terça-feira, 6 de janeiro de 2015

São Jorge dos Ilhéus – Jorge Amado

Editora: Record
ISBN: 978-85-010-5546-0
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 400
Sinopse: Jorge Amado considerava São Jorge dos Ilhéus (publicado em 1944) uma continuação natural de seu romance anterior, Terras do sem-fim (1942). Se este, ambientado no campo, narra a saga dos pioneiros e as guerras sangrentas pela posse da terra, aquele, tendo Ilhéus como cenário principal, fala do momento em que, pacificada, a região colhe os frutos da exportação de cacau e se moderniza.
Nesse contexto, em que os confrontos de jagunços foram substituídos pelo jogo na bolsa de valores e pelas intrigas políticas, pululam os personagens mais díspares: prostitutas, jogadores, exportadores estrangeiros, militantes comunistas, filhos de coronéis transformados em bacharéis ociosos, poetas de fim de semana, artistas de cabaré.
Durante uma alta de preços forçada astuciosamente pelos exportadores, com o intuito de ludibriar os velhos coronéis e açambarcar suas terras, a cidade de Ilhéus vive uma breve idade do ouro, com uma vida noturna vibrante, e recebe aventureiros de todos os pontos do país e até do exterior.
Jorge Amado entrelaça os destinos de uma dúzia de personagens das mais variadas extrações, narrando de modo envolvente seus dramas e suas comédias, seus sonhos, traições, vinganças.



“O coronel Frederico Pinto, que se movia na cadeira, sorria para a mulher. Escolhera aquela cadeira de propósito. Dali podia sorrir à vontade, pinicar o olho, atirar beijinhos com os lábios, sem que os demais notassem, já que ele dava as costas tanto a Pepe como a Rui Dantas, sentado no sofá, atrás. Para o coronel essa letra de tango não diz nada, ele nem entende direito esse castelhano arrevesado, de palavras cortadas, línguas de bordeis do Prata. Só a música lenta e viciosa lhe lembrara as noites na cama, noites de carícias como o coronel Frederico nunca imaginara que existissem. Nas suas relações sexuais com a esposa sempre primara certa gravidade cheia de pudor. Dormiam juntos, faziam filhos. Era bem isso: faziam filhos. Mas realmente Frederico nem conhecia os detalhes do corpo da mulher, corpo que fora crescendo de ano para ano até se transformar naquela coisa informe, uma massa escandalosa de carnes. Dos seus contatos sexuais com a esposa, Frederico só guardava como recordação lamentável os gritinhos fracos que ela soltava no fim do ato. Aliás ele, em geral, terminava antes dela e aqueles gritinhos, saindo de um corpo tão volumoso, lhe causavam asco. E esses contatos iam rareando dia a dia, o coronel procurando, cada vez que ia à cidade ou aos povoados, as prostitutas de corpo melhor proporcionado que o da esposa. Com elas é que o coronel aprendeu algumas dessas carícias que prolongam o amor. Mas, ainda assim, eram feitas com aquele ar profissional que chocava até mesmo a um homem como o coronel Frederico Pinto. Lola foi o descobrir de tudo, do amor, das carícias, da vida. Para este homenzinho nervoso e rico, lavrador que passara a maior parte da sua vida metido entre árvores e animais da floresta, Lola era o maior bem do mundo, formosura nunca vista antes, delírio inesperado e definitivo. Frederico Pinto tinha mulher, filhos e fazendas de cacau. Era respeitado em toda a zona, era um dos homens da terra. Mas de bom grado deixaria isso tudo, a terra, as fazendas, a mulher e os filhos, para seguir com Lola pelos caminhos do mundo. A posse da loira argentina lhe trouxe uma enormidade de sentimentos novos, ele se sentia como um jovem que iniciasse a vida. Com certeza muitos o julgariam ridículo, mas o coronel nunca se deu conta disso. Vivia como que fora da Terra, num mundo de sonho. Aquelas carícias, de incríveis sutilezas, com que Lola mesclava a posse, não fizeram com que o coronel a julgasse uma prostituta mais refinada que as outras. Ao contrário, elas fizeram com que Frederico julgasse Lola ainda mais digna e mais pura. Para ele aquelas carícias, lábios que percorriam o corpo em beijos prolongados, mãos sábias como sexos, boca corrompida, tudo lhe parecia amor, extremado amor, nada lhe falava de vício. Para ele também esse tango que ela canta nada tem de vicioso, é apenas triste, versos de amor que ela lhe diz com sua voz melodiosa. E o coronel abre e cerra os lábios, atirando ridículos beijinhos à mulher que canta.”


“Os filhos dos coronéis malandreavam nos cafés e o dr. Rui Dantas, em certa noite de porre, os definira com uma frase, que o poeta Sérgio Moura dizia ser a sua única frase inteligente e justa:
– Somos uma geração fracassada...
O poeta não concordava no entanto com a segunda parte da frase.
– Em compensação sabemos beber, o que pouca gente sabe...”


“No verão o sol é dono de tudo.”


“– Cada homem vale para nós. Vale mais que qualquer coisa, companheiro Sérgio. Os capitalistas têm dinheiro e compram tudo: justiça, polícia, padres, governo, tudo. Nós comunistas só temos um capital: os companheiros...”