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sexta-feira, 19 de outubro de 2007

A Caixa-preta - Amós Oz

Editora: Companhia de Bolso
ISBN: 978-85-3591-067-4
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 272
Sinopse: Que segredos pode conter a caixa preta de um avião que caiu? Revelações sobre as razões da queda, gritos de horror, pânico, tentativas desesperadas de salvação: vestígios da catástrofe. O romance do israelense Amós Oz tem tudo isso, mas a caixa preta a que se refere o título não pertence a um avião, e sim a uma relação amorosa desfeita.
Anos depois do divórcio escandaloso, a esposa rejeitada Ilana emerge das cinzas do tempo, da distância e do rancor para passar a limpo seu casamento com Alex Guideon, professor e escritor mundialmente famoso. Com dinheiro, Alex tenta silenciar o passado que sangra. Mas as coisas mudaram. Entre ele e a ex-mulher, agora há também Boaz, filho dos dois, explodindo de juventude e violência, e Michel Sommo, o novo marido de Ilana, burocrata medíocre e fanático religioso. Todas essas vozes, com suas melodias diversas, matizadas às vezes pelos tons mais sombrios da sexualidade (ninfomania, sadomasoquismo, voyeurismo), são brilhantemente orquestradas pelo autor, que aqui se vale da clássica forma do romance epistolar. As várias primeiras pessoas revelam-se por si mesmas, em secos telegramas, bilhetes mal escritos ou longas cartas.
Ao mesmo tempo, por trás de paixões pessoais tão intensas que beiram a loucura, desenha-se com precisão o complexo panorama social, religioso e político da vida em Israel nos últimos anos. Fortemente erótico, mas também engraçado e poético, A caixa preta só revela aos poucos sua sabedoria mais funda e amarga: somente a proximidade da morte e a consciência da finitude do corpo podem apaziguar as paixões. Aquilo que parecia apenas uma enlameada rede de intrigas, por meio da solidariedade que lentamente une essas personagens desgraçadas, reveste o livro de uma terrível dignidade. Além de ser inesquecível, este romance conquista algo raro – grandeza humana.



“Quando a batalha está no auge, não há mais sentido nas regras iniciais. Em todo caso, o inimigo não conhece as regras e não age de acordo com elas”.


“Seu silêncio é transparente para mim, como as lágrimas.”


“As coisas primordiais das quais você foi banido para sempre, exilado nas estepes da escuridão pelas quais você vaga uivando para uma lua morta, perambulando entre a brancura, procurando nos confins da tundra alguma coisa perdida há muito tempo, mesmo que você já tenha esquecido o que perdeu e quando e por que a perdeu: “A sua vida é a sua prisão, enquanto a sua morte aparece como uma perspectiva de ressurreição paradoxal, como uma promessa de maravilhosa redenção do seu vale de lágrimas”. A citação é tirada do seu livro. O lobo uivando na escuridão para a lua na estepe é a minha contribuição.”


“O diabo infiltra-se em tudo.”


“Por acaso a senhora sabe onde fica a cidade de Simferopol? Houve uma batalha terrível lá. Rapazes foram mortos como moscas. E quem não foi morto perdeu Deus.”


“Uma vez eu também amei uma mulher. Cheguei a obrigá-la a se casar comigo. Embora ela não sentisse desejo por mim. Talvez ela desejasse um poeta? Quanto a mim – como direi? –, do umbigo para cima estava apaixonado, fazendo serenatas, oferecendo lenços e flores, mas do umbigo para baixo, porco da terra de porcos. Levantando saias a torto e a direito pelos campos. E ela, minha bem-amada, minha esposa, ficava o dia todo sentada na janela. Ela cantava uma musiquinha: ‘Lá onde os cedros crescem...’. Por acaso você conhece a música? Permita que eu cante em sua homenagem: ‘Lá onde os cedros crescem...’. Tome cuidado com músicas assim. Foi o anjo da morte que as compôs. E ela, com a intenção de me castigar, morreu. Para me contrariar. Ela me deixou e foi para Deus. Ela não sabia que Ele também é um porco. Ela se deu mal.”


“Os judeus construíram um país. Não é um país correto, mas construíram! Sem Deus – mas construíram! Agora vamos esperar e ver o que Deus diz disso.”


“‘Amarás o próximo como a ti mesmo’ – mas se o ódio por si próprio já o tiver devorado, esta ordem carrega-se de uma ironia mortal.”


“Eu também saí para andar pelas ruas. Subi a colina para ver o pôr-do-sol e fazer perguntas proibidas. A única resposta que recebi foi o sussurro das árvores. Talvez fosse tudo um engano? Talvez o Jardim do Éden, o Dilúvio, o Monte Moriá e a Sarça Ardente nunca tenham existido, foram apenas uma mera alegoria? Talvez os grandes estudiosos tenham errado nas suas identificações, e a antiga Jerusalém não é aqui, a Terra de Israel bíblica, mas em algum lugar totalmente diferente? Para além das colinas de trevas? Não poderia ter ocorrido um erro assim? Os cientistas não erram? Talvez seja por isto que D’us não existe neste lugar?”


“Durante nove anos lutei contra Maquiavel, desmontei Hobbes e Locke, desfiz todas as costuras de Marx, ardendo com o desejo de provar de uma vez por todas que não são o egoísmo, nem a baixeza ou a crueldade da nossa natureza que nos transformam numa espécie que destrói a si própria. Nós aniquilamos a nós próprios (e breve exterminaremos todos os da nossa espécie) justamente devido aos nossos “anseios superiores”, devido à doença religiosa. Por causa da necessidade ardente de “ser redimido”. Devido à obsessão pela “redenção”. O que é a obsessão pela redenção? Apenas uma máscara que esconde a ausência absoluta de talento básico para a vida. É o talento que todo gato possui. Quanto a nós, como as baleias que se atiram contra a praia num impulso coletivo, sofremos de uma avançada degeneração do talento para a vida. Daí a vontade popular de destruir e exterminar o que temos, para abrir caminho até regiões de redenção que jamais existiram e não são sequer possíveis.”


“Eu serei deixada sozinha para velar os tormentos da morte.”


“Diga em suas orações, Michel, que a solidão, o desejo e a saudade são mais do que conseguimos suportar. E sem eles, perecemos. Diga que tentamos receber e dar amor, mas nos perdemos no caminho. Diga que não nos esqueçam e que continuamos a cintilar na escuridão. Tente esclarecer como podemos sair. E onde fica aquela terra prometida.
Ou não. Não reze.”

Um comentário:

  1. Olá Doney,

    Amei ler A Caixa Preta! O enredo é envolvente, prendeu-me do princípio ao fim.

    Você atribuiu conceito Bom, eu daria Muito Bom.

    Abrç

    Conceição

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