domingo, 8 de fevereiro de 2015

O Amante de Lady Chatterley – D. H. Lawrence

Editora: Colecção Mil Folhas
ISBN: 978-85-7232-664-2
Tradução: Maria Teresa Pinto Pereira
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 342
Sinopse: Poucos meses depois de seu casamento, Constance Chatterley, uma garota criada numa família burguesa e liberal, vê seu marido partir rumo à guerra. O homem que ela recebe de volta está paralisado da cintura para baixo, e eles se recolhem na vasta propriedade rural dos Chatterley. Inteiramente devotado à sua carreira literária e depois aos negócios da família, Clifford vai aos poucos se distanciando da mulher. Isolada, Constance encontra companhia no guarda-caças Oliver Mellors, um ex-soldado que resolveu viver no isolamento após sucessivos fracassos amorosos.



“Ambas tiveram a sua tentadora história de amor aos dezoito anos. Os jovens com quem discutiam tão apaixonadamente, com quem cantavam e acampavam debaixo das árvores em completa liberdade, quiseram, evidentemente, relações amorosas. As raparigas estavam indecisas, mas era uma coisa de que se falava muito e parecia ser muito importante. E eles humildes e insistentes. Por que era que uma rapariga não se havia de se comportar como uma rainha e conceder as suas graças?
E assim se deram, como mulheres, cada uma ao jovem com quem tinha discussões mais sutis e íntimas. As conversas, as discussões, eram o ponto importante. A relação amorosa e a ligação eram apenas uma espécie de retorno ao primitivo e constituíam anticlímax. Depois, gostaram menos dos rapazes, e quase sentiam um pouco de ódio, como se eles tivessem violado a sua intimidade, a sua liberdade interior. Porque, evidentemente, toda a dignidade e significado da vida de uma rapariga consistia na obtenção de uma liberdade absoluta, perfeita, pura e nobre. Que mais poderia significar a vida de uma rapariga, para além da rejeição de velhas e sórdidas ligações e emancipação de sujeições?
E, apesar de ser possível sentimentalizar, a parte sexual foi sempre uma das mais antigas e sórdidas ligações e sujeições. Os poetas que a glorificaram eram na grande maioria homens e as mulheres sempre souberam que havia algo de melhor e mais nobre. E agora sabiam-no com maior certeza do que nunca. A bela e pura liberdade de uma mulher era infinitamente mais maravilhosa do que o amor-sexo. Lamentavelmente, os homens estavam muito atrasados em relação às mulheres nesse ponto. Insistiam no ato sexual como cães.
E a mulher tinha de ceder. Um homem era como uma criança com os seus caprichos. A mulher tinha de lhe dar o que ele queria ou como uma criança tornar-se-ia provavelmente desagradável e agitar-se-ia com impaciência e estragaria o que podia ser uma ligação muito agradável. Mas a mulher podia dar-se a um homem sem que o seu eu interior livre cedesse, e a este ponto os poetas e os homens que falaram sobre o sexo não deram suficiente importância. Uma mulher podia conquistar um homem sem se atraiçoar, podia tê-lo sem se submeter ao seu poder, podia usar o sexo para exercer o seu poder sobre ele. Bastava retrair-se no ato sexual e deixá-lo terminar e esgotar-se sem ela ter a sua crise. E então ela podia prolongar o ato e alcançar o orgasmo e a sua crise, enquanto ele era apenas um instrumento.”


“Os homens, gratos às mulheres pela experiência física, deram-lhes um pouco das suas almas. Depois, pareciam mais uma pessoa que perde dez tostões e encontra cinco. O jovem de Connie tinha mau feitio e o de Hilda era trocista. Mas os homens são assim! Ingratos e sempre insatisfeitos; se não são aceitos, odeiam a mulher por não os aceitar; se o são, odeiam-na por qualquer outra razão, ou por nenhuma razão, porque são crianças descontentes e nada os satisfaz, por mais que a mulher faça.”


“Não havia lugar para expectativa ou esperança dentro dele. Odiava a esperança. “Uma enorme esperança atravessou a Terra”, era uma frase que tinha lido não sabia onde, e à qual acrescentou “e destruiu na sua passagem tudo o que valia a pena”.”


“Parece que o mundo possui imensas possibilidades, mas estas, na experiência pessoal, ficam reduzidas a muito poucas.”


“– O exército deixa-me tempo para pensar e evita que eu tenha de enfrentar a batalha da vida.”


“– É verdade, não se pode viver sem dinheiro – comentou May. – Tem de se ter algum para se poder viver, e, para se ser livre, para pensar, é necessário ter dinheiro, senão o estômago não deixa. Mas acho que o sexo não deve ser rotulado. Somos livres para falar com quem nos apetece; por que é que não havemos de ser livres, para fazer amor com uma mulher que nos apetece?
– Fala o celta lascivo – exclamou Clifford.
– Lascivo? Bem, por que não? Não vejo em que posso fazer maior mal a uma mulher dormindo com ela do que dançando ou falando sobre o tempo. É apenas uma troca de sensações em vez de ideias, portanto qual é o mal?
– A promiscuidade dos coelhos – respondeu Hammond.
– Por que não? O que é que os coelhos fazem de mal? São piores do que os homens neuróticos, revolucionários, cheios de raiva?
– Mas nós não somos coelhos – insistiu Hammond.
– Exatamente. Tenho uma vida de espírito. Tenho de fazer cálculos em assuntos de astronomia que me preocupam quase mais do que a vida ou a morte. Às vezes sofro de indigestão. A fome far-me-ia muito mal, exatamente como a falta de atividade sexual. Qual seria a diferença? (...)
– Se sentimos em relação a uma mulher emoção e simpatia, temos obrigação de dormir com ela – respondeu May. – É a única coisa decente a fazer, ir para a cama com ela. Exatamente como quando estamos interessados em falar com alguém, a única coisa decente é falar. Não colocamos a língua entre os dentes e a mordemos pudicamente. Se é a vez de falar, fala-se. Com o amor é o mesmo.”


“O ódio é uma coisa que cresce, como todo o resto. É a consequência inevitável da violência que impomos aos nossos instintos e sentimentos mais profundos, para estarem de acordo com as nossas ideias. Guiamo-nos por uma fórmula, como uma máquina. O espírito lógico pretende ordenar tudo, e esse tudo converte-se em ódio.”


“– Por que é que os homens e as mulheres de hoje não gostam uns dos outros? (...)
– A mulher quer que um homem goste dela e fale com ela, mas, ao mesmo tempo, que a ame e a deseje, e parece-me que as duas coisas se excluem mutuamente.”


“Entretanto, a vida ia passando. Ela compreendia perfeitamente a razão da existência dos coquetéis, do jazz do charleston até à exaustão. Era necessário dar um escape à juventude, sob pena de ela devorar o indivíduo. Horrível, a juventude, quando os jovens se sentem tão velhos como Matusalém, e, apesar de tudo, qualquer coisa ferve por dentro e não dá alívio. Que vida! Sem qualquer perspectiva de futuro!”


“Connie dirigiu-se lentamente para Wragby. Para “casa”! Casa era uma palavra calorosa para aquela enorme barraca triste. Outrora tivera significado, mas perdera-se. Todas as palavras grandiosas tinham perdido o significado para a geração de Connie: amor, alegria, felicidade, casa, mãe, pai, marido – numa agonia prolongada. A casa era o lugar onde se vivia, o amor uma coisa sobre que não havia ilusões, alegria a palavra que se aplicava a um bom charleston, felicidade o termo hipócrita para enganar os outros, o pai um indivíduo que gostava da vida, o marido aquele com quem se vivia e se compartilhava o bom humor. O sexo, a última das palavras grandiosas, não passava de um termo de coquetel para traduzir uma excitação que animava por uns escassos momentos, mas que depois deixava a pessoa mais desprotegida do que nunca. Um desgaste como se as pessoas fossem feitas de matéria de má qualidade que se ia desfazendo até ficar em nada.
Tudo o que realmente subsistiu foi um estoicismo obstinado, de que era possível extrair prazer. A própria experiência do vazio da vida, fase por fase, etapa por etapa, trazia uma forma tristonha de satisfação. É assim! – era sempre a última palavra: casa, amor, casamento, Michaelis: é assim! E à hora da morte, as últimas palavras à vida seriam: é assim! (...)
“E o dinheiro? Com o dinheiro não se pode dizer o mesmo, as pessoas sempre quiseram o dinheiro. O dinheiro, o êxito, a deusa-cadela da Glória – como Tommy Dulkes dizia sempre parafraseando Henry James –, eram uma necessidade permanente. Não se pode gastar o último tostão e depois dizer: é assim! Não, porque é preciso dinheiro para isto ou para aquilo, mesmo que seja para mais dez minutos de vida. Num desenrolar mecânico, para tudo é preciso dinheiro. É preciso tê-lo, tem de se ter dinheiro. Nada mais interessa. É assim! Já que não temos culpa de estar vivos, mas como estamos, o dinheiro é uma necessidade, a única necessidade absoluta. Pode-se passar sem todas as outras coisas, em caso de emergência, mas não sem dinheiro. Enfaticamente. É assim!”


“O amor, o sexo, e todo o resto era como se fossem apenas sorvetes de frutas. Se a pessoa os devorar e os esquecer, se se convencer que não significavam nada, não significam mesmo. Especialmente o sexo!... Por uma decisão mental, o problema fica resolvido. Sexo e um coquetel: duraram mais ou menos o mesmo tempo, tiveram o mesmo efeito e conduziram ao mesmo fim.”


“As palavras é que violam tudo – as palavras e as frases feitas que sugavam a seiva das coisas vivas. (...)
Violado! Podia-se ser violado sem o menor contato. Violado por palavras mortas tornadas obscenas, por ideias mortas convertidas em obsessões.”


“– Todos os homens são crianças, quando se conhecem. Lidei com os indivíduos mais rudes que passaram pela mina de Tevershall. Mas se alguma coisa de mal lhes acontece e precisam que alguém trate deles, são umas crianças, crianças grandes. Oh, os homens não são muito diferentes!”


“Connie ouvia longas conversas travadas entre os dois, a maior parte das vezes era a senhora Bolton quem falava. Revelava-lhe com todos os pormenores as novidades da aldeia de Tevershall. Não era só má-língua. Eram também Gaskell, George Eliot, Miss Mitford, tudo isto junto, e mais umas tantas coisas que ficavam por dizer. Quando começava, a senhora Bolton era melhor do que qualquer livro sobre a vida das pessoas. Conhecia-as tão intimamente, interessava-se tanto com o que se passava com elas! Era uma coisa maravilhosa e humilhante ouvi-la. Ao princípio não se tinha atrevido a “falar de Tevershall” com Clifford, mas depois da primeira vez, nunca mais hesitou. Clifford escutava por causa do “material”, que descobriu em grande quantidade. Connie compreendeu que a pseudogenialidade dele residia exatamente nisso: uma perspicácia especial para a má-língua sobre as pessoas, inteligente e aparentemente desconexa. A senhora Bolton evidentemente “falava” de Tevershall com muito entusiasmo, era levada pelas suas próprias palavras. Extraordinário tudo o que se passava e que ela sabia. Teria dado para dúzias de livros.
Connie sentia-se fascinada quando a escutava, mas logo a seguir um pouco envergonhada. Não devia escutar com aquela estranha e apaixonada curiosidade. Afinal, era possível ouvir as histórias mais íntimas de outras pessoas, mas num espírito de respeito por essa coisa que luta e que sofre: a alma humana. É necessário um espírito de simpatia delicada, discriminativa. Porque até a sátira é uma forma de simpatia. O que determina realmente a vida de uma pessoa é exatamente a maneira como a simpatia se dá e se retira. E neste ponto reside a enorme importância do romance, se for corretamente manuseado. Pode informar e conduzir a novos lugares a corrente da nossa consciência complacente e pode libertar a nossa simpatia de coisas já mortas. Por isso, o romance corretamente manuseado pode revelar os lugares mais recônditos da vida. E são esses lugares da vida, recônditos, dominados pela paixão, que a maré do conhecimento sensível deve banhar e neles deve penetrar para os purificar e refrescar.
Mas o romance, como a má-língua, pode também excitar simpatias e aversões falsas, mecânicas e insensíveis para o espírito. O romance pode glorificar os sentimentos mais corruptos, desde que sejam convencionalmente “puros”. Então o romance, como a má-língua, acaba por se converter num vício terrível, porque se coloca sempre, e ostensivamente, ao lado dos anjos. A má-língua da senhora Bolton estava sempre do lado dos anjos. “Ele era tão mau, e ela era tão boa.” No entanto, Connie percebia, pela maneira como ela contava as coisas, que a mulher era do tipo de falinhas mansas e que o homem era colérico mas honesto. Mas a honestidade encolerizada fazia dele um “homem mau”, e a melifluidade fazia dela uma “mulher boa”, dentro da corrente de simpatia, viciosa e convencional, da senhora Bolton. E por tudo isto era humilhante escutá-la. Pela mesma razão, a maior parte dos romances, sobretudo os populares, são humilhantes. O público só adere quando se apela para os vícios.”


“Não percebo como é que poderia haver bolchevismo, quando o que todos os rapazes querem é dinheiro para se divertirem e as raparigas é a mesma coisa e terem bonitos vestidos, não querem saber de mais nada. Não têm cabeça para ser socialistas nem sabem tomar as coisas a sério, nem nunca saberão.”


“Regressou ao negrume, ao isolamento do bosque, sabendo que essa solidão era ilusória. Os ruídos da indústria podiam quebrá-la, as luzes penetrantes, apesar de ocultas, zombavam dela. Um homem já não podia estar só. O mundo não permite que haja eremitas. Tendo tomado a mulher, expusera-se a um ciclo de sofrimento e fatalidade. Sabia por experiência o que isso significava. A culpa não era da mulher, nem do amor, nem das relações sexuais. A culpa era de outras coisas, daquelas luzes elétricas maléficas e dos ruídos ásperos e diabólicos das máquinas, daquele mundo mecanicamente ávido, daquele mecanismo insaciável e da avidez mecanizada, que pareciam lucilar e jorrar metal quente e bramir com o tráfico, lá se estendia aquele mundo diabólico pronto a destruir tudo o que não se lhe submetesse. Em breve acabaria por destruir o bosque, e as primaveras deixariam de nascer. Todas as coisas vulneráveis têm de morrer sob o peso do ferro.
Pensou na mulher com uma ternura infinita. Aquela mulher perdida, bastante mais atraente do que ela julgava. Oh, demasiado delicada para o meio rude em que vivia integrada. Tinha qualquer coisa de vulnerabilidade dos jacintos selvagens, não era de borracha e platina como as raparigas modernas. E acabariam por matá-la! Tal como a vida, acabariam por matá-la, como a todos os seres vivos, naturais e ternos. Ternos! Ela tinha a ternura dos jacintos a crescer, e que a mulher de hoje, feita de celuloide, tinha perdido. Mas ele protegê-la-ia com o seu coração durante um tempo. Até que o mundo de ferro insensível e o Mamon da cobiça mecanizada os matasse, aos dois.”


“A agradável Inglaterra! A Inglaterra de Shakespeare! Não a velha Inglaterra de Shakespeare, mas a de hoje, era o que descobria Connie, desde que ali vivia. Estava a produzir uma nova raça da humanidade, hipersensível ao dinheiro e aos aspectos sociais e políticos, mas morta em relação a tudo o que é espontâneo e intuitivo. Uma raça de cadáveres dotados de uma consciência terrível e persistente. Tudo aquilo tinha qualquer coisa de sinistro, de obscuro. Era um mundo subterrâneo, imperscrutável. Como é possível captar as reações dos cadáveres? Connie quando viu as grandes camionetas cheias de operários da siderurgia de Sheffield, semelhantes a homens, uns seres estranhos, deformados e um tanto baixos, que iam numa excursão a Matlock, sentiu-se desmaiar, e pensou: “Meu Deus, o que o homem pode fazer ao homem! O que os seus chefes fizeram aos homens seus iguais! Reduziram-nos a qualquer coisa abaixo do humano, e não pode haver fraternidade entre eles. Que pesadelo!”
Sentiu-se de novo invadida por uma onda assustadora da inutilidade cinzenta e fragmentada de todas as coisas. Aqueles seres constituíam a massa industrial, os outros que ela conhecia, as classes dirigentes, não havia nenhuma esperança... já não havia nenhuma esperança.”


“Quando conhecemos bem os homens, chegamos sempre à conclusão que são demasiado sensíveis onde não deviam ser.”


“Em tempo de guerra não se limpam armas.”


“– Quando penso que o mundo está condenado e se condenou pela sua baixeza, sinto que as colônias não estão suficientemente longe. Nem mesmo a Lua está longe, porque mesmo de lá se pode ver a Terra suja, brutal e insípida entre as outras estrelas, a Terra que os homens fizeram ignóbil. Sinto que engoli fel, que me devora, e nenhum lugar é suficientemente afastado para nos podermos refugiar. Mas de cada vez que recomeço, esqueço-me do resto. É vergonhoso o que vem a acontecer às pessoas nestes últimos cem anos: os homens transformados em insetos de trabalho, destituídos de humanidade, de vida. Eu eliminaria todas as máquinas da face da Terra, acabaria com a era industrial, como se fosse um erro lamentável. Mas, como o não posso fazer, nem ninguém, quero viver em paz a minha própria vida, se é que a tenho, o que duvido.”


“– E o seu marido? Também tinha de o estimular e mimar como se fosse uma criança? – perguntou, fitando a outra mulher.
– Bem, tinha de o adular um pouco. Mas ele percebia muito bem que tinha de ceder, e, geralmente, cedia.
– Não era mandão e autoritário?
– Não. Por vezes tinha uma expressão autoritária e eu percebia que tinha de ceder. Mas, geralmente, quem cedia era ele. Não, nunca foi autoritário nem mandão, mas eu também não era. Sabia muito bem quando não devia insistir com ele, e cedia. Embora por vezes me custasse.
– E se tinha de discutir com ele?
– Não sei, nunca discuti. Mesmo quando ele não tinha razão, se o via convencido, cedia. Sabe, eu não queria destruir o que existia entre nós. E se uma mulher se opõe à vontade de um homem, não se entendem. Quando se gosta de um homem é necessário ceder, se ele está realmente determinado, tenha ou não razão. Senão quebra-se qualquer coisa. Mas devo confessar que o Ted cedia muitas vezes, quando me via determinada, mesmo que eu não tivesse razão. É o mesmo de parte a parte.”


“As pessoas! As pessoas eram todas iguais, com pequenas diferenças. Só queriam dinheiro.”


“Temos uma vasta população industrial que tem de ser alimentada, portanto a máquina tem de continuar a trabalhar, custe o que custar. As mulheres protestam mais do que os homens, e com mais convicção. Os homens não têm energia, sentem-se como que perseguidos, mas não reagem. De resto, nenhum saberia o que fazer, embora todos falem. Os jovens queixam-se de não ter dinheiro para gastar. A vida deles depende exclusivamente do dinheiro, e não o têm. Na nossa civilização, e devido à nossa educação, a massa depende inteiramente do dinheiro que pode gastar, e agora há pouco. As mulheres estão desesperadas, mas também são as que gostam de gastar dinheiro.
Se ao menos fosse possível explicar-lhes que viver e gastar dinheiro não significa o mesmo! Mas não vale a pena. Se lhes ensinassem a viver em vez de pensarem em gastar dinheiro, poderiam viver mais felizes com os seus vinte e cinco xelins por semana. Se os homens usassem calças vermelhas, como eu costumo dizer, não pensariam tanto no dinheiro. Podiam dançar, saltar e cantar, pavonear-se e ser elegantes e precisariam de pouco dinheiro. E poderiam divertir as mulheres e as mulheres poderiam diverti-los. Deviam aprender a ser nus e belos, a cantar e a dançar em grupos, a fabricar os seus instrumentos, a bordar os seus emblemas. E não precisariam de dinheiro. Esta é a única solução para o problema industrial: treinar as pessoas para conseguirem viver, e viver bem, sem necessidade de gastar. Mas é impossível. Hoje em dia as pessoas são limitadas, e a grande massa nem mesmo procura pensar, porque não sabe: devia ser viva e alegre e adorar o deus Pan, que é o grande deus das massas. A elite pode ter outros cultos, mas seria melhor que as massas fossem pagãs.
Mas os mineiros não são pagãos, muito longe disso. São uma gente triste, morta, morta para o amor, para a vida. Os mais jovens andam com as raparigas nas motos e vão dançar jazz quando podem. Mas estão mortos por dentro. Para tudo precisam de dinheiro, e o dinheiro envenena quando se tem e quando não se tem.”

Um comentário:

Sugestão de Livros disse...

Gostei bastante dos trechos, muito bom!