quinta-feira, 29 de maio de 2014

Musashi: As Duas Forças – A Harmonia Final – Eiji Ishiokawa

Editora: Estação Liberdade
ISBN: 978-85-7448-168-5
Tradução: Leiko Gotoda
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 504
Sinopse: Ver Parte I


“– Iori!
– Pronto, senhor! 
No instante em que respondeu, o menino já estava ajoelhado aos pés de Musashi. Esse era um hábito que Musashi vinha incutindo com rigor em seu discípulo nos últimos tempos. Joutaro não tinha sido educado desse modo porque Musashi acreditara, à época, que uma criança devia ter a liberdade de agir como bem entendesse, e que essa seria a maneira correta de promover o crescimento natural de um ser. Ele próprio fora criado assim. Com o passar dos anos, porém, seu modo de pensar alterou-se. O homem tinha tendências naturais que precisavam ser estimuladas e outras que, ao contrário, deviam ser inibidas. Deixadas à vontade, certas qualidades indesejáveis vicejavam, enquanto outras, positivas, estagnavam. Era uma realidade, que constatava até com relação às plantas que cortara para construir a choupana: árvores que gostaria de ver brotando uma vez mais desapareciam para sempre, enquanto arbustos inúteis e ervas daninhas tornavam a medrar por mais que os ceifasse.”


“O verdadeiro significado dos acontecimentos que marcam uma vida só podem ser avaliados com precisão ao fim dela.”


“Nem que mil anos se passem, um homem não consegue apagar da face da terra as marcas de suas ações, sejam elas boas ou más. Elas são como manchas de tinta negra sobre papel branco.”


“A verdade a que chega um sábio confinado no aposento nem sempre coincide com a verdade do mundo real.”


“O monge Gudo sempre dizia: “Ser rounin não é andar a esmo, pois andar a esmo é simplesmente ser um nômade. O verdadeiro rounin é íntegro e dotado de firme propósito, e carrega no peito a tristeza de sua condição nômade. O verdadeiro rounin não busca fama e riqueza, não se deixa atrair pelo poder; na carreira pública não tenta usar o poder político para proveito próprio; o particular nunca entra em questão quando a justiça é envolvida; é distante, livre e transparente como nuvem branca, mas sua ação é rápida como o desabar de um aguaceiro; encontra conforto na pobreza, não perde tempo lamentando insucessos...”.
– Também me lembro de ouvi-lo dizer que esse tipo de rounin era tão raro quanto pérolas no vasto oceano; contudo, examinando a história deste país, quantos rounin não houve que sacrificaram suas vidas incógnitos para salvar o país em momentos de crise? Um grande número de rounin desconhecidos estão hoje enterrados no solo desta pátria, são eles os pilares que sustentam este país...”


“Não há nada mais triste, para um homem, que ter a fama superando-lhe a capacidade.”


“Quando se vence um obstáculo difícil, experimenta-se em seguida a satisfação que supera todo o sofrimento. Na vida, sofrimentos e prazeres são ondas que se intercalam a todo momento. E se o homem procura espertamente navegar apenas nas ondas do prazer, permanecendo indolente, perderá o sentido da vida, alegrias ou prazeres deixarão de existir para ele.”


“A angústia dos acometidos pelo mal da inércia só pode compreender quem já a experimentou alguma vez. Ócio é algo com que todo ser humano sonha. O mal da inércia, entretanto, fica longe da agradável sensação de descanso e paz que o ócio proporciona: quem por ele é acometido não consegue agir, por mais que se empenhe. Mente amortecida e visão embaçada, o enfermo debate-se na poça do próprio sangue. Está doente, mas o corpo não apresenta alterações. Batendo a cabeça na parede, sem conseguir recuar ou progredir, preso num vácuo imobilizante, a pessoa sente- se perdida, duvida de si mesma, despreza-se, e por fim chora.”


“A desordenada selvageria, herança do período Sengoku, ainda persistia. Tramas e maquinações faziam parte do cotidiano de todos os homens, tornando-os extremamente cautelosos e desconfiados, não lhes permitindo confiar sequer nas próprias mulheres: a grande doença social que por algum tempo ameaçara romper até os sagrados laços do sangue continuava presente no seio do povo. Musashi, mais que ninguém, tinha motivos para ser cauteloso. Era grande o número de pessoas que tinham tombado sob sua espada, ou sido expulsas do convívio dos pares por sua causa. Somada à dos discípulos e parentes dessas pessoas, a quantidade de gente sedenta de vingança vagando pelo país em busca dele devia ser inacreditável. Ele podia ter tido razão e o duelo sido justo, mas visto pelo prisma dos vencidos, Musashi era simplesmente o inimigo. Um bom exemplo era a velha mãe de Matahachi. Por tudo isso, o perigo era uma constante na vida dos que trilhavam o caminho da espada nesses dias, e o aniquilamento de uma ameaça representava o surgimento automático de muitas outras, o crescimento da cadeia de inimigos. Não obstante, o perigo era também mó de incomparável qualidade, e os inimigos, preciosos mestres. Afiado pelo perigo que ameaça o sono sem tréguas, ensinando por intermédio de inimigos que buscam incessantemente uma brecha para matar, o caminho da espada é ainda o instrumento capaz de dar vida às pessoas, governar a sociedade, proporcionar a quem o trilha a grande paz da suprema Iluminação; é enfim, em sua essência, a expressão do sonho de compartilhar com todas as pessoas a alegria de viver eternamente em paz.”


“O raciocínio, não só nas artes marciais, mas em quase tudo, deve ser composto na calma do cotidiano. Na prática, as situações de perigo exigem resoluções instantâneas. Aqui, os raciocínios não têm valor: vale a intuição. O raciocínio é sem dúvida parte da própria trama da intuição, mas tem qualidade lenta, inútil em uma emergência, razão por que muitas vezes conduz à derrota. A intuição, por outro lado, é algo comum a todos os animais, até aos irracionais, de modo que é facilmente confundida com a capacidade extra-sensorial, não racional. Mas a intuição em indivíduos inteligentes e adestrados supera o raciocínio, atinge num piscar de olhos seu ápice e apreende com acerto a melhor solução para a emergência.”


“A vitória, todavia, nem sempre é de quem se empenha mais, assim como a derrota nem sempre é do arrogante. O imponderável, algo além das forças humanas, tem parte nesse jogo. Isto é normal num duelo e faz parte do cotidiano de um guerreiro.”


“– Este será um duelo entre dois hábeis espadachins: um, que possui aptidão natural e é arrogante; o outro, que sabe de suas limitações e se empenhou em polir a própria habilidade. 
– Não acho que Musashi-sama seja limitado. 
– Mas também não nasceu com o dom. Nada nele lembra a displicência do gênio que confia cegamente em seu talento. Mestre Musashi sabe que é homem comum e por isso se empenha incessantemente em polir suas habilidades. A agonia por que passa nesse processo só ele sabe. E quando, em determinado momento, essa habilidade alcançada com tanto custo explode em cores, o povo logo diz que a pessoa tem aptidão natural. Aliás, é a desculpa que os indolentes dão para justificar a própria incapacidade.”


“É claro que podes te adestrar num templo, mas o mais difícil é fazê-lo no mundo. Gente existe que repudia tudo que é sujo e conspurcado e se abriga no templo em busca da pureza. Entretanto, verdadeiramente se adestra aquele que convive com a mentira, a impureza, a dúvida e a competição; enfim, com todos os tipos de tentação, e não se deixa macular.”


“Lançou um olhar casual sobre a borda do bote e contemplou a água azul, turbilhonante. O mar era profundo, inescrutável. A água tinha vida, vida eterna, mas não forma. E enquanto o homem continuasse preso à forma, não alcançava a vida eterna. Só depois de perder a forma é que a teria, ou não. Vistas sob esse prisma, morte e vida eram tão insignificantes quanto uma bolha na superfície da água.”

2 comentários:

Sugestão de Livros disse...

Gostei dos trechos:

“Nem que mil anos se passem, um homem não consegue apagar da face da terra as marcas de suas ações, sejam elas boas ou más. Elas são como manchas de tinta negra sobre papel branco.”


“A verdade a que chega um sábio confinado no aposento nem sempre coincide com a verdade do mundo real.”

e o principal:

"Mestre Musashi sabe que é homem comum e por isso se empenha incessantemente em polir suas habilidades. A agonia por que passa nesse processo só ele sabe. E quando, em determinado momento, essa habilidade alcançada com tanto custo explode em cores, o povo logo diz que a pessoa tem aptidão natural. Aliás, é a desculpa que os indolentes dão para justificar a própria incapacidade.”

Unknown disse...

Preciso deste livro!