quinta-feira, 26 de março de 2015

A cidade do sol, de Khaled Hosseini

Editora: Nova Fronteira

ISBN: 978-85-209-3552-1

Tradução: Maria Helena Rouanet

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 368

 

“— Aprenda isso de uma vez por todas, filha: assim como uma bússola precisa apontar para o norte, assim também o dedo acusador de um homem sempre encontra uma mulher a sua frente. Sempre. Nunca se esqueça disso, Mariam.”

 

 

“O mulá admitiu para Mariam que, por vezes, não compreendia o sentido das palavras do Corão, mas gostava dos sons encantatórios das palavras árabes que pareciam rolar em sua língua. Disse ainda que elas lhe traziam conforto, apaziguavam o seu coração.

— Elas vão fazer isso por você também, Mariam jo — observou ele. — Sempre pode evocá-las em caso de necessidade, e elas não vão lhe faltar. As palavras de Deus nunca vão traí-la, minha menina.”

 

 

“— Que sentido faz dar instrução a uma garota como você? — prosseguiu a mulher. — É como lustrar uma escarradeira. E, nessas escolas, você não vai aprender nada que preste. Só há uma coisa na vida que mulheres como você e eu precisamos aprender, e ninguém ensina isso nas escolas. Olhe para mim.

— Você não devia falar assim com ela, minha filha — observou o mulá Faizullah.

— Olhe para mim — insistiu Nana.

Mariam obedeceu.

— Só uma coisa: tahamul. A capacidade de suportar.

— Suportar o quê, Nana? — indagou a menina.

— Não se aflija com isso — retrucou Nana. — Não vão faltar exemplos.”

 

 

“— Ouça bem o que vou lhe dizer. O coração de um homem é uma coisa muito, muito perversa, Mariam. Não é como o útero de uma mãe. Ele não sangra, não se estica todo para recebê-la.”

 

 

“Mariam ficou ali deitada no sofá, com as mãos entre os joelhos, olhando a neve que girava e rodopiava do outro lado da vidraça. Lembrou que Nana tinha dito, certa vez, que cada floco de neve era o suspiro de uma mulher sofrida em algum canto do mundo. Todos esses suspiros subiam ao céu, formavam nuvens e, então, se partiam em mil pedacinhos que caíam, em silêncio, sobre as pessoas aqui embaixo.

“Para lembrar como sofrem as mulheres como nós”, disse ela. “Como  aguentamos caladas tudo o que nos acontece”.”

 

 

“Foi nessa semana que Laila se convenceu de uma verdade: de todas as dificuldades que uma pessoa tem de enfrentar, a mais sofrida é, sem dúvida, o simples ato de esperar.”

 

 

“São sempre os que estão sóbrios que pagam pelos pecados dos bêbados.”

 

 

“— Falei com alguns vizinhos, antes de vocês chegarem. Não conheço mais ninguém. Dos velhos tempos, quero dizer...

— Todo mundo foi embora. Não tem mesmo mais ninguém que você conheça.

— Não reconheço Cabul.

— Nem eu — observou Laila. — E olhe que nunca saí daqui.”

sexta-feira, 20 de março de 2015

Sócrates – Os Pensadores

Editora: Nova Cultural
Tradução: Jaime Bruna, Libero R. Andrade, Gilda M. R. Strazynski
Seleção de textos: José A. M. Pessanha
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 222



(Não tendo Sócrates deixado nenhum escrito, além da de uma resumida Biografia elaborada por José A. M. Pessanha constam nesta obra, além de uma biografia resumida, os principais testemunhos de sua vida: Defesa de Sócrates de Platão, Ditos e feitos memoráveis de Sócrates e Apologia de Sócrates de Xenofonte; e As nuvens de Aristófanes.)

“Mas o fato que teria marcado, de forma decisiva, o resto de sua existência foi, segundo ele mesmo afirma na Apologia, a declaração, pelo oráculo de Delfos a seu amigo Querefonte, de que ele era o mais sábio dos homens. Logo ele, sem nenhuma especialização, ele que estava ciente de sua ignorância? Logo ele, numa cidade repleta de artistas, oradores, políticos, artesãos? Sócrates parece ter meditado bastante tempo, buscando o significado das palavras da pitonisa. Afinal concluiu que sua sabedoria só poderia ser aquela de saber que nada sabia, essa consciência da ignorância sobre coisas que era sinal e começo da autoconsciência. E viu nas palavras oraculares a indicação de uma missão a cumprir. “Desde então”, conta em seu julgamento, “de acordo com a vontade do deus, não deixei de examinar os meus concidadãos e os estrangeiros que considero sábios e, se me parecerem que não o são, vou em auxílio do deus revelando-lhes sua ignorância”.”
(José A. M. Pessanha - Biografia)


“Para Sócrates, a meta seria não o assunto em discussão, mas a própria alma do interlocutor, que, por meio do debate, seria levada a tomar consciência de sua real situação, depois que se reconhecesse povoada de conceitos mal formulados e obscuros.”
(José A. M. Pessanha – Biografia)


“Em Sócrates a razão seria tão mais forte e exigente quanto não teria apenas em si mesmo o motivo de sua autoconfiança. A sabedoria oracular – que já havia marcado o pensamento e a linguagem de Heráclito de Éfeso (540-480 a.C.) – parece constituir para Sócrates o absoluto em que se apoia a razão. Ao tentar decifrá-lo, a razão não se contrai, antes se expande, e, porque o absoluto é sua meta e seu ponto de referência, ela pode e deve traçar um que não conhece limites.
No cumprimento da missão de que se sente encarregado, Sócrates dialoga. Geralmente o interlocutor, tido como autoridade em algum ramo de conhecimento ou de atividade, decepciona-o. Apenas nos artífices encontra alguma consciência daquilo que fazem. Mas esses revelam um conhecimento restrito a suas especializações e embaraçam-se quando levados a opinar sobre outros assuntos, embora de geral interesse para os homens. Isso parece confirmar a Sócrates o sentido da superioridade que lhe fora atribuída pelo oráculo: o reencontro consigo mesmo só pode partir da consciência da própria ignorância. Mas essa ignorância, que é um atributo de Sócrates, não é geralmente assumida pelas outras pessoas, que se julgam na posse de “verdades”. Torna-se necessário, portanto, levá-las, de saída, a despojar-se dessas pseudoverdades – única forma de torná-las aptas a caminharem em direção ao conhecimento de si mesmas. A demolição das falsas ideias que fundamentam a falsa imagem que as pessoas têm delas próprias é o que pretende a ironia: momento do diálogo em que Sócrates, reafirmando nada saber, força o interlocutor a expor suas opiniões, para, com habilidade, emaranhá-lo na teia obscura de suas próprias afirmativas e acabar reconhecendo a ignorância a respeito do que antes julgava ter certeza. A ironia socrática tem, assim, a função de propiciar uma catarse: uma purificação da alma por via da expulsão das ideias turvas, das ilusões e dos equívocos que distanciavam a alma de si mesma.
Orientado por seu “demônio*” (daimon), espécie de voz interior que às vezes lhe freava as iniciativas e impedia-o de dialogar com determinadas pessoas, Sócrates escolhia aqueles com os quais a conversa poderia assumir caráter de reconstrução, após o exorcismo propiciado pela ironia. Nessa outra fase do método socrático, o interlocutor – transformado em discípulo – é levado, progressivamente, pela habilidade das questões propostas, a tentar elaborar ele mesmo suas próprias ideias. Não mais a repetição automática de fórmulas consagradas ou chavões herdados, embora ocos de sentido. Agora, de início timidamente, o interlocutor-discípulo é conduzido ao risco de tentar ser ele mesmo, de ele mesmo conceber ideias. E de ser ele mesmo sua própria alma. Sócrates – dando um exemplo que a pedagogia moderna frequentemente tenta reviver – reserva-se nessa fase, chamada maiêutica ou parturição das ideias, um papel semelhante ao de sua mãe, Fenareta (que era parteira). Ela ajudava as mulheres a darem à luz seus filhos; Sócrates, que se dizia ele mesmo estéril – pois só sabia que nada sabia –, procurava auxiliar as pessoas noutra forma de concepção, a das ideias próprias: forma de se ir ao encontro de si mesmo – como prescrevia a inscrição do templo de Delfos – e de fazer de si mesmo seu próprio ponto de partida. Em algumas afirmativas que lhe são atribuídas, Sócrates compara-se aos médicos: como estes, ele submetia, quando necessário, o interlocutor-paciente à purgação da ironia, condição preliminar para a recuperação da saúde da alma, que seria o conhecimento de si mesma. E, na verdade, o sentido da filosofia – que ele identificava com sua sagrada missão – era o de conduzir o indivíduo a pensar como quem se cura: pensando palavras como quem pensa feridas.”
* Demônio: gênio bom ou divindade, e não o sentido posterior de gênio do mal.
(José A. M. Pessanha - Biografia)


“Sócrates reage ao relativismo sofístico. Ao que tudo indica, alicerçado em pressupostos religiosos órfico-pitagóricos, não concebe o conhecimento humano como apenas a sucessão de impressões sensíveis – fugazes e intransferíveis – ou a criação, a partir delas, dos sinais convencionais que constituiriam a linguagem. Se as palavras são geralmente um terreno instável e uma expressão de opinião relativa e insegura, é porque, segundo ele, não estariam acompanhadas da consciência de seu significado. Mas esse significado, por sua vez, deveria emanar da própria alma do indivíduo, que constitui uma unidade subjacente às mutáveis impressões dos sentidos.
Na verdade, Sócrates criou uma nova concepção de alma (psique), que passou a dominar a tradição ocidental. Antes, como em Homero, a psique era o “duplo” que podia se desprender provisoriamente durante o sono ou definitivamente, com a morte, mas que nada tinha a ver com a vida mental ou as “faculdades” da pessoa. Nos órficos, era o princípio superior, que se reencarnava sucessivamente, atravessando o processo purificador que a reconduziria às estrelas e a reintegraria na harmonia universal; mas, enquanto ligada ao corpo, só se manifestava em situações excepcionais – sonhos, visões, transes. Nos pensadores jônicos do século VI a. C, a psique era apenas uma parte do todo: porção do pneuma (ar) infinito que habitava o corpo, vivificando-o provisoriamente até escapar, como último alento, na hora da morte – como em Anaxímenes de Mileto; ou porção de fogo a aquecer e animar o corpo até que afinal retornasse à unidade do Fogo-Razão, o Logos universal “eternamente vivo, que se acende com medida e se apaga com medida” – como em Heráclito de Éfeso. É a partir de Sócrates – ou pelo menos é na literatura referente a ele e que se seguiu à sua morte – que surge a concepção de alma como sede da consciência normal e do caráter, a alma que no cotidiano de cada um é aquela realidade interior que se manifesta mediante palavras e ações, podendo ter conhecimento ou ignorância, bondade ou maldade. E que, por isso, deveria ser o objeto principal da preocupação e dos cuidados do homem.
Essa concepção de alma torna compreensível a tese socrática de que virtude é conhecimento e que, por conseguinte, ninguém erra deliberadamente. Só que aquele conhecimento nada teria a ver com as opiniões flutuantes e geralmente infundadas. O conhecimento que Sócrates identifica à aretê é a episteme (ciência), não a doxa (opinião). E essa episteme – que não pode ser ensinada – não constitui uma ciência sobre coisas ou informações voltadas para a obtenção de prestígio ou de riquezas: é o conhecimento de si mesmo, a autoconsciência despertada e mantida em permanente vigília. Bom é, assim, o homem autoconstruído a partir de seu próprio centro e que age de acordo com as exigências de sua alma-consciência: seu oráculo interior finalmente decifrado.”
(José A. M. Pessanha - Biografia)


“Ficai, porém, certos de que é verdade o que eu dizia há pouco, que muita gente me ficou querendo muito mal. O que me vai condenar, se eu for condenado, não é Meleto, nem Ânito, mas a calúnia e o rancor de tanta gente; é o que perdeu muitos outros homens de bem e ainda os há de perder, pois não é de esperar que pare em mim.”
(Platão - Defesa de Sócrates)


     “Ficai certos, Atenienses: se há muito eu me tivesse votado à política, há muito estaria morto e não teria sido nada útil a vós nem a mim mesmo. Por favor, não vos doam as verdades que digo; ninguém se pode salvar quando se opõe bravamente a vós ou a outra multidão qualquer para evitar que aconteçam na cidade tantas injustiças e ilegalidades; quem se bate deveras pela justiça deve necessariamente, para estar a salvo embora por pouco tempo, atuar em particular e não em público.”
(Platão - Defesa de Sócrates)


“É impossível aprender com mestre que não nos agrade.”
(Xenofonte - Ditos e feitos memoráveis de Sócrates)


“Não há mais belo caminho para a glória que um homem de bem ser o que realmente deseja parecer.”
(Xenofonte - Ditos e feitos memoráveis de Sócrates)


“Mas os que trabalham para ter bons amigos ou para triunfar dos inimigos, para robustecer o corpo e a alma e assim bem gerir sua casa, fazer bem aos amigos, prestar serviços à pátria, como não crer que com tais alvos diante dos olhos suportem com prazer todas as fadigas e vivam felizes, contentes de si próprios, louvados e invejados dos outros homens? Mais: os hábitos de indolência e os prazeres fáceis não podem, no dizer dos ginastas, dar boa compleição ao corpo nem fazer penetrar no espírito nenhum conhecimento apreciável. Ao invés, os exercícios que querem constância nos conduzem à prática de belas e boas ações, como dizem os grandes homens. Disse algures Hesíodo: O vício é sedutor e fácil, seu caminho lhano e breve. Antes da virtude, porém, colocaram os deuses o suor, e a vereda que leva ao cimo é áspera, fragosa e árdua: ganhando-se o alto, todavia, aplaina-se o caminho.
O mesmo testemunho presta Epicarmo neste verso: A felicidade é um bem que nos vendem os deuses. Diz ainda alhures: Malvado, foge à indolência ou teme a dor.
As mesmas ideias exprime o sábio Pródico sobre a virtude em sua obra sobre Hércules, de que fez diversas leituras públicas. Eis, ao que me lembra, pouco mais ou menos o que diz. Conta que Hércules, apenas dobrara a infância, nessa idade em que os jovens, já senhores de si, deixam ver se entrarão na vida pelo caminho da virtude ou do vício, retirou-se para a solidão e sentiu-se incerto quanto à via a escolher. Duas mulheres de avantajada estatura apresentaram-se-lhe ao olhar: uma decente e nobre, o corpo ornado de sua natural pureza, os olhos grávidos de pudor, o exterior modesto, as vestes brancas; a outra toda nediez e moleza, a pele caiada a fim de aparentar cores mais brancas e mais vermelhas, procurando, na postura, parecer mais esbelta do que naturalmente o era, os olhos escancelados; um adereço estudado para realçar seus encantos, mirando-se sem cessar, observando se a contemplavam e a todo momento voltando a cabeça para admirar a própria sombra. Aproximando-se de Hércules, enquanto a primeira conservava o mesmo andar, a segunda, querendo antecedê-la, correu para o jovem herói e disse-lhe:
“Vejo-te, Hércules, incerto do caminho a seguir na vida. Se me quiseres tomar por amiga, conduzir-te-ei pela estrada mais agradável e fácil, provarás todos os prazeres e viverás livre de pena. Primeiro não te ocuparás de guerras nem negócios, mas não cessarás de examinar que iguarias e que bebidas melhor te sabem ao paladar, os objetos que possam deleitar-te os olhos e os ouvidos, acariciar-te o olfato ou o tato, que afeição terá mais encantos para ti, como dormirás mais docemente, como poderás procurar todos estes prazeres com o menor esforço. Se receias venha a faltar-te o necessário para te dares tais doçuras, não temas que eu te obrigue a trabalhar e a penar de corpo e espírito para os adquirires; aproveitarás do trabalho alheio e não te absterás do que quer que possa proporcionar-te ganho: porque dou aos que me seguem a faculdade de em toda parte obter vantagens”.
Hércules, após ouvir estas palavras, indagou-lhe:
“Mulher, qual é teu nome?”
“Meus amigos – respondeu ela – chamam-me a Felicidade, e meus inimigos, para dar-me nome odioso, chamam-me a Perversidade”.
Aí a outra mulher, adiantando-se, disse-lhe:
“Eu também venho a ti, Hércules; conheço os que te deram à luz e desde tua infância penetrei-te o caráter. Assim espero que se tomares o caminho que traz a mim, serás um dia autor ilustre de belos e gloriosos feitos e eu própria me verei mais honrada e considerada dos homens virtuosos. Não te iludirei com promessas de prazeres: expor-te-ei o que existe com verdade e tal qual o dispuseram os deuses. Do que há realmente honesto e belo, nada concedem os deuses aos homens sem sacrifício e diligência. Queres que os deuses te sejam propícios? Preiteia-os. Ambicionas a estima de teus amigos? Beneficia-os. Desejas que uma nação te honre? Serve-a. Queres que a Grécia inteira admire teu valor? Procura ser-lhe útil. Desejas que a terra te prodigalize seus frutos? Cultiva-a. Preferes enriquecer com rebanhos? Apascenta-os. Aspiras a fazer-te grande pela guerra? Queres tornar livres teus amigos e triunfar sobre teus inimigos? Aprende a arte da guerra com aqueles que a conhecem, exercita-te em pôr-lhes em prática as lições. Desejas adquirir força física? Habitua o corpo ao império da inteligência e tempera-o no trabalho e no suor”.
Aí a Perversidade retomando, no dizer de Pródico:
“Compreendes, Hércules – disse-lhe – quão penoso e longo é o caminho da felicidade que te propõe essa mulher? Enquanto eu, é por estrada fácil e breve que te conduzirei à ventura”.
Então a Virtude:
“Mísera! – exclamou – que bens possuis? Que prazeres podes conhecer, tu que nada queres fazer para comprá-los? Sequer deixas nascer o desejo: farta de tudo antes de ter desejado coisa alguma, comes antes da fome, bebes antes da sede. Para comer com prazer, vives à caça de cozinheiros. Para beber com prazer, procuras beber vinhos caríssimos e no verão corres a toda parte em busca de neve. Para dormir agradavelmente, procuras cobertas macias e leitos flexíveis. Porque não é o cansaço e sim a ociosidade que te faz desejar o sono. Em amor, provocas a necessidade antes de senti-la, usas de mil artifícios e te serves tanto de homens como de mulheres. Assim é, em verdade, que formas teus amigos. À noite os degradas e de dia os adormeces durante os instantes mais preciosos. Imortal, foste rechaçada pelos deuses e os homens de bem te desprezam. Nunca te acariciou os ouvidos o mais adulador dos sons, o de um louvor, nem jamais contemplaste uma boa ação praticada por ti. Quem daria fé a tuas palavras? Quem te socorreria na precisão? Qual o homem de bom senso que ousaria misturar-se a teu bulhento cortejo? Os que te seguem, se jovens, são impotentes de corpo; velhos, têm a alma embrutecida. Nédios na juventude, por via da ociosidade, emagrecem ao peso de trabalhosa velhice. Envergonhados do que fizeram, atormentados do que têm de fazer, borboletearam na primavera da vida de prazer em prazer e diferiram as penas para o outono da existência. Eu, ao contrário, estou com os deuses, estou com os homens de bem: entre os deuses como entre os mortais nenhuma bela ação se faz sem mim. Mais que ninguém, recebo eu dos deuses e dos homens legítimas honras, companheira querida que sou do trabalho do artesão, guardiã fiel da casa do senhor, protetora benévola do servidor, gentil associada nos trabalhos da paz, aliada constante nas labutas da guerra, intermediária devotada da amizade. Meus amigos saboreiam com prazer e sem confeição alimentos e bebidas, porque esperam o desejo para comer e beber. O sono lhes é mais agradável que aos ociosos; interrompem-no sem pesar e não lhe sacrificam seus negócios. Jovens, sentem-se felizes dos elogios dos anciãos. Velhos, recebem ditosos os respeitos da juventude. Recordam com deleite as ações pretéritas e realizam prazerosos o que lhes resta fazer. Por virtude minha, são amados dos deuses, caros aos amigos, honrados da pátria. Ao soar a hora fatal, não dormem em olvido sem honra, mas sua memória esplende celebrada de evo em evo. Aí está, Hércules, filho de pais virtuosos, como, trabalhando, podes alcançar a suma felicidade”.
Eis pouco mais ou menos como narra Pródico a lição dada a Hércules pela Virtude, conquanto ornasse seus pensamentos de expressões mais nobres que as por mim usadas neste momento.”
(Xenofonte - Ditos e feitos memoráveis de Sócrates)


“Em todas as ocasiões os homens consentem em sujeitar-se aos que reputam superiores.”
(Xenofonte - Ditos e feitos memoráveis de Sócrates)