessoais tão intensas
que beiram a loucura, desenha-se com precisão o complexo panorama social,
religioso e político da vida em Israel nos últimos anos. Fortemente erótico,
mas também engraçado e poético, A caixa preta só revela aos
poucos sua sabedoria mais funda e amarga: somente a proximidade da morte e a
consciência da finitude do corpo podem apaziguar as paixões. Aquilo que parecia
apenas uma enlameada rede de intrigas, por meio da solidariedade que lentamente
une essas personagens desgraçadas, reveste o livro de uma terrível dignidade.
Além de ser inesquecível, este romance conquista algo raro – grandeza humana.
“Quando a batalha está no auge, não há mais
sentido nas regras iniciais. Em todo caso, o inimigo não conhece as regras e
não age de acordo com elas”.
“Seu silêncio é transparente para mim, como
as lágrimas.”
“As coisas primordiais das quais você foi
banido para sempre, exilado nas estepes da escuridão pelas quais você vaga
uivando para uma lua morta, perambulando entre a brancura, procurando nos
confins da tundra alguma coisa perdida há muito tempo, mesmo que você já tenha
esquecido o que perdeu e quando e por que a perdeu: “A sua vida é a sua prisão,
enquanto a sua morte aparece como uma perspectiva de ressurreição paradoxal,
como uma promessa de maravilhosa redenção do seu vale de lágrimas”. A citação é
tirada do seu livro. O lobo uivando na escuridão para a lua na estepe é a minha
contribuição.”
“O diabo infiltra-se em tudo.”
“Por acaso a senhora sabe onde fica a cidade
de Simferopol? Houve uma batalha terrível lá. Rapazes foram mortos como moscas.
E quem não foi morto perdeu Deus.”
“Uma vez eu também amei uma mulher. Cheguei a
obrigá-la a se casar comigo. Embora ela não sentisse desejo por mim. Talvez ela
desejasse um poeta? Quanto a mim – como direi? –, do umbigo para cima estava
apaixonado, fazendo serenatas, oferecendo lenços e flores, mas do umbigo para
baixo, porco da terra de porcos. Levantando saias a torto e a direito pelos
campos. E ela, minha bem-amada, minha esposa, ficava o dia todo sentada na
janela. Ela cantava uma musiquinha: ‘Lá onde os cedros crescem...’. Por acaso
você conhece a música? Permita que eu cante em sua homenagem: ‘Lá onde os cedros
crescem...’. Tome cuidado com músicas assim. Foi o anjo da morte que as compôs.
E ela, com a intenção de me castigar, morreu. Para me contrariar. Ela me deixou
e foi para Deus. Ela não sabia que Ele também é um porco. Ela se deu mal.”
“Os judeus construíram um país. Não é um país
correto, mas construíram! Sem Deus – mas construíram! Agora vamos esperar e ver
o que Deus diz disso.”
“‘Amarás o próximo como a ti mesmo’ – mas se
o ódio por si próprio já o tiver devorado, esta ordem carrega-se de uma ironia
mortal.”
“Eu também saí para andar pelas ruas. Subi a
colina para ver o pôr-do-sol e fazer perguntas proibidas. A única resposta que
recebi foi o sussurro das árvores. Talvez fosse tudo um engano? Talvez o Jardim
do Éden, o Dilúvio, o Monte Moriá e a Sarça Ardente nunca tenham existido,
foram apenas uma mera alegoria? Talvez os grandes estudiosos tenham errado nas
suas identificações, e a antiga Jerusalém não é aqui, a Terra de Israel
bíblica, mas em algum lugar totalmente diferente? Para além das colinas de
trevas? Não poderia ter ocorrido um erro assim? Os cientistas não erram? Talvez
seja por isto que D’us não existe neste lugar?”
“Durante nove anos lutei contra Maquiavel,
desmontei Hobbes e Locke, desfiz todas as costuras de Marx, ardendo com o
desejo de provar de uma vez por todas que não são o egoísmo, nem a baixeza ou a
crueldade da nossa natureza que nos transformam numa espécie que destrói a si
própria. Nós aniquilamos a nós próprios (e breve exterminaremos todos os da
nossa espécie) justamente devido aos nossos “anseios superiores”, devido à
doença religiosa. Por causa da necessidade ardente de “ser redimido”. Devido à
obsessão pela “redenção”. O que é a obsessão pela redenção? Apenas uma máscara
que esconde a ausência absoluta de talento básico para a vida. É o talento que
todo gato possui. Quanto a nós, como as baleias que se atiram contra a praia
num impulso coletivo, sofremos de uma avançada degeneração do talento para a
vida. Daí a vontade popular de destruir e exterminar o que temos, para abrir
caminho até regiões de redenção que jamais existiram e não são sequer possíveis.”
“Eu serei deixada sozinha para velar os
tormentos da morte.”
“Diga em suas orações, Michel, que a solidão,
o desejo e a saudade são mais do que conseguimos suportar. E sem eles,
perecemos. Diga que tentamos receber e dar amor, mas nos perdemos no caminho.
Diga que não nos esqueçam e que continuamos a cintilar na escuridão. Tente
esclarecer como podemos sair. E onde fica aquela terra prometida.
Ou não. Não reze.”
Olá Doney,
ResponderExcluirAmei ler A Caixa Preta! O enredo é envolvente, prendeu-me do princípio ao fim.
Você atribuiu conceito Bom, eu daria Muito Bom.
Abrç
Conceição