segunda-feira, 6 de maio de 2013

Dossiê Fidel Castro: vida, aventuras e desventuras do último grande revolucionário da história – Rodolfo Lorenzato

Editora: Universo dos livros

ISBN: 978-85-99187-96-8

Opinião: ★★☆☆☆

Páginas: 112

Sinopse: Este livro elucida o mistério por trás dessas várias facetas de Fidel Castro, mostrando por que ele, suas ações e sua vida continuarão a ser relatados por muitos anos, seja com admiração, com crítica, ou até com desprezo. Seu conteúdo retrata a infância do filho ilegítimo de um fazendeiro, a juventude como estudante de Direito, os anos, ora aventurosos, ora aborrecidos e cheios de perigo de morte, da guerrilha e da revolução, as relações com companheiros e adversários, e veja por que classificar Fidel Castro vai muito além das palavras “caudilho”, “ditador” ou “revolucionário”.



“Para seus defensores, Fidel foi um estadista corajoso que chegou ao poder por meio de uma luta justa, combatendo de maneira heroica e épica todo o tipo de injustiça e exploração a que Cuba estava sujeita. Foi capaz de implantar mudanças profundas na sociedade cubana, sem se curvar ao império capitalista que usava a ilha como “estância de férias particular” e submetia o povo cubano a suas vontades. Priorizou a saúde e educação do povo, sem discriminar classes sociais, valorizou o cidadão comum e ideais nobres, propiciou acesso à cultura e aos esportes e conseguiu levar a ilha a indicadores sociais de primeiro mundo, destacando-se dos vizinhos caribenhos e latino-americanos. O apoio da maioria do povo cubano legitima os atos de seu governo.

A grande maioria dos problemas cubanos, ainda no entendimento de seus admiradores, advém do embargo econômico imposto pelos Estados Unidos, o que priva a ilha de uma série de produtos essenciais a seu bom funcionamento. A rigidez do regime é necessária para impedir que o capitalismo corrompa a estabilidade adquirida. Cuba (especialmente Havana), era conhecida como uma ilha de belas praias e cassinos, repleta de prostitutas e voltada, exclusivamente, para o entretenimento norte-americano. A imagem do povo cubano estava denegrida e maculada, mas, após Fidel, Cuba passou a se ver como uma nação orgulhosa de suas conquistas, do valor de seu povo e da determinação de seu comandante-em-chefe.”

 

 

“Um fato curioso na infância de Fidel foi relatado por ele próprio. Escreveu uma carta “ao bom amigo” Franklin Roosevelt, então presidente dos Estados Unidos, pedindo um presente, uma nota de dez dólares. Recebeu uma resposta, muito comentada na escola, porém uma resposta padrão, provavelmente redigida por um assessor e dirigida a todos que escrevessem ao presidente. Em entrevista recente, Fidel relembra o episódio com humor:

Disseram-me como piada, que se Roosevelt tivesse me enviado os dez dólares, eu talvez não tivesse causado tantas dores de cabeça aos EUA.

 

 

“No fracassado assalto ao quartel Moncada, apenas seis aliados de Fidel perderam a vida nos combates e cerca de outros 60 foram assassinados posteriormente. Esse provavelmente seria o destino do comandante, caso não conhecesse o tenente Sarriá, responsável por sua captura e por lhe salvar a vida. Não fosse o tenente, Fidel teria morrido em 1953 e a História e o mundo seriam completamente diferentes.

Preso, porém vivo, Fidel passou a ser conhecido e a representar uma ameaça real a Batista. Todos queriam sabem quem era o responsável por aquela ação tão arriscada. Castro foi a julgamento e coube a ele próprio elaborar sua defesa, que culminou em um discurso histórico, de mais de 5 horas, em que fundamentou os ideais que viriam a ser sua bandeira no futuro e encerrou sua defesa com a célebre frase: “Condenai-me, não importa, a História me absolverá!”.

Quando compareceu pela primeira vez ao tribunal, em 21 de setembro de 1953 (Causa 37), o procurador quis saber de Fidel quem era o autor intelectual do ataque ao quartel de Moncada. A resposta, enfatizando que ninguém tinha de se preocupar, era que o único autor do ataque ao Moncada era José Marti (herói da independência cubana). Com declarações contundentes e convincentes argumentos, Fidel passou de acusado a acusador. Em nenhum momento se preocupou em declarar-se inocente, ao contrário, aproveitou a repercussão nacional do julgamento e a presença massiva da imprensa para invocar o princípio da legitimidade de insurgir-se contra um regime ilegal. De forma brilhante, conseguiu com sua defesa transformar o fracasso da ação militar em uma vitória política retumbante.”

 

 

“O povo cubano sentia na pele a força da repressão do governo de Batista e o discurso de Fidel pareceu acender uma esperança de renovação, de mudança de rumo político, com um governo mais democrático e menos corrupto e explorador, algo que parecia até então intangível. Castro passou a representar a personificação de toda essa mudança. Abaixo, um trecho extraído do discurso que serviu de base revolucionária e ajudou a inspirar os cubanos:

Há uma razão, porém, que nos assiste, mais poderosa que todas as outras: somos cubanos. E ser cubano implica em um dever, não cumpri-lo é um crime de traição. Vivemos orgulhosos da história de nossa pátria; aprendemo-la na escola; e crescemos ouvindo falar de liberdade, de justiça e de direitos. Ensinaram-nos a venerar desde cedo o exemplo glorioso de nossos heróis e nossos mártires. (...)

Quanto a mim, sei que a prisão me será mais dura, como nunca foi para qualquer outro. Sei que ela será pesada, de ameaças vis e covardes provocações, mas não a temo, como não temo a fúria do tirano miserável que ceifou a vida de 70 de meus irmãos. Condenai-me, não me importa. A História me absolverá!.

Fidel castro foi condenado a quinze anos de prisão que deveriam ser cumpridos na prisão da ilha de Los pinos. Devido a pressões populares (nacionais e internacionais) e a uma decisão desastrosa de Batista, acabou anistiado em menos de dois anos. (...)

Acuado pelas críticas a seu governo extremamente pró-americano, Fulgencio Batista procurou legitimar seu golpe pelo voto, convocou eleições e, na hora do pleito, foi eleito como candidato único.

O Movimento Revolucionário 26 de julho (MR 26 de Julho – data do assalto ao quartel Moncada) foi batizado oficialmente em uma reunião em 12 de julho de 1955 e tinha como objetivo final a deposição do governo de Batista. Organizou-se sob o comando de Fidel castro em distintas seções, voltadas para a ação armada, finanças, propaganda e ainda preocupações na área sindical e da juventude. (...)

Aproveitando-se da aparente democracia, Fidel foi às rádios e aos periódicos denunciar os crimes praticados por Batista. Mais uma vez os estragos causados por sua afiada oratória foram grandes. O poder de convencimento de Fidel era enorme e ele precisava ser calado. Seu acesso aos meios de comunicação ficou proibido e Batista promoveu uma verdadeira campanha de difamação na tentativa de intimidá-lo. Seu assassinato era algo que passou a ser fortemente considerado pelo governo.

Sentindo o cerco se fechando, Fidel decide partir em direção ao México para organizar o golpe final contra Batista. Seria o mais perigoso, seria o derradeiro. Deixou Cuba em 07 de julho de 1955, disposto a regressar para promover a revolução e para dar a vida à sua luta se preciso fosse. Suas intenções se tornaram claras na mensagem deixada antes de partir:

Estou saindo de Cuba porque todas as portas de uma luta pacífica se fecharam para mim... Como seguidor de Martí, acredito que é chegada a hora de fazer valer os direitos e não de implorar por eles. De lutar, em vez de suplicar por eles. Residirei em algum lugar do Caribe. De viagens como essa a gente não retorna, ou retorna com a tirania decapitada a nossos pés.

 

 

“A derrota praticamente reduziu as forças de Fidel a nada. Muitos rebeldes foram mortos ou acabaram sendo capturados, para serem executados mais tarde. Batista chegou a anunciar publicamente a morte dos irmãos Castro. Do total de 82 tripulantes do iate Grana que partiram do México, apenas quinze conseguiram se reagrupar mais tarde. Batista teria sufocado completamente o levante caso não estivessem entre os que conseguiram escapar Fidel, Raúl, Camilo Cienfuegos e Che Guevara. Os três primeiros eram os principais líderes e praticamente os únicos capazes de reorganizar a revolução, o quarto era simplesmente o que viria a ser chamado por Jean-Paul Sartre de o mais completo ser humano de nossa época.”

 

 

“No começo do ano de 1958, os integrantes urbanos do MR 26 de Julho, responsáveis por abastecer os rebeldes nas montanhas, decidiram que a luta deveria deixar o extremo da ilha e se espalhar pelo país, especialmente pelos grandes centros urbanos. Com o enfraquecimento do já frágil governo de Batista, conclamaram uma greve geral para o dia 09 de abril de 1958, visando paralisar o país e trazer a grande massa das cidades para a pressão contra o governo déspota. Nas montanhas, Fidel considerava que ainda não era hora desta estratégia, preferia que os combates continuassem até um avanço maior sobre as forças de Batista.

No dia 09, apenas alguns setores em Santiago, Camagüey e Santa Clara tiveram paralisações e ainda assim parciais. Sem o apoio do partido comunista, que tinha forte influência nos sindicatos, e com a informação sendo mantida em segredo até a última hora, muitos trabalhadores sequer souberam da greve. O pior é que, para mobilizar as pessoas, os integrantes do MR 26 de Julho tiveram de sair do anonimato. Um dos principais problemas de Batista estava resolvido sem que ele precisasse ter feito nada. Capturar ou eliminar os integrantes da rede urbana que fornecia recursos para os guerrilheiros nas montanhas se tornou uma tarefa mais fácil e Batista não perdeu tempo. Decidiu que seria a hora do ataque que sufocaria de uma vez por todas o levante rebelde.

Desmantelada a rede urbana do MR 26 de Julho, Batista inferiu que os rebeldes estavam isolados nas montanhas. Desta vez, aprendendo com as lições anteriores, respeitando a topografia da região e não subestimando o ainda diminuto Ejército Revolucionario, o ditador mandou o que tinha de mais forte para as montanhas. Cerca de 10.000 homens fortemente armados dispostos em 14 batalhões e sete companhias independentes, apoiados por blindados, tendo a cobertura de aviões com bombas napalm e das fragatas da marinha pelo mar, dirigiram-se para a derradeira investida contra Fidel e seus homens na ação batizada de FF (Fase Final ou Fim de Fidel). Um efetivo deste tamanho não poderia ser derrotado por um grupo de pouco mais de trezentos homens. Não poderia, mas foi.”

 

 

“Em tribunais populares, conhecidos como tribunais revolucionários, os colaboradores de Batista, isto é, os que cometeram as atrocidades contra o povo cubano no regime anterior, foram julgados e muitos condenados à morte. A maior parte das execuções ficaram a cargo de Che Guevara no quartel de Las Cabanas. O governo norte-americano aproveitou para enviar fortes protestos contra os julgamentos.

A esta época o ator norte-americano Errol Flynn, que estava em Cuba, registrou, em forma de um rústico documentário, alguns dos importantes acontecimentos pós-revolução, dentre eles os julgamentos dos criminosos que serviam a Batista, inclusive mostrando o fuzilamento de um deles. O registro mostrou que os julgamentos eram abertos ao público e aos órgãos de imprensa nacionais e internacionais, com direito a defesa por parte dos acusados, o que geralmente não ocorria nos julgamentos do governo anterior. O questionamento dos rebeldes era porquê não havia protestos norte-americanos quando Batista mandava simplesmente eliminar seus adversários políticos. O documentário de Errol Flynn, proibido em muitos países capitalistas por quase cinquenta anos, chama-se A Revolução.

Os primeiros sinais de estremecimento das relações entre Cuba e os Estados Unidos começavam a aparecer. A imprensa norte-americana desenhava um irreal banho de sangue em Cuba, sob o título de Paredón. A intenção era atrair a opinião pública para a destituição de Fidel Castro do poder.”

 

 

“Um grande caminho para tornar Cuba uma nação socialista havia sido percorrido. Fidel Castro enfrentava os interesses norte-americanos com a mesma disposição da época da guerrilha. Tinha um grande apoio da população mais pobre e a coragem de resistir a qualquer agressão a Cuba. A burguesia e os antigos detentores dos meios de produção cubanos se organizavam para reaver suas posses e, com o apoio dos Estados Unidos, preparavam uma contraofensiva ao Governo Revolucionário.

O gigante norte-americano teve seu orgulho ferido e voltaria toda sua força contra aquela pequena ilha. A intenção era retomar um território perdido. Não seria possível resistir a tamanha força. Para enfrentar o poderio do vizinho gigante, maior potência militar e econômica mundial, estava uma população rural e semianalfabeta e à frente dela um comandante decidido. Isto não seria suficiente, não fosse esse mesmo comandante o responsável por derrotar 80.000 soldados de um exército regular, contando, em dado momento, com apenas 15 homens.”

 

 

“Na Guatemala, uma brigada de exilados contrarrevolucionários era treinada pela CIA para um ataque a Cuba. O plano, desenvolvido ainda no governo de Eisenhower (já se estava no governo Kennedy), era desembarcar uma quantidade grande de contrarrevolucionários na Baía dos Porcos e formar ali um governo em armas, que seria liderado pelo antigo primeiro-ministro, José Miró Cardona. Imediatamente o novo Governo seria reconhecido pelos Estados Unidos e poderia pedir uma intervenção militar oficial. Caso conseguissem se estabelecer, todo o poderio bélico norte-americano estaria à disposição dos contrarrevolucionários e um banho de sangue dificilmente seria evitado em Cuba. (...)

No dia 15 de abril de 1961, aviões B-26 vindos da Nicarágua bombardearam as três únicas bases aéreas de Cuba, com o objetivo de aniquilar a pequena força aérea cubana e garantir a supremacia aérea no desembarque dos contrarrevolucionários. O sacrifício dos jovens que manejavam as baterias antiaéreas evitou a destruição total das aeronaves cubanas. A perda de vidas foi grande, especialmente na base aérea de Ciudad Libertad, localizada próxima a uma região densamente povoada. Eduardo Garcia Delgado, um dos jovens que perderam a vida defendendo as bases aéreas, um pouco antes de morrer, enquanto agonizava, escreveu no muro, com o próprio sangue, um emblemático nome: Fidel. Era o resumo mórbido de como a população estava fechada com seu comandante-em-chefe.

Os Estados unidos divulgaram na imprensa que o ataque havia sido comandado por pilotos que desertaram das forças armadas revolucionárias, mas fotos mostraram que a proa dos aviões era diferente dos herdados pelo Governo Revolucionário. Com a farsa descoberta e denunciada no comitê político da Assembleia Geral da ONU, novos ataques contra o que restava da diminuta força aérea cubana foram abandonados por poderem evidenciar uma participação direta norte-americana nos assuntos cubanos. No dia seguinte ao ataque, durante as cerimônias fúnebres, Fidel discursou e acusou de covarde a intervenção estadunidense. Ele disse: “Quando os japoneses atacaram Pearl Harbor, assumiram a responsabilidade, estes senhores, não.” O discurso, de forte cunho patriótico, é considerado histórico porque revelou pela primeira vez a natureza socialista da revolução:

Porque o que os imperialistas não conseguem perdoar é que estejamos aqui, o que os imperialistas não conseguem perdoar é a dignidade, a integridade, o valor, a firmeza ideológica, o espírito de sacrifício e o espírito revolucionário do povo de Cuba. Isto é o que não podem nos perdoar, que estejamos aí no seu nariz, e que tenhamos feito uma Revolução Socialista no próprio nariz dos Estados Unidos... E que defenderemos com nossos fuzis esta Revolução Socialista... Com o valor com que ontem nossas defesas antiaéreas crivaram à bala os aviões agressores... Esta é uma Revolução Socialista e Democrática dos humildes... Não vacilaremos, frente a quem quer que seja, em defendê-la até a última gota de sangue.

 

 

“Fidel resumiu posteriormente como enxergou este ataque:

Kennedy vacilava e, no final, diante das dificuldades dos invasores da Playa Girón, decidiu lhes dar um apoio aéreo, mas quando foram fazer isto, já não havia mercenários, porque em 68 horas o nosso contra-ataque liquidou completamente aquela expedição. Uma dura derrota para o império. E uma grande humilhação.

A incrível participação do povo cubano nos combates evidenciou que Cuba havia se tornado uma nação em armas, disposta a defender sua soberania a qualquer custo e seguir seu comandante em qualquer combate. Fidel Castro personificava aquele sentimento nacionalista insurgente. O intuito norte-americano era de evidenciar um descontentamento do povo cubano com o governo socialista, mas o que se viu foi justamente o oposto. A união da população com a liderança revolucionária se estreitou e dificultou uma justificativa para uma intervenção militar direta dos Estados Unidos na ilha, entretanto, após o fracasso da operação com os cubanos contrarrevolucionários, este parecia ser o único modo de conseguir derrubar o regime socialista.”

 

 

“Os Estados Unidos atuavam ativamente para sufocar os focos revolucionários ao longo do planeta e, precavidos com a experiência cubana, agiam de forma eficiente para blindar a América Latina da influência comunista. No campo econômico, proporcionavam linhas de crédito com juros baixos e longos prazos, o que propiciou índices elevados de crescimento econômico nos países sob sua influência, ao custo de uma dívida externa de dimensões tão ou mais elevadas quanto o crescimento que foi proporcionado. O resultado foi uma estagnação nas décadas seguintes nestes países, mas foi eficiente como propaganda no momento mais crucial da Guerra Fria. No Brasil, esse período foi conhecido como “milagre brasileiro”, um período de grande crescimento na área econômica e pouca liberdade de expressão.”