domingo, 6 de agosto de 2017

Bíblia Sagrada – Livros Históricos

Editora: Paulus

ISBN: Bíblia do Peregrino (BPe) – 978-85-349-2005-6 / Bíblia de Jerusalém (BJ) – 978-85-349-4282-9 / Bíblia Pastoral (BPa) – 978-85-349-0228-1

Tradução, introdução e notas (BPa): Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancin

Tradução (BPe): Ivo Storniolo e José Bortolini

Notas (BPe): Luís Alonso Schökel

Opinião: N/A

Páginas: BPe – 698 / BJ – 492 / BPa – 376

Sinopse: Ver aqui

 

 

Livros históricos: Josué / Juízes / Rute / 1 Samuel / 2 Samuel / 1 Reis / 2 Reis / 1 Crônicas / 2 Crônicas / Esdras / Neemias / Tobias / Judite / Ester / 1 Macabeus / 2 Macabeus

 


O compromisso decisivo1 – Josué reuniu as tribos de Israel em Siquém2. Convocou todos os anciãos de Israel, os chefes, juízes e oficiais. E todos se apresentaram diante de Deus. Então Josué falou a todo o povo: “Assim diz Javé, o Deus de Israel: Outrora, os seus antepassados, Taré, pai de Abraão e de Nacor, habitavam do outro lado do rio Eufrates e serviam a outros deuses. Eu, porém, tomei Abraão, antepassado de vocês, e o fiz sair do outro lado do Eufrates para percorrer toda a terra de Canaã. Multipliquei a descendência dele e lhe dei Isaac. Para Isaac, dei Jacó e Esaú. Para Esaú, dei como herança a serra de Seir, enquanto Jacó e seus filhos desceram para o Egito. Então enviei Moisés e Aarão para castigar o Egito com os prodígios que realizei e fiz vocês saírem de lá. Tirei do Egito seus antepassados que chegaram até o mar. Os egípcios perseguiram os antepassados de vocês com carros e cavaleiros, até o mar Vermelho. Vocês clamaram a Javé, e ele colocou uma densa nuvem entre vocês e os egípcios; e fez o mar voltar-se contra eles, afogando-os. Vocês viram com seus próprios olhos o que eu fiz no Egito. Depois, vocês habitaram no deserto por muito tempo. Do deserto, eu fiz vocês entrarem na terra dos amorreus que habitavam na Transjordânia. Eles fizeram guerra contra vocês, mas eu os entreguei em suas mãos, e vocês tomaram posse da terra deles, depois que eu os destruí diante de vocês. Depois veio Balac, filho de Sefor, rei de Moab, e guerreou contra Israel. Ele mandou chamar Balaão, filho de Beor, para amaldiçoar vocês. Mas eu não quis ouvir Balaão: ele teve de abençoar vocês, e eu livrei vocês das mãos dele. A seguir, vocês atravessaram o rio Jordão para chegar a Jericó. Mas os chefes de Jericó guerrearam contra vocês. E todos eles, amorreus, ferezeus, cananeus, heteus, gergeseus, heveus e jebuseus, eu os entreguei em suas mãos. Mandei vespas na frente de vocês para expulsarem os dois reis amorreus. Isso não foi feito nem com a espada nem com o arco de vocês. Eu dei a vocês uma terra que não lhes custou nada, cidades que vocês não construíram e onde agora vivem, plantações de uvas e azeitonas que vocês não plantaram, e das quais vocês se alimentam.

Agora, portanto, temam a Javé, servindo-o com integridade e fidelidade. Tirem do meio de vocês os deuses, a quem seus antepassados serviram no outro lado do rio Eufrates e no Egito. Sirvam a Javé. Contudo, se vocês acham que não é bom servir a Javé, escolham hoje a quem vocês querem servir: aos deuses que seus antepassados serviram no outro lado do rio Eufrates, ou aos deuses dos amorreus, na terra dos quais agora vocês habitam. Eu e minha família serviremos a Javé”.

Então o povo respondeu: “Longe de nós abandonar Javé para servir a outros deuses! Foi Javé nosso Deus quem nos tirou, a nós e a nossos antepassados, da terra do Egito, da casa da escravidão. Foi ele quem fez esses grandes sinais diante de nossos olhos, e nos protegeu por todo o caminho que percorremos e entre todos os povos no meio dos quais atravessamos. Foi Javé quem expulsou de diante de nós todos os povos e os amorreus que habitavam a terra. Portanto, nós também serviremos a Javé, pois ele é o nosso Deus”.

Josué replicou: “Vocês não poderão servir a Javé, porque ele é um Deus santo, um Deus ciumento. Ele não perdoará suas transgressões e pecados. Se vocês abandonarem Javé para servir aos deuses estrangeiros, ele se voltará de novo contra vocês, e os maltratará e destruirá, apesar de lhes ter feito o bem”.

O povo respondeu a Josué: “Não! Nós serviremos a Javé”. Então Josué disse ao povo: “Vocês são testemunhas contra vocês mesmos de que escolheram servir a Javé”. O povo respondeu: “Nós somos testemunhas”. Josué disse: “Pois bem! Joguem fora os deuses estrangeiros que vocês têm, e inclinem o coração para Javé, o Deus de Israel”. O povo disse a Josué: “Nós serviremos a Javé nosso Deus e a ele obedeceremos”.

Nesse dia, Josué fez uma aliança com o povo e, em Siquém, estabeleceu para eles um estatuto e um direito. Josué escreveu essas palavras no livro da Lei de Deus. Depois, pegou uma grande pedra e a ergueu aí, debaixo do carvalho que está no santuário de Javé. Em seguida, disse ao povo: “Esta pedra será um testemunho contra nós, porque ela ouviu todas as palavras que Javé nos disse. Será um testemunho contra vocês, para que não reneguem o seu Deus”. Em seguida, Josué despediu o povo, e cada um voltou para a sua herança.”

(Js 24,1-28 – BPa)

1) Três partes: 1º Josué apresenta à fé dos assistentes as intervenções de Iaweh em favor de Israel (vv.2-13; cf. as confissões de fé de Dt 6,21-24 e 26,5-9); 2º a assembleia se pronuncia por Iaweh contra os deuses estrangeiros (vv.14-24); 3º conclui-se a aliança e a sua lei é escrita (vv.25-28). – Este cap. Foi acrescentado durante ou depois do Exílio, mas a tradição que ele representa é antiga. A fé em Iaweh, trazida pelo grupo que Josué conduziu, é proposta por ele a outros grupos que ainda não tinham ouvido falar dela. Estes não estiveram no Egito e não se beneficiaram com as maravilhas do Êxodo e da revelação do Sinai; contudo, não são cananeus e têm origem comum com o grupo de Josué: trata-se de tribos do Norte que, por este pacto, aceitam a fé em Iaweh e se tornam assim parte do povo de Deus. (BJ)

2) O final da conquista é marcado por um grande compromisso, no qual entram grupos novos desejosos de aderir ao projeto de Javé (cf. nota em 2,1-24). O movimento do êxodo culminou com a aliança no Sinai; assim também o movimento de conquista da terra se encerra com a aliança em Siquém. Após breve histórico sobre a liderança de Javé no movimento pela liberdade e pela vida, o povo é posto diante de uma escolha e de um compromisso: ou ser fiel a esse Deus e ao projeto dele, deixando a idolatria dos sistemas sociais injustos; ou voltar atrás. Não há meio-termo: ou se cria uma sociedade justa e fraterna, onde todos possam gozar a vida e a liberdade, ou se volta a repetir um sistema social onde o povo é reduzido à escravidão e à morte.

É provável que este texto reproduza uma cerimônia feita periodicamente, para alimentar a consciência histórica e sustentar a luta do povo. É importante celebrar a luta e as vitórias, a fim de manter viva a aspiração popular, na qual se manifesta o projeto de Deus. (BPa)


 

“Se um homem comete uma falta contra outro homem, Deus o julgará; mas se pecar contra Iahweh, quem intercederá por ele?”

(1Sm 2,25 – BJ)

 

 

“O esplendor de Israel não mente, nem se arrepende, porque não é homem para se arrepender.”

(1Sm 15,29 – BPa)

 

 

“Deus não vê como os homens, que veem a aparência. O Senhor vê o coração.”

(1Sm 17,7b – Bpe)

 

 

O rei justo liberta o povo dos inimigos1 – 1 Davi dedicou a Javé este cântico, quando Javé o libertou de todos os seus inimigos e da mão de Saul. Ele disse:

Javé é minha rocha e minha fortaleza, o meu libertador.

Ele é o meu Deus. Nele, meu rochedo, eu me abrigo,

meu escudo e minha força salvadora,

minha torre forte, meu refúgio,

meu salvador que me salva da violência.

Seja louvado! Eu invoquei a Javé,

e fui salvo dos meus inimigos.


As ondas da Morte me envolviam,

as torrentes de Belial me aterravam,

os laços do Xeol2 me cercavam,

as ciladas da Morte me atingiam.

 

Na minha angústia invoquei a Javé,

ao meu Deus lancei o meu grito.

Do seu Templo ele ouviu minha voz,

e meu grito chegou aos seus ouvidos.

 

A terra balançou e tremeu,

as bases do céu se abalaram,

por causa do seu furor estremeceram.

De suas narinas subiu fumaça,

e de sua boca um fogo devorador.

Dela brotavam brasas ardentes.

 

Ele inclinou o céu e desceu,

tendo aos pés uma nuvem escura;

cavalgou um querubim e voou,

planando sobre as asas do vento.

 

Envolveu-se de trevas como tenda,

de águas escuras e nuvens espessas.

À sua frente, um clarão inflamava

granizo e brasas de fogo.

 

Javé trovejou no céu.

O Altíssimo fez ouvir a sua voz;

atirou suas flechas e dispersou-os,

e os expulsou, lançando seus raios.

 

Então apareceu o leito do mar,

as bases do mundo se descobriram,

por causa da ameaça de Javé,

pelo vento soprando de suas narinas.

 

Lá do alto, ele manda tomar-se,

tirando-me das águas torrenciais;

e me livra de um inimigo poderoso,

de adversários mais fortes do que eu.”

(1Sm 22,1-18 – BPa)

1) 22,1-51: Com poucas diferenças, este cântico está reproduzido no Sl 18. Trata-se de uma celebração para agradecer a proteção de Javé e comemorar a vitória sobre os inimigos. Nesse contexto, aparece a primeira função da autoridade: libertar o povo de seus inimigos. (BPa)

2) Xeol é uma palavra de origem desconhecida, que designa as profundezas da terra (Dt 32,22; Is 14,9 etc.), onde os mortos “descem” (Gn 37,35; 1Sm 2,6 etc.), bons e maus se confundem (1Sm 28,19; Sl 89,49; Ez 32,17-32) e têm sobrevivência apagada (Ecl 9,10) e onde Deus não é louvado (Sl 6,6; 88,6.12-13; 115,19; Is 38,18). Contudo, o poder do Deus vivo (cf. Dt 5, 26+) se exerce mesmo nesta habitação desolada (1Sm 2,6; Sb 16,13; Am 9,2). A doutrina das recompensas e das penas de além-túmulo e a da ressurreição, preparadas pela esperança dos salmistas (Sl 16,10-11; 49,16), só aparecem claramente no fim do Antigo Testamento (Sb 3,5 em ligação com a crença na imortalidade, ver Sb 3,4+; 2Mc 12,38+). (BJ)

Eventualmente a palavra Xeol é traduzida por BPa e BPe como “Abismo”.

 

  

“Bendito sejas tu, Iahweh,

nosso Deus, de eternidade em eternidade!

E que se bendiga teu Nome glorioso

que excede toda bênção e louvor!

 

És tu, Iahweh, que és o único!

Fizeste os céus, os céus dos céus e todo o seu exército,

a terra e tudo o que ela contém,

os mares e tudo o que eles encerram.

A tudo isso és tu que dás vida, e o exército dos céus diante de ti se prostra.

 

Tu és Iahweh, ó Deus,

tu escolheste Abraão,

o tiraste de Ur na Caldéia

e lhe deste o nome de Abrão,

Achando seu coração fiel diante de ti,

fizeste aliança com ele,

para dar-lhe a terra do cananeu,

do heteu e do amorreu,

do ferezeu, do jebuseu e do gergeseu,

a ele e a sua posteridade.

E cumpriste as tuas promessas,

pois tu és justo.

 

Viste a aflição de nossos pais no Egito,

ouviste seu clamor junto ao mar dos Juncos,

Realizaste sinais e prodígios contra o Faraó,

contra todos os seus servos e todo o povo da sua terra;

pois sabias quão arrogantes tinham sido contra eles.

Adquiriste um renome que dura ainda hoje.

Abriste o mar diante deles:

passaram pelo meio do mar a pé enxuto.

Precipitaste nos abismos seus perseguidores,

como uma pedra em águas impetuosas.

Tu os guiaste de dia com uma coluna de nuvem,

de noite com uma coluna de fogo,

para iluminar diante deles o caminho

pelo qual andassem.

Desceste sobre o monte Sinai,

e do céu lhes falaste;

e lhes deste

normas justas,

leis verdadeiras,

estatutos e mandamentos excelentes;

deste-lhes a conhecer teu santo sábado;

prescreveste-lhes mandamentos, estatutos e uma Lei

por intermédio de Moisés, teu servo.

Do céu lhes deste o pão para sua fome,

do rochedo fizeste brotar água para sua sede.

Ordenaste-lhes que fossem

tomar posse da terra

que havias jurado dar-lhes.

 

Mas nossos pais se orgulharam,

endureceram a cerviz, não obedeceram

aos teus mandamentos.

Recusaram-se a obedecer, esquecidos das maravilhas

que havias feito por eles;

endureceram a cerviz, conceberam o plano

de voltar para o Egito, para sua escravidão.

Mas tu és o Deus do perdão,

cheio de piedade e compaixão,

lento para a cólera e cheio de amor:

não os abandonaste!


Mesmo quando fizeram para si

um bezerro de metal fundido,

e disseram: “Eis o teu Deus

que te fez sair do Egito!”

e cometeram grandes impiedades,

na tua imensa compaixão,

não os abandonaste no deserto;

a coluna de nuvem não se apartou deles,

para guiá-los de dia pela estrada

nem a coluna de fogo durante a noite,

para iluminar diante deles a estrada

pela qual andassem.

Deste-lhes teu bom espírito

para torná-los prudentes;

não recusaste o maná à sua boca

e lhes deste água para sua sede.

Por quarenta anos cuidaste deles no deserto:

de nada sentiram falta,

suas vestes não se estragaram,

seus pés não se incharam.

 

E tu lhes entregaste reinos e povos

cujas terras repartiste entre eles:

tomaram posse da terra de Seon,

rei de Hesebon,

e da terra de Og, rei de Basã.

Multiplicaste seus filhos

como as estrelas do céu

e os introduziste na terra aonde ordenaste a seus pais

que entrassem para dela tomarem posse.

Seus filhos invadiram e conquistaram esta terra

e tu humilhaste diante deles

os habitantes da terra, os cananeus,

que entregaste nas mãos deles

— seus reis e os povos da terra —

para os tratarem como quisessem;

apoderaram-se de cidades fortificadas

e de uma terra fértil;

apossaram-se de casas

repletas de toda sorte de bens,

de cisternas já cavadas, de vinhedos, olivais,

de árvores frutíferas em abundância;

comeram, saciaram-se, engordaram,

fizeram de teus imensos bens as suas delícias.

Mas eis que indóceis, revoltados contra ti,

desprezaram tua Lei,

mataram os profetas que os admoestavam

para reconduzi-los a ti

e cometeram grandes impiedades.

Abandonaste-os então nas mãos de seus inimigos,

que os oprimiram.

No tempo de sua miséria, clamavam a ti,

e tu, do céu, os ouvias

e em tua grande compaixão lhes enviavas

salvadores que os libertavam das mãos de seus opressores.

Mas logo que recuperavam a paz

ei-los de novo fazendo o mal diante de ti,

e tu os abandonavas nas mãos de seus

inimigos que os tiranizavam.

De novo, eles clamavam a ti,

e tu, do céu, os ouvias:

quantas vezes em tua compaixão os libertaste!

Advertiste-os para reconduzi-los à tua Lei:

mas se orgulharam, não obedeceram a teus mandamentos,

pecaram contra tuas normas, mesmo aquelas

em que acha a vida quem as observa,

mostraram um ombro rebelde,

endureceram a cerviz e não obedeceram.

Foste paciente com eles

por muitos anos;

advertiste-os pelo Espírito,

por intermédio dos profetas,

eles, porém, não atenderam.

Então os entregaste ao poder

dos povos de outras terras.

Em tua grande compaixão,

não os exterminaste,

nem os abandonaste,

pois és um Deus cheio de piedade e compaixão.

E agora, ó nosso Deus,

tu que és o Deus grande, poderoso e temível,

que manténs a aliança e o amor,

não olhes com indiferença toda esta tribulação

que se abateu sobre nós, nossos reis, nossos chefes,

nossos sacerdotes, nossos profetas e todo o teu povo,

desde o tempo dos reis da Assíria

até o dia de hoje.

Tens sido justo em tudo o que nos sucedeu,

pois mostraste tua fidelidade,

enquanto nós agíamos mal.

Sim, nossos reis, chefes, sacerdotes

e nossos pais não seguiram tua Lei,

nem prestaram atenção aos teus mandamentos

e às obrigações que lhes impunhas.

Logo que chegaram a seu reino,

entre os grandes bens que lhes concedias,

e na terra vasta e fértil

que puseste diante deles, não te serviram

nem se apartaram das suas ações más.

Eis que estamos hoje escravizados

e eis que na terra que havias dado a nossos pais

para gozarem de seus frutos e de seus bens,

nós estamos na escravidão.

Seus produtos enriquecem os reis,

que nos impuseste, pelos nossos pecados,

e que dispõem a seu arbítrio de nossas pessoas e de nosso gado.

Achamo-nos em grande aflição.”1

(Ne 9,5b-37 – BJ)

1: (...) Os vv. 5-37 são um dos textos penitenciais mais completos e belos do Antigo Testamento. Temos aí uma revisão de toda a história do povo, estruturada segundo a visão dialética que aparece na história, desde a conquista da terra até o exílio na Babilônia: pecado e castigo, conversão e graça. O centro da celebração penitencial é o reconhecimento da verdade, e isso implica em declarar que Deus é inocente e em reconhecer que a desgraça provém da infidelidade do povo. Toda celebração penitencial, portanto, é momento de conversão e de volta ao projeto de Deus, porque só em Deus é possível encontrar liberdade e vida. Se o povo de Deus não confessa publicamente seus pecados, absolvendo Deus como único inocente, ele acaba declarando que Deus é cúmplice de seus pecados. (BPa)

 

 

“(Tobit) Então chamou o filho Tobias, e lhe disse: “Quando eu morrer me dê uma sepultura digna. Honre sua mãe, e não a abandone nunca, enquanto ela viver. Faça sempre o que for do agrado dela, e por nada lhe cause tristeza. Lembre-se, meu filho, de que ela passou muitos perigos por sua causa, quando você estava no ventre dela. Quando ela morrer, sepulte-a junto de mim, no mesmo túmulo.

Meu filho, lembre-se do Senhor todos os dias. Não peque, nem transgrida seus mandamentos. Pratique a justiça todos os dias da vida, e jamais ande pelos caminhos da injustiça. Se você agir conforme a verdade, será bem-sucedido em tudo o que fizer, como todos os que praticam a justiça.

Dê esmolas daquilo que você possui, e não seja mesquinho. Se você vê um pobre, não desvie o rosto, e Deus não afastará seu rosto de você. Que sua esmola seja proporcional aos bens que você possui: se você tem muito, dê muito; se você tem pouco, não tenha receio de dar conforme esse pouco. Assim você estará guardando um tesouro para o dia da necessidade, pois a esmola livra da morte e não deixa cair nas trevas. Quem dá esmola, apresenta uma boa oferta ao Altíssimo.

Meu filho, ame seus parentes, não se mostre orgulhoso diante de seus irmãos, os filhos e filhas do seu povo, e escolha entre elas a sua mulher. De fato, o orgulho é causa de ruína e muita inquietação. A preguiça traz pobreza e miséria, porque a preguiça é mãe da fome.

Deus o recompensará. Meu filho, seja reservado em tudo o que fizer, e bem-educado em todo o seu comportamento. Não faça para ninguém aquilo que você não gosta que façam para você. Não beba vinho até se embriagar, e não deixe que a embriaguez seja sua companheira de caminho. Reparta seu pão com quem tem fome e suas roupas com quem está nu. Dê como esmola tudo o que você tem de supérfluo, e não seja mesquinho. Ofereça seu pão e vinho sobre o túmulo dos justos, ao invés de dá-los aos infiéis.1 Procure aconselhar-se com pessoas sensatas, e nunca despreze um conselho útil.

Bendiga ao Senhor Deus em todas as circunstâncias. Peça que ele guie você em todos os caminhos, e que ele faça você ter sucesso em todas as iniciativas e projetos, pois nenhum povo possui a sabedoria. Somente o Senhor é quem dá seus bens. Segundo o projeto dele, o Senhor exalta ou rebaixa até o fundo da mansão dos mortos. Portanto, meu filho, lembre-se dessas normas, e não permita que elas desapareçam de sua memória.”

(Tb 4,3-11.13b-14 – BPa)

1: Este preceito vem de Aicar (cf. 1,21+). Tobit, entretanto, parece aconselhar a seu filho, que não faça oferta aos mortos, costume reprovado pela Lei, mas que dê esmolas em honra deles. (BJ)

“Oferece”: em grego “derrama”, como se fosse uma libação sobre o túmulo. A prática não é judaica e até se opõe à lei (Dt 26,14; cf. Eclo 30,18). Para salvar a frase, alguns tomam taphos como metonímia de funeral (cf. Jr 16,7). (BPe)

BJ e BPe traduzem “pecador” ao invés de “infiel”.

 

 

“Então Rafael chamou os dois à parte e lhes disse:

– Bendizei a Deus e proclamai diante de todos os viventes os benefícios que vos fez, para que todos cantem hinos em sua honra. Manifestai a todos as obras do Senhor, conforme ele merece, e não sejais negligentes em dar-lhe graças. Se o segredo do rei deve ser guardado, as obras de Deus devem ser publicadas e proclamadas como merecem. Praticai o bem, e nenhuma desgraça vos atingirá. É melhor a oração sincera e a esmola generosa do que a riqueza adquiria com injustamente. É melhor dar esmolas do que entesourar dinheiro. A esmola livra da morte e expia o pecado. Os que dão esmola se saciarão de vida. Os pecadores e os malfeitores são inimigos de si mesmos. Eu vos descobrirei toda a verdade, sem nada vos ocultar. Já vos disse que, se o segredo do rei deve ser guardado, as obras de Deus devem ser publicadas como merecem. Pois bem, quando Sara e tu estáveis rezando, eu apresentava ao senhor da glória o memorial de tua oração. Da mesma forma quando enterravas os mortos. E quando levantaste da mesa sem duvidar, e deixaste a refeição para ir enterrar aquele morto, Deus enviou-me para provar-te; mas enviou-me de novo para curar a ti e a tua nora Sara. Eu sou Rafael1, um dos sete2 anjos que estão a serviço de Deus e têm acesso3 junto ao Senhor da glória.”

(Tb 12,6-15 – BPe)

1: Quando se pensa pagar alguma coisa a Deus, ele revela que tudo foi dom gratuito. A grande mensagem do livro de Tobias está no nome de Rafael, que significa “Deus cura”. Os conselhos finais do anjo (oração, jejum e esmola) resumem os deveres da pessoa para com Deus, para consigo mesma e para com o próximo. Tais conselhos serão retomados pelo Evangelho. (BPa)

2: Os livros santos só mencionam três nomes de anjos: Gabriel (Dn 8,16; 9,21; Lc 1,19), Miguel (Dn 10,13.21; 12,1; Jd9) e Rafael (aqui e 3,17). Os apócrifos complementam a lista dos sete de modo fantasista. Encontra-se um eco de Tb nos sete anjos do Apocalipse (Ap 8,2). (BJ)

3: O céu é como uma corte de um soberano com seus cortesãos. Destaca-se um conselho de sete ministros que têm acesso ao soberano e estão à sua disposição para tarefas especiais. Outrora esses ministros eram benê ‘elim ou benê ‘elohim (Sl 29;82). Mais tarde tomam formas diversas: 1Rs 22,19; Jó 1,6; 2,1; 4,18; 15,15; Zc 3,1-3. (BPe)

 

 

“– Escutai-me, chefes dos habitantes de Betúlia. Foi um erro isso que dissestes hoje ao povo, obrigando-os diante de Deus, com juramento, a entregar a cidade ao inimigo, se o Senhor não vos mandar ajuda dentro desse prazo. Vejamos: quem sois vós para hoje tentar Deus e vos por publicamente acima dele? Pusestes à prova o Senhor Todo-poderoso, vós, que nunca entendereis nada! Se sois incapazes de sondar a profundidade do coração humano e de rastrear seus pensamentos, como ireis perscrutar Deus, criador de tudo, conhecer sua mente, entender seu pensamento? Não, irmãos, não irriteis o Senhor, nosso Deus. Porque, ainda que não pense socorrer-nos nestes cinco dias, ele tem poder para nos proteger no dia que quiser, assim como para nos aniquilar diante do inimigo. Não exijais garantias dos planos do Senhor nosso Deus, pois ninguém intimida Deus como a um homem, nem se regateia com ele como com um ser humano. Portanto, enquanto aguardamos sua salvação, imploremos sua ajuda, e se lhe parecer bem, escutará nossas vozes.”

(Jt 8,11b-17 – BPe)

 

 

“Deus, ó meu Deus,

ouve-me, que sou uma pobre viúva.

Tu é que fizeste o passado,

o que acontece agora e o que acontecerá depois.

O presente e o futuro foram concebidos por ti,

e o que tinhas em mente aconteceu.

Teus desígnios se apresentaram

e disseram: ‘Aqui estamos!’

Porque todos os teus caminhos estão preparados,

e teus juízos previstos de antemão.

Eis os assírios: eles se prevalecem do seu exército,

gloriam-se de seus cavalos e de seus cavaleiros,

orgulham-se da força de seus infantes.

Confiam no escudo e na lança,

no arco e na funda,

e não sabem que tu és o Senhor

que põe fim às guerras.1

A ti pertence o nome de Senhor!

Quebra sua força com teu poder,

despedaça seu ímpeto com tua cólera!

Porque deliberaram profanar teu santuário,

manchar a tenda onde repousa teu Nome glorioso

e derrubar a ferro os chifres de teu altar.

Olha sua altivez,

envia tua ira sobre suas cabeças,

dá à minha mão de viúva

a valentia almejada.

Pela astúcia de meus lábios,

fere o escravo com o chefe

e o chefe com seu servo.

Quebra sua arrogância

pelas mão de uma mulher.

Tua força não está no número,

nem tua autoridade nos violentos,

mas tu és o Deus dos humildes,

o socorro dos oprimidos,

o protetor dos fracos,

o abrigo dos abandonados,

o salvador dos desesperados.2

Sim, sim, Deus de meu Pai,

Deus da herança de Israel,

Senhor do céu e da terra,

Criador das águas,

Rei de toda tua criação,

ouve tu a minha prece.”

(Jt 9,4b-12 – BJ)

1: A presunção dos pagãos, arrogantes por causa de sua força militar, foi sempre escândalo para Israel e razão para esperar com confiança a ajuda de Deus (cf. Hab 1,12-17; Is 30,15; 31,1-3 etc). (BJ)

2: Reconhece aqui a religião dos “pobres”, característica da piedade do AT (cf. Sf 2,3+). (BJ)

 

 

“Ao ver a multidão que vinha se aproximando para enfrentá-los, os homens de Judas (Macabeu) lhe disseram: “Somos poucos. Como é que podemos enfrentar essa multidão forte e armada? Além disso, estamos cansados. Hoje ainda não comemos nada”. Judas respondeu: “Não é difícil que muitos caiam na mão de poucos. Não faz diferença para Deus salvar com poucos ou salvar com muitos. A vitória na guerra não depende da multidão de soldados, mas da força que vem do céu. Eles vêm contra nós cheios de insolência e injustiça, para eliminar a nós, nossas mulheres e nossos filhos, e levar tudo o que temos. Nós, porém, lutamos por nossa vida e nossas leis. Por isso, Deus vai esmagá-los diante de nós! Não tenham medo”. Judas terminou de falar e os atacou de surpresa. E Seron com seu exército foram esmagados diante de Judas.”

(1Mc 3,17-23 – BPa)

1: A luta desigual entre um exército armado e um pequeno grupo relembra as antigas lutas do tempo dos juízes e de Davi. O que dá eficácia à luta é o esforço para defender a vida e o projeto que é dirigido para a conquista da liberdade. E quem lidera essa luta é o próprio Deus. (BPa)

 

 

“Mas o Senhor não escolheu o povo para o lugar santo, e sim o lugar santo para o povo.”1

(2Mc 5,19)

1: Deus não é escravo das instituições judaicas (cf. Jr 7,14; Mc 2,27). Essa afirmação da primazia do povo eleito sobre as instituições, nas quais ele se estrutura, é prenúncio do Evangelho. (BJ)

 

 

“Agora, aos que tiverem entre as mãos este livro, gostaria de exortar que não se desconcertem diante de tais calamidades, mas pensem antes que esses castigos não sucederam para a ruína, mas para a correção da nossa gente. De fato, não deixar impunes por longo tempo os que cometem impiedade, mas imediatamente atingi-los com castigos, é sinal de grande benevolência. Pois não é como para com as outras nações, que o longânime Soberano espera, até puni-las, que elas cheguem ao cúmulo dos seus pecados: não é assim que ele decidiu proceder com relação a nós, a fim de não ter de nos punir mais tarde, quando nossos pecados tivessem atingido sua plena medida. Por isso, jamais retira de nós a sua misericórdia: ainda quando corrige com a desventura, ele não abandona o seu povo. Estas coisas tenham sido ditas por nós só para advertência.”

(2Mc 6,12-17 – BJ)

 

 

“Deus criou tudo do nada e a mesma origem tem o homem.”1

(2Mc 7,29b – Bpe)

1: Quer dizer, Deus os criou do nada, primeira afirmação explícita da criação ex nihilo, já entrevista em Is 44,24 (ver também Jo 1,3; Cl 1,15s). (BJ)

 

 

“Por essa ocasião, Antíoco teve de se retirar em desordem do território persa, porque ao chegar à capital Persépolis, começou a saquear o templo e a ocupar a cidade; com isso a multidão recorreu às armas, e Antíoco, derrotado e posto em fuga pelos habitantes, teve de empreender o regresso vergonhosamente.

Quando estava perto de Ecbátana, chegou-lhe a notícia do acontecido a Nicanor e aos homens de Timóteo e fora de si pela ira, pensava cobrar dos judeus a injúria dos que o haviam posto em fuga. Por isso, ordenou ao cocheiro avançar sem parar até o fim da viagem. Mas viajava com ele a sentença do céu! De fato, assim havia ele falado, na sua soberba:

– Quando chegar lá, transformarei Jerusalém num cemitério de judeus

Mas o Senhor, que vê tudo, o Deus de Israel, o castigou com uma doença invisível e incurável: apenas havia pronunciado essa frase, sobreveio-lhe uma dor insuportável nas entranhas e tormentos atrozes no ventre (isso era plenamente justo em quem havia atormentado as entranhas dos outros com numerosas e rebuscadas torturas). 7Mesmo assim, não desistia em nada da sua arrogância. Antes, regurgitando de soberba e exalando contra os judeus o fogo de sua cólera, mandou ainda acelerar a marcha. Mas caiu do carro quando corria a toda velocidade e, sofrendo queda tão violenta, todos os membros de seu corpo se deslocaram.

Aquele que pouco antes, na sua arrogância sobre-humana, pensava poder dar ordens às ondas do mar; que imaginava poder pesar na balança os cumes das montanhas, estava estendido por terra, e tinha de ser levado numa liteira, mostrando a todos o poder de Deus. Tanto mais que, do corpo desse ímpio, começaram a ferver de vermes. E, estando ele ainda vivo, as carnes se lhe caíam aos pedaços entre espasmos1 lancinantes; enquanto o exército inteiro, por causa do odor fétido, mal suportava essa podridão. Por causa de seu cheiro insuportável, ninguém podia transportar aquele que pouco antes parecia capaz de tocar as estrelas.

Nessas circunstâncias, prostrado pela doença, começou a ceder em sua arrogância2. Ao aumentar as dores a cada momento, chegou a reconhecer o castigo divino, e, não podendo, nem mesmo ele, suportar o próprio fedor, assim falou:

– É justo que um mortal se submeta a Deus e não queira igualar-se à divindade.”

(2Mc 9,1-12 – BJ e BPe)

1: Ignora-se a natureza do mal que acometeu Antíoco. A descrição se atém ao gênero literário característico da morte dos tiranos (cf. Jt 16,17; Is 14,11; At 12,23). De modo semelhante se descreve a morte de Herodes Magno nas Antiguidades Judaicas de Josefo. O paralelo de 1Mc 6,9 é bastante mais sóbrio. (BJ)

2: O autor de 2Mc procura mostrar a dimensão religiosa do acontecimento, transformando o fato em narrativa lendária. Antíoco personifica a ambição que leva o homem a se considerar igual ao próprio Deus, atraindo uma punição terrível. Seu arrependimento chega tarde demais e, agora, é inútil querer se converter: o orgulho humano produz a destruição da própria pessoa. O texto garante que todo o mal feito a outros acaba se voltando contra a própria pessoa que o planejou. (BPa)

Um comentário:

Doney disse...

Conforme apontado, o trecho de Nm 9,5b-37 aqui destacado foi o da BJ, com o qual a BPa se assemelha. Já para BPe há uma diferença significativa na tradução – com destaque para o último vv. Chega a alterar o entendimento.