Editora: Caros Amigos
ISBN:
978-85-86821-83-7
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 390
Sinopse: O livro descreve
em detalhes as várias fases daquele governo de exceção, a partir da noite de 31
de março de 1964, até a entrega da faixa presidencial a José Sarney, em 15 de
março de 1985, após tumultuado processo que culminaria com a volta do Estado de
direito.
“Ao
contrário do que, honesta e sinceramente, acreditaram muitos dos que
participaram ativa ou passivamente do golpe de 64, este correspondeu para as
Forças Armadas não ao restabelecimento da hierarquia e da disciplina, ao
contrário, ao agravamento de sua subversão.”
(Nelson Werneck Sodré – em “A história militar do Brasil”)
“Por ordem
minha, não começa uma guerra civil no Brasil”.
(João Goulart, ao negar a
oficiais da aeronáutica, fieis a ele, a autorização que pediam para bombardear
as tropas de Mourão Filho que avançavam de Minas Para o Rio)
“Os
professores, intelectuais, atores e jornalistas foram os primeiros a sofrer.
Porque as ditaduras, a primeira coisa que golpeiam, é a cultura.”
Truculência e besteirol
Na invasão
da Universidade de Brasília, militares confiscaram como indícios de subversão
comunista: O vermelho e o negro,
romance do escritor francês Stendhal (1783-1842); e, maior prova de comunização
apresentada à imprensa, uma bandeira da China que encontraram hasteada na
faculdade de educação – só que a bandeira era do Japão, em homenagem a crianças
japonesas que ali expunham gravuras. (...)
O golpe
sai vencedor, autoridades organizam em Porto Alegre uma exposição com material
dito subversivo, apreendido em casas de esquerdistas e militantes em geral. Lá
está um livro bem antigo, e ao lado a legenda: “livro subversivo em chinês”.
Era uma bíblia, em hebraico.
“Os
jornalões não continham a euforia e se derramavam em bajulação aos militares. É
impressionante como transformavam a ilegalidade em legalidade. Alguns exemplos:
“Feliz a
nação que pode contar com corporações militares de tão altos índices cívicos”.
(O Estado de Minas, dia 5)
“A
Revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista”. (O Globo, dia 5)
Pontes de
Miranda diz que Forças Armadas violaram a constituição para poder salvá-la!” (Jornal do Brasil, dia 6)”
“A
hostilidade empresarial contra João Goulart aumentou em setembro de 1962,
quando o congresso brasileiro aprovou a Lei de Remessa de Lucros, que Goulart
sancionaria em janeiro de 1964. A nova lei restringia a remessa de lucros para
o exterior a 10% do capital registrado.
A
aproximação das eleições brasileiras, em outubro de 1962, elevou a participação
norte-americana em nossos assuntos internos. O Instituto Brasileiro de Ação
Democrática, Ibad, despejou milhões de dólares nos bolsos dos conservadores.
Segundo Philip Agee, ex-agente da CIA, os fundos estrangeiros regaram as campanhas
de oito candidatos aos governos dos onze estados onde houve eleições, quinze
candidatos ao Senado, 250 candidatos à Câmara e mais de quinhentos candidatos
às Assembleias Legislativas.
O
resultado não compensou. A bancada “da esquerda” aumentou. E a enxurrada de
dólares originou Comissão Parlamentar de Inquérito. Descobriu-se que o dinheiro
entrava pelo Royal Bank of Canada, Bank of Boston e First National City Bank; e
que empresas como Shell, Coca-Cola, IBM e Texaco colaboraram.
Os planos
para derrubar Goulart ganharam velocidade. Vernon Walters falava com militares.
Lincoln Gordon estabelecia linha direta entre, de um lado, as agências
financeiras e o governo dos Estados Unidos e, de outro lado, os governos
estaduais de oposição. Gordon considerava como “ilhas de sanidade
administrativa” as atuações de governadores como Carlos Lacerda (Guanabara) e
Adhemar de Barros (São Paulo). O dinheiro de empréstimos negados a Goulart
chegava aos cofres de seus adversários.
O
assassinato de Kennedy em 1963 e a ascensão de Lyndon Johnson empurraram a
diplomacia norte-americana para um velho estilo, mais truculento, em relação à
América Latina. A política do novo secretário-assistente para Negócios
Interamericanos, Thomas Mann, a Doutrina Mann, foi expressa num artigo do New York Times no início de março de
1964:
“Os
Estados Unidos não mais procurariam punir as juntas militares por derrubarem
regimes democráticos.”
Em trágica
sequência, os governos eleitos democraticamente foram caindo e dando lugar a
ditaduras militares de extrema-direita.”
“A revista
Pif Paf durou pouco. Na oitava
edição, a contracapa continha a “advertência”:
“Quem avisa, amigo é: se o governo continuar
deixando que certos jornalistas falem em eleições; se o governo continuar
deixando que determinados jornais façam restrição à sua política financeira; se
o governo continuar deixando que alguns políticos teimem em manter suas
candidaturas; se o governo continuar deixando que algumas pessoas pensem por
sua própria cabeça; e, sobretudo, se o governo continuar deixando que circule
esta revista, com toda sua irreverência e crítica, dentro em breve estaremos
caindo numa democracia”.
Os
militares apreenderam a tiragem. A revista acabou.”
POVO, NÃO: POPULAÇÃO
Na Folha, logo na primeira semana após a
vitória dos golpistas, passamos a grafar “golpe de 1º de abril”. Logo o editor
de política, Francisco de Célio César, o França, nos repassou a ordem superior
para grafar “Revolução Democrática de 31 de Março”, mas podíamos abreviar para
“Revolução de 31 de Março”.
Com o
tempo, outros termos entrariam no índex. Nada de camponês: agricultor. Nada de
povo: população. Não havia dúvidas sobre qual era o ator principal que vieram
tirar de cena. (Mylton Severiano)
E Jango estava bem no Ibope
A pedido
da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, o Ibope realizou pesquisa,
durante os últimos dez dias antes do golpe, na maior cidade do país – aquela
que, segundo os golpistas, saiu às ruas em peso para apoiar a deposição de
Jango. Os índices colhidos entre 20 e 30 de março de 1964 mostravam, ao
contrário, significativo apoio dos paulistanos ao governo.
Mais de
80% dos quinhentos eleitores entrevistados sabia dos decretos de Jango:
encampação das refinarias de petróleo; desapropriação de terras às margens de
açudes, ferrovias e rodovias federais; e tabelamento de alugueis – medidas
aprovadas por 64%.
No dia 26
de março, o Ibope concluiu outra pesquisa: metade dos eleitores de oito
capitais votariam em Jango à reeleição. Não há notícia de que tais pesquisas
tenham sido publicadas na época.
“Anistia é
um ato pelo qual o governo resolve perdoar generosamente as injustiças e crimes
que ele mesmo cometeu.” (Barão de Itararé)
“A
ascensão das massas, as greves, as reivindicações, a politização das classes
populares, tudo quanto faz parte de um processo democrático estava sob o crivo
dos militares de direita, dos conservadores, da imprensa grande a serviço das
forças do atraso. Não estavam gostando nada daquilo que para um democrata é
natural e para eles não passava de desordem.”
“A
verdadeira força dos governos não está em exércitos ou armadas, mas na crença
do povo de que eles são claros, francos, verdadeiros e legais. Governo que se
afasta desse poder não é governo – mas uma quadrilha no poder.” (Trecho da peça
Liberdade, Liberdade, que veio a ser
proibida)
“Linha-dura é pessoa rude, estúpida, curta de
inteligência, teimosa (...). Agora,
nosso pessoal radical de direita não tinha ideologia nenhuma. Queria
simplesmente ser contra.”
(General Moraes Rego, que
após o golpe, como tenente-coronel, serviu no gabinete militar de Castelo
Branco)
“Com leis
draconianas, intimidando e cassando, impedindo o voto popular, baixando sua
própria constituição, o regime se fixa e inventa um novo sinônimo para
ditadura: “estado de exceção”.”
“O AI-1,
editado em 9 de abril de 1964, estipulava o prazo de 60 dias, isto é, 9 de
junho, como limite para cassar mandatos e suspender por dez anos os direitos
políticos de quem pudesse atrapalhar o governo militar. Obviamente, os
primeiros cassados foram Jango, Brizola, Jânio Quadros, Luiz Carlos Prestes e
Juscelino – este, por ser forte candidato a eleição presidencial, em 1965,
embora tivesse dado importante apoio à indicação de Castelo.
Rolaram as
cabeças de dois governadores, Arraes, de Pernambuco, e Seixas Dória, de Sergipe
(curiosamente, eleito pela UDN, União Democrática Nacional, de direita); mais
50 deputados, a maioria do PTB (nenhum da UDN). O expurgo atingiu 49 juízes,
cerca de 1.400 civis e 1.200 militares.”
Abaixo a inteligência!
Expulsaram os maiores crânios do país
Era ou não era uma era de obscurantismo?
Cientistas
de renome internacional são cassados, humilhados, presos. O que fizeram com o
físico nuclear Mário Schenberg dá ideia. Schenberg (1914-1990) tinha, entre
seus feitos, importantes contribuições para a astrofísica. Pois bem. Em 1964,
antes de levá-lo preso, de pijama, o delegado depredou seus livros e objetos de
arte. Seria depois aposentado compulsoriamente e proibido de entrar no campus
da Universidade de São Paulo – um cientista mundialmente respeitado.
Expulsaram
do país: Leile Lopes, consolidador da física teórica no Brasil; Jayme Tiommo,
outro importante pesquisador da física; Warwick Kerr, maior especialista do
mundo em genética de abelhas; Roberto Salmeron, dos primeiros a estudar raios
cósmicos no Brasil; Luís Hildebrando Pereira da Silva, autoridade internacional
em malária; Josué de Castro, médico, geógrafo, um lutador contra a fome,
traduzido em 25 línguas e duas vezes indicado para o Nobel da Paz; Celso
Furtado, estudioso do subdesenvolvimento, economista brasileiro mais
conceituado no exterior; Paulo Freire, educador traduzido em 28 línguas,
homenageado com estátua em Estocolmo, capital da Suécia. (...)
Na década
de 60, Manguinhos, agora Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz, defende a criação de
um Ministério da Ciência para fortalecer a pesquisa. Mas chega a ditadura militar
e interfere no instituto já em 1964, nomeando diretor o médico Rocha Lagoa, que
seria seu carrasco em 1973, no episódio batizado de Massacre de Manguinhos pelo
professor Herman Lent, uma de suas vítimas e grande pesquisador da doença de
chagas. Ministro da Saúde de Médici, Rocha Lagoa cassou os direitos políticos
dos dez principais pesquisadores da Fiocruz, com base no Ato Institucional 5,
AI-5, alegando que exerciam atividades “de cunho comunista”. A perseguição
redobra com o AI-10, que praticamente os proíbe de trabalhar no Brasil. (...)
A produção
científica no Brasil sofre perdas inestimáveis. Manguinhos era instituição de
excelência e referência em tecnologia para o Brasil todo, inclusive para
instituições não voltadas para o campo da saúde. O esvaziamento não se
restringe aos cassados:
“Estende-se
a todos os estagiários que saíram junto, e cerca de 150 novos pesquisadores que
poderiam ter sido formados. O massacre não foi só de pessoas, mas do conjunto
da atividade científica da instituição”, diz Paulo Gadelha, pesquisador da
história do Massacre de Manguinhos.
Castelo: é mesmo um terror
Até o
chefe do golpe de Estado e primeiro presidente do regime militar, general
Castelo Branco, ficou irritado com o “IPM da feijoada”. Escreveu ao general
Ernesto Geisel, chefe da Casa Militar, uma carta que entre outras críticas
dizia:
“Por que a
prisão do Ênio (Silveira, dono da editora Civilização Brasileira, do Rio de
Janeiro, que lançava livros de esquerda)? Só para depor? A repercussão é
contrária a nós, em grande escala. O resultado está sendo absolutamente
negativo. (...) Há como que uma preocupação de mostrar ‘que se pode prender’.
Isso nos rebaixa. (...) Apreensão de livros. Nunca se fez isso no Brasil. Só de
alguns (alguns!) livros imorais. Os resultados são os piores possíveis contra
nós. É mesmo um terror cultural.”
Até então
a polícia federal havia apreendido cerca de 17.000 volumes de 35 obras
consideradas subversivas. Ênio Silveira ainda seria preso por duas vezes, uma
delas incomunicável por 29 dias.
O prende e solta
Estima-se
que a Força Pública (depois PM), a Polícia Civil e os militares das três armas
prenderam cerca de 50.000 pessoas em todo o país, nos primeiros meses após a
queda de Jango.
O governo
militar agia à margem do sistema legal. Como recurso de intimidação, seus
agentes faziam detenções temporárias, muitas vezes com espancamentos ou
tratamento violento durante algumas horas e, antes que pedidos de habeas corpus fossem apresentados,
liberavam os presos. Passado algum tempo, repetia-se tudo outra vez.
Caíram em cima dos estudantes e trabalhadores
Segundo a
estudiosa norte-americana Martha Huggins, “o
objetivo final da ‘limpeza’ era previsível desde o início. Em 2 de abril de 1964
(...) três governadores estaduais favoráveis a Goulart foram depostos e detidos
(...), quase dez mil funcionários públicos foram demitidos de seus cargos, 122
oficiais das Forças Armadas foram obrigados a reformar-se, e 378 líderes
políticos e intelectuais foram despojados de seus direitos civis pela cassação,
que os impedia de votar e serem votados durante dez anos”.
A UNE,
cuja sede no Rio foi invadida por tropas e incendiada no mesmo dia do golpe, em
1º de abril, o governo militar extinguiu oficialmente. E criou outra estrutura
estudantil controlada pelo Ministério da Educação, sob orientação de Flávio
Suplicy de Lacerda. Seu ex-presidente Jean Marc Von der Weid lembra que a
entidade organizou clandestinamente um referendo nacional, para saber se os
estudantes apoiavam a nova ordem ou uma UNE ilegal:
“Aproximadamente
98% dos estudantes votaram pelo apoio à organização ilegal.”
Para
controlar os sindicatos, bastou ao governo militar recorrer à legislação,
herança do Estado Novo. As normas permitiam ao Ministério do Trabalho intervir
e afastar seus dirigentes e nomear outros, sem possibilidade de recurso. O
ministério ainda podia anular eleições e vetar candidaturas. Organizações
intersindicais paralelas e independentes, como o CGT, o governo extinguiu por
decreto.
“Lemos em
Platão e Aristóteles, filósofos gregos do século 4 a.C.:
“... os tiranos são ditadores que ganham o controle
social e político pelo uso despótico pelo uso da força e da fraude. A
intimidação, o terror e o desrespeito às liberdades civis estão entre os
métodos usados para conquistar e manter o poder. A sucessão nesse estado de
ilegalidade é sempre difícil”.”
Um helicóptero despeja ácido, clima de pânico
Em 21 de
junho de 1968, o Jornal do Brasil
publicou crônica do jornalista José Carlos Oliveira sobre a invasão da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, na véspera: ... “moças e rapazes deitados de bruços, com a cara enfiada na grama; moças
forçadas a andar de quatro diante de insolentes soldados da PM; dezenas de
estudantes encostados a um muro e com as mãos segurando a nuca, ou na mesma
atitude, mas deitados de bruços”.
Nos dias
19 e 20 de junho, o campus esteve agitado. Na quinta-feira, 400 estudantes
foram retirados de uma assembleia na Faculdade de Economia e levados ao campo
do Botafogo, palco das cenas que chocariam o país. Comentando a crônica do
colega, Zuenir
Ventura disse que “a descrição de
soldados urinando sobre corpos indefesos ou passeando o cassetete entre as
pernas das moças” constituía “uma
alegoria da profanação”.
Nesse
clima acordou na sexta a Cidade Maravilhosa. O ministro da Educação Tarso Dutra
tinha prometido receber os estudantes, que marcharam sob a liderança de
Vladimir Palmeira, mas encontraram o pátio do ministério cercado. Ali começou a
“batalha campal”.
Com paus e
pedras, os estudantes ainda atacaram a embaixada dos Estados Unidos, em
protesto contra os acordos MEC-USAID, que previam a introdução de novo modelo
de educação, baseado em moldes estadunidenses. Isolados no último andar,
funcionários da embaixada atiravam contra os estudantes. Eles tentam correr,
mas estão cercados; de um lado, agentes do Dops (Departamento de Ordem Política
e Social) e da Polícia Federal; de outro, a PM. Um helicóptero despeja ácido.
Clima de pânico.
Parecia Paris, mas não era
O centro
vira praça de guerra pela hora do almoço naquela Sexta-feira Sangrenta. Bombas de gás lacrimogênio chovem. O povo
não se intimida. Quem sai do trabalho adere à luta, indignado com a agressividade
policial. Bancários, comerciários, funcionários públicos. Do alto de um
edifício, atiram cubos de gelo. E tudo passa a servir de munição aérea:
garrafas, cinzeiros, cadeiras, vasos, até uma máquina de escrever.
No solo,
luta-se com paus e pedras; barricadas erguidas com material de construção
protegem contra os chutes, cacetadas e tiros. Estendeu-se por quase dez horas o
maior combate de rua travado pelo povo contra a ditadura. Quatro pessoas
morreram, entre elas um policial atingido por um tijolo. Mil presos pelo Dops.
As cenas
naquele 21 de junho pareciam espelhadas nas agitações parisienses de maio, com
uma diferença: aqui lutava-se contra algo concreto – um governo cada vez mais
intolerante.
Passeata dos 100.000
Menos de
uma semana depois da Sexta-feira
Sangrenta, na quarta-feira 26 de junho, as ruas do centro do Rio ficaram,
por decisão do governo, sem policiamento – ou seja, sem incidentes.
O povo se
moveu cantando o Hino da Independência, emocionando-se nos versos:
Ou ficar a pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Era a
passeata dos 100.000, multidão assombrosa, impensável naqueles dias. Marchavam
artistas, intelectuais, religiosos, sindicalistas, mães de estudantes, o povo
carioca. À frente, os líderes estudantis Vladimir Palmeira e Luís Travassos, presidente
da clandestina UNE.
Uma
comissão levou reivindicações a Costa e Silva, que as negou em bloco. No dia 17
de julho, o governo proibiu toda manifestação pública. Então, boa parte da
estudantada concluiu que, contra a ditadura, só restava a luta armada.
“Quando
ouço falar em cultura, saco logo meu revólver.”
(Frase – erroneamente – atribuída
a Joseph Goebbels, ministro da informação e propaganda da Alemanha nazista. Na verdade,
oriunda de uma peça antinazista de teatro de Hanns Jost)
“Em 16 de
abril de 1968 estoura a greve dos metalúrgicos de Contagem, sob o comando de
Ênio Seabra: 1.600 operários param. A Delegacia Regional do Trabalho (DRT)
declara a greve ilegal. Mas, em efeito cascata, com poucos dias os grevistas
passam de 6.000.
O ministro
do trabalho, coronel Jarbas Passarinho, vai a Minas e, numa assembleia, diz que
se, se houver luta, perderá quem tiver menos força. Resultado da ameaça: a
greve se expande. O governo recua, propõe reajuste de 10%, como abono. Mais dez
empresas aderem à greve. O aparato policial-militar é grande. Mas a greve só
para quando Costa e Silva anuncia a extensão do abono a todos os trabalhadores
brasileiros.”
“A Oban
(Operação Bandeirantes) foi alimentada financeiramente por uma “caixinha”,
administrada pelo então ministro da fazenda Delfim Netto. Ele “passou o chapéu”
em almoço para quinze empresários e banqueiros. Por sugestão de Gastão Bueno
Vidigal, dono do banco mercantil e organizador do encontro, cada grupo ali
representado contribuiu com 100.000 dólares.
Assim
nasceu a Oban, poderosa organização à margem da lei, clandestina, com carta
branca para agir impunemente, desvinculada de qualquer organismo oficial,
formada por militares de diversas patentes, no começo apenas do II Exército; e
investigadores, delegados da Polícia Civil e da Polícia federal. Como
financiadores citava-se, entre outras empresas, grupos Ultra, Ford, General
Motors. (...)
A Oban
logo mostrou serviço. Entre o fim de setembro e começo de outubro de 1969, seus
agentes produziram no corpo do preso Virgílio Gomes da Silva as seguintes
lesões, descritas em exame médico-legal: escoriações em todo o rosto, braços e
joelhos; escoriações circulares, nos punhos direito e esquerdo (algemado);
equimoses (manchas causadas por hemorragia sob a pele) no tórax e abdômen;
hematomas na mão direita e na polpa escrotal; internamente, hematoma intenso e
extenso na calota craniana; fratura com afundamento do osso frontal; hematomas
em toda a superfície do encéfalo; hematoma sob quatro costelas esquerdas;
fratura de três costelas direitas.
Virgílio,
comandante da operação de sequestro do embaixador americano Charles Burke
Elbrick, morreu por traumatismo cranioencefálico causado por instrumento
contundente. Qual? Taco de beisebol? Barra ou cano de ferro? Com o tempo, “aperfeiçoariam”
o método, combinando espancamento com choque elétrico, pau-de-arara,
empalamento e todo tipo de sevícia ao gosto de cada torturador.
A Oban
trabalhava assim. E não dava satisfação a ninguém, nem ao temível Dops. A
tortura se tornaria como que uma política de Estado.”
(...) “O
resultado da votação na Câmara, contra a licença para processar o deputado
Moreira Alves, constituiu ótima oportunidade para o governo mostrar força. A 13
de dezembro de 1968, o presidente se reuniu com o Conselho Nacional de
Segurança Nacional no Palácio das Laranjeiras, Rio, para votar o quinto Ato
Institucional, redigido pelo ministro da justiça, Gama e Silva.
Dos 23
presentes, apenas o vice Pedro Aleixo ficou contra. Sugeria o estado de sítio
como alternativa. Justificou que, por aquele caminho, estariam “instituindo um
processo equivalente a uma ditadura”. A palavra ditadura estava na boca de
outros conselheiros, como o coronel Jarbas Passarinho, que no entanto,
considerando-a “inevitável”, pronunciou a célebre frase: “Às favas, senhor
presidente, todos os escrúpulos de consciência”.”
“Sair das
quadras constitucionais é fácil. Difícil é voltar.”
(General
Octávio Costa, assessor de relações públicas do governo Médici)
“Dinheiro
estrangeiro (via empréstimo) viria mesmo a rodo na ditadura militar, engordando
a dívida externa que em 1964 somava pouco mais de 3 bilhões de dólares e era um
dos motivos alegados para o golpe; em 1985, os militares a deixariam nos
píncaros dos 100 bilhões de dólares.”
Stuart Edward Angel Jones: assassinado num ritual monstruoso
Tinha 26
anos, era bonito como galã de cinema e, como tantos outros companheiros de
luta, largou a universidade para se dedicar à militância revolucionária. Pertencia
ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro, MR-8.
Agentes do
Cisa, Centro de Informações da Aeronáutica, assassinaram Stuart à noitinha do
mesmo dia em que o prenderam, em 14 de junho de 1971. Foi torturado, amarrado à
traseira de um jipe e arrastado pelo pátio do quartel, com a boca aberta presa
ao cano do escapamento. Da janelinha de sua cela, o preso Alex Polari
presenciou o ritual monstruoso que relataria em detalhes à mãe de Stuart, Zuzu
Angel, um ano depois.
Zuzu,
apelido da mineira Zuleica Angel Jones, era desquitada do norte-americano
Norman Angel Jones, pai de seus três filhos, incerto na presença e na
participação para o sustento da família. Zuzu trabalhou duro como costureira
até chegar à merecida fama de estrela da alta costura. Quando Stuart
desapareceu, tentou afastar o fantasma da morte, mas a confirmação veio na
carta de Alex Polari.
Os
militares, cinicamente, continuaram colando os cartazes de “Procura-se” com a
foto dele. Mas, a essa altura, usando seu prestígio e o fato de Stuart ter
dupla cidadania, Zuzu conquistou a simpatia de importantes artistas e políticos
americanos, como o senador Edward Kennedy e o secretário de Estado Henry
Kissinger. Seu modo criativo de chamar a atenção para a situação política do
país despertou ódio nos órgãos da repressão.
Cinco anos
depois da morte de Stuart, chegaria a vez dela. De acordo com a versão oficial,
Zuzu morreu em acidente na Estrada da Gávea, na saída do Túnel Dois Irmãos,
atualmente túnel Zuzu Angel. Na semana anterior, havia deixado um documento na
casa do amigo Chico Buarque para divulgação caso lhe acontecesse algo anormal:
“Se eu
aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido por obra dos assassinos
de meu amado filho”.”
Da cela, a mãe de Ivan Seixas ouviu o marido ser torturado até a morte
“De quem é
esse presunto”, pergunta um policial. O outro responde: “Esse era o Roque”.
Roque era
o nome de guerra do metalúrgico Joaquim Alencar Seixas, pai de Ivan Seixas,
futuro jornalista. Ivan foi preso junto com o pai em 16 de abril de 1971, às 10
da manhã, na rua Vergueiro, São Paulo. Tinha 16 anos. Foram levados para a Oban
e torturados juntos, “na mesma sala”. Foi torturado madrugada adentro e, na
manhã do dia 17, levado pelos policiais para uma mata que mais tarde seria o
Parque do Estado. Simulariam um fuzilamento para fazê-lo falar.
“No
caminho, os caras pararam para tomar café e me deixaram algemado no porta-malas
da C14, onde vi a manchete da Folha da
Tarde dizendo que meu pai havia morrido ao resistir à prisão. Tinha a foto
dele e tudo o mais”.
Ao voltar
para a Oban para mais tortura, Ivan reencontrou o pai ainda vivo. Joaquim
Seixas seria assassinado pouco depois, por volta das 7 da noite. A mãe de Ivan,
presa também, estava logo abaixo da sala de torturas. E ouviu Joaquim ser
torturado até a morte. Soube que o marido estava morto quando ouviu aquele
diálogo entre os dois policiais.
(...) Anos
depois, o jornalista Mário Magalhães encontrou o laudo da necropsia feita no corpo
de Virgílio Gomes da Silva, o comandante Jonas da Aliança Libertadora Nacional.
Não há um osso inteiro, está escrito: “o
único órgão intacto é o coração”. Não conseguiram destruir o coração de
Virgílio.
A viúva de
Virgílio, Ilda Martins da Silva, mulher vigorosa, depois de torturada e separa
dos quatro filhos pequenos, depois de nove meses de prisão, rumou para Cuba. De
lá, voltou dezoito anos depois, com três filhos formados em engenharia e a
caçula em geologia.
Mário Alves: esfolado vivo e empalado com cassetete estriado
O jornalista baiano Mário Alves, junto com os
ex-colegas de PCB Jacob Gorender e Apolônio de Carvalho, fundou em 1968 o
Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, PCBR, cuja secretaria-geral
exercia. Agentes do Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro
de Operações de Defesa Interna) o prenderam em 16 de janeiro de 1970 e levaram
ao quartel da Polícia do Exército na rua barão de Mesquita, Tijuca, um dos
centros de tortura do Rio. Os torturadores “capricharam”: esfolaram Mário vivo,
com uma escova de metal. Testemunhou o advogado Raimundo Teixeira Mendes, preso
com ele:
“Depois de violentamente espancado, torturado
com choques elétricos, no pau-de-arara, afogamentos, etc., manteve a posição de
nada responder a seus torturadores... então introduziram um cassetete de
madeira com estrias, que provocou a perfuração de seus intestinos e a
hemorragia que determinou sua morte”.”
Foi o primeiro caso em que a união reconheceu
responsabilidade pelo desaparecimento de um preso político, em 1987.