terça-feira, 4 de agosto de 2015

Ética a Nicômaco / Poética (Os Pensadores) - Aristóteles

Editora: Nova Cultural

ISBN: 978-85-1300-232-2

Tradução (Ética a Nicômaco): Leonel Vallandro e Gerd Bornheim

Tradução, comentários e índices analítico e onomástico (Poética): Eudoro de Souza.

Opinião: Ética a Nicômaco: ★★★☆☆ / Poética: ★★☆☆☆

Páginas: 288

Sinopses:

Ética a Nicômaco: Aplicando à análise do agir humano seus postulados metafísicos, Aristóteles discute conceitos éticos fundamentais, como felicidade e virtude, detendo-se na apreciação de várias virtudes particulares.

Poética: O que é a poesia, suas diferentes espécies, suas origens, a comédia e a tragédia, poesia e história são alguns dos temas dessa obra de Aristóteles que marcou profundamente os estudos posteriores sobre a arte literária.


 

Ética a Nicômaco

 

“Admite-se geralmente que toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em mira um bem qualquer; e por isso foi dito, com muito acerto, que o bem é aquilo a que todas as coisas tendem.”

 

 

“Ótimo é aquele que de si mesmo conhece todas as coisas. Bom, o que escuta os conselhos dos homens judiciosos. Mas o que por si não pensa, nem acolhe a sabedoria alheia, esse é, em verdade uma criatura inútil.” (Hesíodo – Trabalhos e Dias)

 

 

“Inegavelmente, o que a visão é para o corpo a razão é para a alma.”

 

 

“Se existe uma finalidade para tudo que fazemos, essa será o bem realizável mediante a ação; e, se há mais de uma, serão os bens realizáveis através dela.”

 

 

“Definimos a autossuficiência como sendo aquilo que, em si mesmo, torna a vida desejável e carente de nada. E como tal entendemos a felicidade, considerando-a, além disso, a mais desejável de todas as coisas, sem contá-la como um bem entre outros. Se assim fizéssemos, é evidente que ela se tornaria mais desejável pela adição do menor bem que fosse, pois o que é acrescentado se torna um excesso de bens, e dos bens é sempre o maior o mais desejável. A felicidade é, portanto, algo absoluto e autossuficiente, sendo também a finalidade da ação.”

 

 

“Diz-se, com efeito, que o começo é mais que metade do todo, e muitas das questões que formulamos são aclaradas por ele.”

 

 

“Parece absurdo que os deuses sejam aferidos pelos nossos padrões.”

 

 

“Se é assim, pois, que cada arte realiza bem o seu trabalho — tendo diante dos olhos o meio-termo e julgando suas obras por esse padrão; e por isso dizemos muitas vezes que às boas obras de arte não é possível tirar nem acrescentar nada, subentendendo que o excesso e a falta destroem a excelência dessas obras, enquanto o meio-termo a preserva; e para este, como dissemos, se voltam os artistas no seu trabalho —, e se, ademais disso, a virtude é mais exata e melhor que qualquer arte, como também o é a natureza, segue-se que a virtude deve ter o atributo de visar ao meio-termo. Refiro-me à virtude moral, pois é ela que diz respeito às paixões e ações, nas quais existe excesso, carência e um meio-termo.

Por exemplo, tanto o medo como a confiança, o apetite, a ira, a compaixão, e em geral o prazer e a dor, podem ser sentidos em excesso ou em grau insuficiente; e, num caso como no outro, isso é um mal. Mas senti-los na ocasião apropriada, com referência aos objetos apropriados, para com as pessoas apropriadas, pelo motivo e da maneira conveniente, nisso consistem o meio-termo e a excelência característicos da virtude.

Analogamente, no que tange às ações também existe excesso, carência e um meio-termo. Ora, a virtude diz respeito às paixões e ações em que o excesso é uma forma de erro, assim como a carência, ao passo que o meio-termo é uma forma de acerto digna de louvor; e acertar e ser louvada são características da virtude. Em conclusão, a virtude é uma espécie de mediania, já que, como vimos, ela põe a sua mira no meio-termo.

Por outro lado, é possível errar de muitos modos (pois o mal pertence à classe do ilimitado e o bem à do limitado, como supuseram os pitagóricos), mas só há um modo de acertar. Por isso, o primeiro é fácil e o segundo difícil — fácil errar a mira, difícil atingir o alvo. Pelas mesmas razões, o excesso e a falta são característicos do vício, e a mediania da virtude: Pois os homens são bons de um modo só, e maus de muitos modos.

A virtude é, pois, uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consistente numa mediania, isto é, a mediania relativa a nós, a qual é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. E é um meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta; pois que, enquanto os vícios ou vão muito longe ou ficam aquém do que é conveniente no tocante às ações e paixões, a virtude encontra e escolhe o meio-termo. E assim, no que toca à sua substância e à definição que lhe estabelece a essência, a virtude é uma mediania; com referência ao sumo bem e ao mais justo, é, porém, um extremo.”

 

 

“A dor transtorna e destrói a natureza da pessoa que a sente, ao passo que o prazer não tem tais efeitos.”

 

 

“Aí está por que não permitimos que um homem governe, mas o princípio racional, pois que um homem o faz no seu próprio interesse e converte-se num tirano. O magistrado, por outro lado, é um protetor da justiça e, por conseguinte, também da igualdade. E, visto supor-se que ele não possua mais do que a sua parte, se é justo (porque não atribui a si mesmo mais daquilo que é bom em si, a menos que tal quinhão: seja proporcional aos seus méritos — de modo que é para outros que trabalha, e por essa razão os homens, como mencionamos anteriormente, dizem ser a justiça “o bem de um outro”), ele deve, portanto, ser recompensado, e sua recompensa é a honra e o privilégio; mas aqueles que não se contentam com essas coisas tornam-se tiranos.”

 

 

“A virtude de uma coisa é relativa ao seu funcionamento apropriado. Ora, na alma existem três coisas que controlam a ação e a verdade: sensação, razão e desejo.

Destas três, a sensação não é princípio de nenhuma ação: bem o mostra o fato de os animais inferiores possuírem sensação, mas não participarem da ação.

A afirmação e a negação no raciocínio correspondem, no desejo, ao buscar e ao fugir; de modo que, sendo a virtude moral uma disposição de caráter relacionada com a escolha, e sendo a escolha um desejo deliberado, tanto deve ser verdadeiro o raciocínio como reto o desejo para que a escolha seja acertada, e o segundo deve buscar exatamente o que afirma o primeiro.

Ora, esta espécie de intelecto e de verdade é prática. Quanto ao intelecto contemplativo, e não prático nem produtivo, o bom e o mau estado são, respectivamente, a verdade e a falsidade (pois essa é a obra de toda a parte racional); mas da parte prática e intelectual o bom estado é a concordância da verdade com o reto desejo.

A origem da ação — sua causa eficiente, não final — é a escolha, e a da escolha é o desejo e o raciocínio com um fim em vista. Eis aí por que a escolha não pode existir nem sem razão e intelecto, nem sem uma disposição moral; pois a boa ação e o seu contrário não podem existir sem uma combinação de intelecto e de caráter. O intelecto em si mesmo, porém, não move coisa alguma; só pode fazê-lo o intelecto prático que visa a um fim qualquer. E isto vale também para o intelecto produtivo, já que todo aquele que produz alguma coisa o faz com um fim em vista; e a coisa produzida não é um fim no sentido absoluto, mas apenas um fim dentro de uma relação particular, e o fim de uma operação particular. Só o que se pratica é um fim irrestrito; pois a boa ação é um fim ao qual visa o desejo.

Portanto, a escolha ou é raciocínio desiderativo ou desejo raciocinativo, e a origem de uma ação dessa espécie é um homem. Deve-se observar que nenhuma coisa passada é objeto de escolha; por exemplo, ninguém escolhe ter saqueado Tróia, porque ninguém delibera a respeito do passado, mas só a respeito do que está para acontecer e pode ser de outra forma, enquanto o que é passado não pode deixar de haver ocorrido; por isso Agatão tinha razão em dizer:

Pois somente isto é ao próprio Deus vedado: O fazer não sucedido o que uma vez aconteceu.

Como acabamos de ver, a obra de ambas as partes intelectuais é a verdade. Logo, as virtudes de ambas serão aquelas disposições segundo as quais cada uma delas alcançará a verdade em sumo grau.”

 

 

“A amizade é sumamente necessária à vida. Porque sem amigos ninguém escolheria viver, ainda que possuísse todos os outros bens.”

 

 

“A amizade também parece manter unidos os Estados, e dir-se-ia que os legisladores têm mais amor à amizade do que à justiça, pois aquilo a que visam acima de tudo é à unanimidade, que tem pontos de semelhança com a amizade; e repelem o facciosismo como se fosse o seu maior inimigo. E quando os homens são amigos não necessitam de justiça, ao passo que os justos necessitam também da amizade; e considera-se que a mais genuína forma de justiça é uma espécie de amizade.”

 

 

“Os homens não podem conhecer-se mutuamente enquanto não houverem “provado sal juntos”.”

 

 

“A distância não rompe a amizade em absoluto, mas apenas a sua atividade. Todavia, se a ausência dura muito tempo, parece realmente fazer com que os homens esqueçam a sua amizade; daí o provérbio “longe dos olhos, longe do coração”.”

 

 

“A maioria das pessoas parecem, devido à ambição, preferir ser amada a amar. E é por isso que os homens, em geral, amam a lisonja.”

 

 

“Entre marido e mulher a amizade parece existir por natureza, pois a espécie humana se inclina naturalmente a formar casais — mais do que a formar cidades, já que a família é anterior à cidade e mais necessária do que esta, e a reprodução é comum ao homem e aos animais. Entre os outros animais a união vai apenas até esse ponto, mas os seres humanos vivem juntos não só para reproduzir-se, senão também para os vários propósitos da vida. E desde o começo são divididas as funções, diferindo entre si as do homem e as da mulher, e ajudam eles um ao outro fazendo capital comum de seus dotes individuais. Por tais motivos, tanto a utilidade como o prazer parecem ser encontrados nessa espécie de amizade. Pode ela, no entanto, basear-se também na virtude, se as partes são boas; pois cada uma possui a sua virtude própria, e ambas se deleitam nisso. E os filhos constituem um laço de união (motivo pelo qual os casais sem filhos separam-se mais facilmente); porquanto os filhos são um bem comum a ambos, e o que ambos possuem em comum os conserva unidos.”

 

 

“Todos os homens ou a maioria deles desejam o que é nobre, mas escolhem o que é vantajoso.”

 

 

“Não parece lícito a um homem repudiar seu pai (embora o pai possa repudiar o filho). Como devedor que é, deve pagar, mas nada do que um filho possa fazer equivalerá ao que recebeu, de modo que ele continua sempre em dívida. Mas, assim como os credores podem perdoar uma dívida, também um pai pode fazê-lo. E, por outro lado, pensa-se que ninguém repudiaria um filho que não fosse profundamente perverso; porque, além da amizade natural entre pai e filho, é próprio da natureza humana não enjeitar a ajuda de um filho. Mas este, se de fato é perverso, evitará ajudar o pai ou não fará muita questão disso; porquanto a maioria deseja receber benefícios mas evita fazê-los, como coisa que não compensa.”

 

 

“A companhia dos bons também nos oferece certo adestramento na virtude, como disse Teógnis antes de nós.”

 

 

“Mas no que toca aos bons amigos, devemos tê-los tanto quanto possível, ou há um limite? O número apropriado não é provavelmente uma quantidade fixa, mas qualquer que se situe entre dois pontos fixos. De modo que para os amigos também existe um número fixo — talvez o maior número com que se pode conviver (pois essa, segundo verificamos, é considerada como a própria característica da amizade); e é evidente que não se pode conviver com muitas pessoas e dividir-se entre elas. Acresce que essas pessoas também devem ser amigas umas das outras, se têm de passar a vida juntas; e dificilmente tal condição será preenchida com um número elevado de indivíduos. E tampouco é fácil compartilhar as alegrias e os pesares íntimos de muita gente, pois isso importaria em sentir-se feliz com um amigo e em contristar-se com outro, simultaneamente.

Parece, pois, que convém não procurar ter o maior número possível de amigos, mas apenas tantos quantos forem suficientes para os fins do convívio, pois ser um grande amigo de muitas pessoas é coisa que se afigura impossível. Por essa mesma razão, não podemos amar várias pessoas ao mesmo tempo. O ideal do amor é ser como que um excesso de amizade, e isso só se pode sentir por uma pessoa, donde se segue que também só podemos sentir uma grande amizade por poucas pessoas.

Isto parece encontrar confirmação na prática, pois são muito raros os casos de um grande número de pessoas que sejam amigas umas das outras no sentido da amizade-camaradagem, e as amizades famosas dessa espécie são sempre entre duas pessoas. Os que têm muitos amigos e mantêm intimidade com eles passam por não ser amigos de ninguém, salvo dentro dos limites apropriados a concidadãos; e tais pessoas são também chamadas obsequiosas. Dentro dos limites apropriados a concidadãos, em verdade, é possível ser amigo de muitos sem contudo ser obsequioso, mas um homem genuinamente bom. Por outro lado, não se pode manter com muitas pessoas a espécie de amizade que se baseia na virtude e no caráter de nossos amigos, e devemos dar-nos por felizes se encontrarmos uns poucos dessa espécie.”

 

 

“Tudo que escolhemos, escolhemo-lo com a mira em outra coisa — salvo a felicidade, que é um fim em si.”

 

 

“O que é próprio de cada coisa é, por natureza, o que há de melhor e de aprazível para ela; e assim, para o homem a vida conforme à razão é a melhor e a mais aprazível, já que a razão, mais que qualquer outra coisa, é o homem. Donde se conclui que essa vida é também a mais feliz.”

 

 

Poética

 

“O imitar é congênito no homem (e nisso difere dos outros viventes, pois, de todos, é ele o mais imitador, e, por imitação, aprende as primeiras noções), e os homens se comprazem no imitado.”

 

 

“Não convém à mulher ser viril ou terrível.”

 

 

“Homero, que por muitos outros motivos é digno de louvor, também o é porque, entre os demais, só ele não ignora qual seja propriamente o mister do poeta. Porque o poeta deveria falar o menos possível por conta própria, pois, assim procedendo, não é imitador. Os outros poetas, pelo contrário, intervém em pessoa na declamação, e pouco e poucas vezes imitam, ao passo que Homero, após breve introito, subitamente apresenta varão ou mulher, ou outra personagem caracterizada — nenhuma sem caráter, todas as que o têm.”

Um comentário:

Sugestão de Livros disse...

Gostei muito: “Ótimo é aquele que de si mesmo conhece todas as coisas. Bom, o que escuta os conselhos dos homens judiciosos. Mas o que por si não pensa, nem acolhe a sabedoria alheia, esse é, em verdade uma criatura inútil.” (Hesíodo – Trabalhos e Dias)

E também do trecho: "Pois os homens são bons de um modo só, e maus de muitos modos."